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O caminho da tomada de decisão no jogo processual penal

O caminho da tomada de decisão no jogo processual penal

O processo de tomada de decisão sempre será um fenômeno complexo. Seja na esfera judicial ou em qualquer setor da vida humana, saber escolher qual direção tomar em meio a uma bifurcação é tarefa das mais difíceis possíveis.

É assim porque para cada decisão existe um luto. Sim, um luto. O jovem que escolhe cursar direito ao invés de medicina terá com certeza uma profissão bela, porém deixará de lado outra profissão importantíssima para o bem-estar da sociedade. A moça que decide acabar um relacionamento que em tese aparenta estar tudo bem, mas que para ela não há mais forças para continuar, escolheu sair da sua zona de conforto sentimental, e com isso também colherá certas consequências.

Agora, imagine a tarefa árdua e solitária de um magistrado, sobretudo no processo penal, onde deverá decidir entre a inocência e a culpa de um ser humano… Dura tarefa, que por isso deve(ria) ser sempre norteada pelos preceitos legais. 

Por sua vez, ciente desta dificuldade, o estudo da teoria da decisão jurídica tenta nos mostrar o caminho a ser perseguido pelo magistrado na hora de aplicar o direito ao caso concreto. É preciso que este tenha fixado em sua mente a importância do seu trabalho, onde muitas vezes ele não apenas aplicará o direito, e sim o criará, basta vermos a força dos precedentes no ornamento jurídico brasileiro, sobretudo após a vigência do Código de Processo Civil de 2015, que embora não seja o regente da área criminal, com certeza a afeta. 

Abro parênteses para contar um causo da minha breve jornada: certa vez, em uma audiência de proposta suspensão condicional do processo, o magistrado por ter simpatizado com a minha cliente, indagou: “doutor, o senhor estudou a jurisprudência? Acho que dá para inocentar ela… E outra, senão tiver jurisprudência, nós criamos aqui”. Bem, tenho certeza de que esse tratamento fora dado por conta do estereótipo da minha cliente, e com certeza, eu estudei a jurisprudência.

Outrossim, a decisão jurídica é lastreada por preceitos matemáticos acoplados ao estudo da argumentação – premissa maior, premissa menor e conclusão – bem como a preceitos filosóficos e, por óbvio, os preceitos jurídicos.

O direito em si não pode ser tratado como ciência exata, por isso não creio que um dia as máquinas farão o trabalho dos operadores do direito, porém como em uma conta de soma, em alguns casos, a premissa maior se encaixa à premissa menor, o que gera muitas vezes conclusões erradas, pois cada caso deve ser olhado com a particularidade exigida.

Não obstante a isso, a filosofia surgiu para trazer um olhar mais humano sobre as causas postas frente ao Estado, demonstrando a importância do pensar crítico frente a cada caso concreto. Porém, todos esses preceitos precisam estar alinhados com os ditames legais, pois ela – a lei – é o ponto de partida e o de chegada da atuação judicial.

Por outro lado, não podemos ser ingênuos quanto a um outro preceito, o subjetivismo de cada juiz. Basta vermos a diferença entre as decisões das turmas do Supremo Tribunal Federal – STF. Uma é mais garantista, em grande parte cumpre o seu papel de guardiã da Constituição sem se preocupar com o clamor social ou fatores externos a ciência jurídica.

Já outra, mais punitivista, não só escuta o clamor social como também o cita em seus votos, os quais, não raras vezes, parecem mais um discurso popular do que uma decisão judicial. E nessa verdadeira loteria surge o réu, a parte mais fraca do processo penal; sim, o réu. Defender a vítima é tarefa do Estado, a ele cabe esse papel.

O direito penal cumpre o papel de garantidor dos principais bem jurídicos da sociedade, porém também cumpre a função de limitador do direito de punir estatal. Já o processo penal, nas palavras de Aury Lopes Jr. é “um caminho necessário para alcançar-se a pena e, principalmente, um caminho que condiciona o exercício do poder de penar, à estrita observância de uma série de regras que compõe o devido processo penal”.

Neste diapasão, surge o advogado, querido por uns, odiado por outros, mas sempre essencial à administração da justiça, conforme teor do artigo 133 da nossa Carta Magna. A tarefa desse profissional, por muitas vezes incompreendida, sobretudo quando falamos de advocacia criminal, em grande parte é “conhecer a natureza humana. Portanto, para melhor ajudar as pessoas, deve-se conhecê-las.

As fraquezas e as virtudes de cada um são a chave para bem representá-las” (NEVES, José Roberto de Castro. 2018). E dada a máxima vênia ao ilustre autor citado, digo que não só para representar alguém, mas também para convencer e rebater é preciso mergulhar a fundo nas fontes de conhecimento dos demais jogadores do processo.

O advogado que apenas se preocupa em montar sua tese com as informações prestadas pelo cliente estará fadado a viver na série C, quem sabe na B, do campeonato. Porém, para chegar à série A, jogar uma libertadores e disputar/ganhar um mundial, é preciso saber como o acusador pensa e ainda mais, como o julgador pensa – nada melhor do que no país do futebol uma metáfora futebolística – e isso demanda tempo e trabalho duro.

Por isso é para poucos, pois infelizmente não é todo profissional que está disposto a pagar o preço a fim de se ter uma exímia atuação, mas como os dias são maus, essa necessidade se torna iminente no jogo processual penal.  Por exemplo: o advogado por mais garantista que deva ser, também deve beber da fonte de autores mais punitivista, pois muitas das vezes são eles que doutrinam promotores e magistrados, e como se rebate algo sem conhecer as bases daquele argumento? 

Nesse cenário, julgo como extremamente necessário o estudo da teoria dos jogos aplicada ao processo penal, pois nas palavras do magistrado catarinense Alexandre Morais da Rosa “a teoria da decisão padrão é estática, enquanto a teoria dos jogos aceita a dinamicidade como mecanismo da interação humana em que as premissas da decisão se modificam constantemente”. Eureca!

Na verdade, pouco adianta acreditar piamente que “o juiz, é por essência, um ignorante: ele desconhece o fato e terá de conhecê-lo através da prova” (LOPES Jr., Aury. 2015), pois este já vem ao processo cercado de influências internas e externas, as quais muitas das vezes são preponderantes na sua tomada de decisão.

A grande verdade é que em determinados casos a decisão nasce no início e não no final, o que transforma alguns juízes em advogados do seu posicionamento, pois ao invés de aprender com o processo para depois tomar uma decisão, tomam uma decisão e buscam fundamento para sustentá-la. O que nos faz lembrar do denominado Código de Teodósio, tão antigo, mas muito atual:

Ninguém pode ser ao mesmo tempo juiz e réu. Não é certo que alguém imponha uma sentença para si mesmo (…) Aqueles que desejam advogar podem assumir somente um papel na condução dos casos. Não é possível que uma mesma pessoa seja juiz e advogado no mesmo caso, pois há de ser feita uma distinção dessas funções. (NEVES, José Roberto de Castro. 2018)

Por esses motivos, é preciso que os advogados lembrem da sua principal arma: a palavra! O argumento do advogado deve ser cirúrgico, ciente da importância de cada ato processual. É preciso saber mais do que a lei, esta é de conhecimento obrigatório, mas não suficiente.

O advogado vocacionado toma para si a angústia do cliente e luta com todas as armas possíveis pelo melhor resultado possível no processo, dentro do fair play, pois ele sabe que no deslinde do caso concreto “será necessário um certo percurso de entendimento da nova gramática, do design do modo decisório – individual e coletivo -, especialmente das longas cadeias de decisão, em que uma simples alteração de percurso, pode modificar o resultado” (ROSA, Alexandre Morais da. 2019).

Nesse sentido, não podemos negar que este maior cuidado com o estudo dos “oponentes”, bem como o planejamento das estratégias processuais é o que faz total diferença no veredito final, seja em primeiro grau de jurisdição, seja nos tribunais, até por que é a forma como o advogado conduz o processo que muitas vezes facilita o trabalho dos julgadores, dos seus assessores e dos seus estagiários.

Sendo assim, o processo de tomada de decisão não é apenas um encaixe entre a norma e o fato, é na verdade um jogo, onde só os verdadeiros profissionais obterão sucesso, ou melhor, vencerão a partida.


REFERÊNCIAS

LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 12. ed. São Paulo. Saraiva, 2015.

NEVES, José Roberto de Castro. Como os advogados salvaram o mundo. 1. ed. Rio de Janeiro. Nova Fronteira, 2018.

ROSA, Alexandre Morais da. Guia do processo penal conforme a teoria dos jogos. 5. ed. Florianópolis: EMais, 2019.


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