O art. 28 do CPP, o sistema acusatório e a decisão proferida na ADI 6305
O art. 28 do CPP, o sistema acusatório e a decisão proferida na ADI 6305
Antes da instituição da Lei 13.964-2019, o artigo 28 do Código de Processo Penal era tratado e previsto apenas em seu caput, o qual prescrevia o seguinte, verbis:
Art. 28. Se o órgão do Ministério Público, ao invés de apresentar a denúncia, requerer o arquivamento do inquérito policial ou de quaisquer peças de informação, o juiz, no caso de considerar improcedentes as razões invocadas, fará remessa do inquérito ou peças de informação ao procurador-geral, e este oferecerá a denúncia, designará outro órgão do Ministério Público para oferecê-la, ou insistirá no pedido de arquivamento, ao qual só então estará o juiz obrigado a atender.
Tal previsão continha a regra de que caso o Ministério Público entendesse não haver justa causa ou fundamentação plausível para apresentar denúncia crime em desfavor do indiciado e, consequentemente, determinasse o arquivamento do inquérito policial, tal questão teria que ser remetida ao juízo competente para homologação; no mesmo sentido, se a mesma autoridade judicial discordasse de tal convencimento ministerial, enviaria o inquérito policial para o procurador-geral que, por sua vez, poderia concordar com o juízo e nomear outro representante para oferecer denúncia crime ou, confirmar a ordem de arquivamento, restando somente neste momento a obrigação do poder judiciário em acatar e homologar tal entendimento do parquet.
Com a redação antiga, não há dúvidas de que havia a direta ofensa ao sistema acusatório aplicado em nosso sistema penal e processual penal, uma vez que permitia que o judiciário inflamasse um entendimento advindo do parquet, que é o titular da ação penal pública, ao “recorrer” ao procurador geral caso não concordasse com o entendimento de arquivamento do inquérito policial.
Relevante mencionar neste contexto, que para se proporcionar um sistema penal e (ou) processual penal equilibrado, é indispensável a existência de um judiciário imparcial, isento de qualquer pré-julgamento e que recepcione as provas apresentadas pelas partes, possibilitando desta forma uma prolação de sentença livre de qualquer influência subjetiva e que provenha de interpretação e convencimento próprios, com fulcro nos princípios basilares do Livre Convencimento Motivado e da Persuasão Racional.
Por seu turno, a Lei 13.964-2019, chamada “pacote anticrime”, trouxe significativas modificações no respectivo artigo, uma vez que, além de alterar o seu caput, ainda fez incluir os parágrafos 1º e 2º, passando a prescrever o seguinte:
Art. 28. Ordenado o arquivamento do inquérito policial ou de quaisquer elementos informativos da mesma natureza, o órgão do Ministério Público comunicará à vítima, ao investigado e à autoridade policial e encaminhará os autos para a instância de revisão ministerial para fins de homologação, na forma da lei.
§ 1º Se a vítima, ou seu representante legal, não concordar com o arquivamento do inquérito policial, poderá, no prazo de 30 (trinta) dias do recebimento da comunicação, submeter a matéria à revisão da instância competente do órgão ministerial, conforme dispuser a respectiva lei orgânica.
§ 2º Nas ações penais relativas a crimes praticados em detrimento da União, Estados e Municípios, a revisão do arquivamento do inquérito policial poderá ser provocada pela chefia do órgão a quem couber a sua representação judicial.
Percebe-se facilmente que a respectiva alteração legal traz, já na redação do seu caput, uma sensível positivação que direciona a competência para ordenar o arquivamento do inquérito policial para o titular da ação penal pública ( condicionada ou incondicionada), ou seja, para o Ministério Público, retirando por sua vez qualquer influência do Poder Judiciário, ao contrário de como era na redação anterior do referido artigo já mencionada.
Da mesma forma, após o encaminhamento da ordem de arquivamento para a instância ministerial superior, ainda se visualiza uma atenção especial principalmente à vítima do fato investigado no IP ao determinar que a mesma seja informada do arquivamento ocorrido e que, no prazo de 30 dias a contar da respectiva comunicação, possa recorrer contra tal decisão, levando seu inconformismo à instância ministerial superior, conforme prescreve o parágrafo primeiro do novo artigo 28 do Código de Processo Penal. Ressalte-se que tal informação também deve ser realizada ao investigado e à autoridade policial.
Ainda, nas situações em que a vítima do fato objeto de investigação policial for a União, os Estados e os Municípios, a respectiva pretensão revisional do arquivamento deverá ser realizada pelo representante legal (chefia) do órgão a quem couber tal providência.
Porém, a contrário senso e na contramão de um direcionamento constitucional e principiológico dado pela letra legal, haja vista todos os contornos existentes em nosso sistema penal pátrio, a decisão do E. Ministro Luiz Fux do Supremo Tribunal Federal em suspender cautelarmente “sine die” a eficácia do caput do artigo 28 do Código de Processo Penal, assim como de outros artigos constantes da Lei 13.964/2019, representa um desserviço total e absoluto ao sistema acusatório e às garantias processuais advindas da Constituição da República e das leis penais de nosso país.
É preciso destacar com muita ênfase que tal decisão reflete uma ausência preocupante de conhecimento da área penal a ponto de se traduzir na respectiva decisão proveniente de uma medida cautelar deferida na ADI 6305, a qual fora proposta pela Associação Nacional dos Membros do Ministério Público.
Desta forma, o combate ao sistema inquisitório, o qual por sua vez traz consigo o descompasso com o sistema acusatório, fica profundamente ferido e necessitando de uma imediata e célere análise pelo colegiado do STF para fins de recolocar as discussões e, ao final, decidir pelo bem de um sistema que a longos tempos brada por um maior equilíbrio entre os sujeitos processuais.
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