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O CNJ e as audiências criminais virtuais na pandemia

O CNJ e as audiências criminais virtuais na pandemia

Na data de 11 de março de 2020 a Organização Mundial de Saúde reconheceu e declarou o estado de pandemia decorrente da COVID-19 e, a partir de então, a ciência penal foi colocada à prova, entretanto, sem respostas certas e seguras aos dilemas postos.

E, no campo do processo penal, o debate do momento são as audiências virtuais, leia-se, aquelas realizadas por videoconferência, as quais foram disciplinadas pelo Conselho Nacional de Justiça – o CNJ.

Como se sabe, já em 17 de março de 2020, o Conselho Nacional de Justiça ao considerar a necessidade de estabelecer procedimentos e regras para fins de prevenção à infecção e à propagação do novo coronavírus, teria resolvido e recomendado

aos Tribunais e magistrados com competência penal que priorizem a redesignação de audiências em processos em que o réu esteja solto e a sua realização por videoconferência nas hipóteses em que a pessoa esteja privada de liberdade (art.7º).

Não de outra forma, o Conselho Nacional de Justiça também ao considerar a natureza essencial da atividade jurisdicional, bem como a necessidade de se assegurarem condições para sua continuidade, teria publicado na data de 20 de abril de 2020 matéria para disciplinar a utilização do sistema eletrônico e virtual nas audiências criminais.

E aqui começa o dilema.

Isso porque, nos termos das considerações das Recomendações nº 60/2020 e daquelas da Resolução nº314/2020, ambas do Conselho Nacional de Justiça, não existe qualquer previsão legal específica na legislação processual penal para se permitir a realização de audiência de instrução criminal por meio eletrônico ou virtual.

Parece certo que a adoção indiscriminada do sistema de videoconferência nas audiências de instrução criminal, isso com vistas à redução dos riscos epidemiológicos, não se enquadra em qualquer das hipóteses excepcionais e taxativas previstas no artigo 185, §§ 2º e 8º do Código de Processo Penal.

Sendo assim, estaria o Conselho Nacional de Justiça exercendo atividade fora do seu poder constitucional de expedir atos regulamentares ou determinar providências no âmbito de sua competência (art.103-B, § 4, inciso I da Constituição Federal) ?

Como de praxe e de maneira irreparável,  Lenio Luiz Streck, Ingo Wolfgang Sarlet e Clèmerson Merlin Clève, ao tratar  dos limites constitucionais das resoluções do Conselho Nacional de Justiça e Conselho Nacional do Ministério Público, respondem ao questionamento:

(…) as resoluções que podem ser expedidas pelos aludidos Conselhos não podem criar direitos e obrigações e tampouco imiscuir-se (especialmente no que tange à restrições) na esfera dos direitos e garantias individuais ou coletivas. O poder “regulamentador” dos Conselhos esbarra, assim, na impossibilidade de inovar. As garantias, os deveres e as vedações dos membros do Poder Judiciário e do Ministério Público estão devidamente explicitados no texto constitucional e nas respectivas leis orgânicas. Qualquer resolução que signifique inovação será, pois, inconstitucional. E não se diga que o poder regulamentar (transformado em “poder de legislar”) advém da própria EC 45. Fosse correto este argumento, bastaria elaborar uma emenda constitucional para “delegar” a qualquer órgão (e não somente ao CNJ e CNMP) o poder de “legislar” por regulamentos. E com isto restariam fragilizados inúmeros princípios que conformam o Estado Democrático de Direito.”

E nesta circunstância não é forçoso reconhecer a imposição de notórias restrições na esfera de direitos e garantias individuais decorrentes destes atos do Conselho Nacional de Justiça: a violação do devido processo legal, do contraditório e ampla defesa. Exemplo? O Direito de presença como desdobramento da autodefesa, onde, pessoalmente e ao lado do seu defensor, teria o acusado possibilidade de auxiliá-lo na instrução probatória.  

Por todo o exposto, o Conselho Nacional de Justiça teria se excedido na sua atribuição constitucional, conquanto o ato normativo para disciplinar o procedimento das audiências virtuais na circunstância do trabalho remoto do Poder Judiciário não encontra respaldo na legislação primária, logo assim, deve ser tido como inconstitucional com consequente possibilidade reconhecimento de nulidade processual por notório prejuízo no direito de defesa dos acusados presos.

Leia também:

22 teses do STJ sobre provas no processo penal


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