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O Código de Ética da Magistratura como letra morta

O Código de Ética da Magistratura como letra morta

O Código de Ética da Magistratura, aprovado pelo CNJ em 2008, elenca princípios a ser seguidos por todos os membros do Judiciário:

O CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, no exercício da competência que lhe atribuíram a Constituição Federal (art. 103-B, § 4º, I e II), a Lei Orgânica da Magistratura Nacional (art. 60 da LC nº 35/79) e seu Regimento Interno (art. 19, incisos I e II);

Considerando que a adoção de Código de Ética da Magistratura é instrumento essencial para os juízes incrementarem a confiança da sociedade em sua autoridade moral;

Considerando que o Código de Ética da Magistratura traduz compromisso institucional com a excelência na prestação do serviço público de distribuir Justiça e, assim, mecanismo para fortalecer a legitimidade do Poder Judiciário;

Considerando que é fundamental para a magistratura brasileira cultivar princípios éticos, pois lhe cabe também função educativa e exemplar de cidadania em face dos demais grupos sociais;

Considerando que a Lei veda ao magistrado ‘procedimento incompatível com a dignidade, a honra e o decoro de suas funções’ e comete-lhe o dever de ‘manter conduta irrepreensível na vida pública e particular’ (LC nº 35/79, arts. 35, inciso VIII, e 56, inciso II); e

Considerando a necessidade de minudenciar os princípios erigidos nas aludidas normas jurídicas;

RESOLVE aprovar e editar o presente CÓDIGO DE ÉTICA DA MAGISTRATURA NACIONAL, exortando todos os juízes brasileiros à sua fiel observância.

Uma crítica que sempre se deve fazer ao Código é que o mesmo não prevê sanções. No entanto, mesmo com essa lacuna, suas disposições são impostas a todos os magistrados:

Característica singular do Código de Ética da Magistratura Nacional é a ausência de sanções. Como codificação, seria desejável se detivesse também a retribuir condutas eticamente reprováveis? Assim ocorre com a maior parte dos diplomas similares. O Código de Ética da OAB, por exemplo, abriga todo um título para o Processo Disciplinar e o Estatuto da OAB elenca as sanções disciplinares aplicáveis aos inscritos no organismo. (NALINI, 2010, pgs. 51/52).

Os primeiros a defender (e obedecer) ao Estado Democrático de Direito devem ser, claro, os funcionários públicos que fazem parte dele: Judiciário, MP, Defensorias, OAB, integrantes das Polícias Civil, Militar e Federal. 

Recentemente, um juiz de 1º grau no Paraná ganhou as manchetes ao chamar o promotor da causa de “defensor de bandidos”. Um dos veículos que noticiou a conduta descabida do magistrado foi o site de notícias jurídicas Conjur:

O juiz José Daniel Toaldo, da 9ª Vara Criminal de Curitiba, ex-delegado de polícia, tem lado e tem coragem de ter opinião. Ele não esconde, por exemplo, que considera o distanciamento do juiz algo que prejudica o combate ao crime. A missão primordial de um juiz é condenar quem ele considera “bandido” — é a inferência embutida em suas decisões. Esta semana, Toaldo reconheceu ser suspeito para julgar um caso que tem como promotor Jackson Zilio. O magistrado deixa claro na decisão que odeia e despreza o membro do MP do Paraná por ver nele um “defensor de bandidos.

A raiva é vigorosa:

Atuará no feito, mimetizando um promotor de Justiça, a pessoa de Jackon Zilio”, diz o juiz. Toaldo ainda se mostrou irritado com o fato do promotor ter se juntado à OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) em junho em uma tentativa de ato de desagravo a um juiz. 

Como já é de conhecimento público, tal pessoa se porta como defensor de criminosos, ao arrepio das tão altas funções do Ministério Público. Tal postura vem sendo relevada por logos anos. No entanto, como última “pérola”, tal cidadão se aliou à OAB com o fim de praticar o odioso “desagravo público”, situação que se presta unicamente a atender interesses mesquinhos dos piores profissionais da área.

A situação ocorreu no último dia 28 de junho, sendo possível vê-lo em fotografias da bufonaria promovida pelo órgão de classe (basta uma busca na rede mundial de computadores)”, completa o juiz. (MARTINES, 2019.

Além da gritante falta de respeito com o integrante do Parquet, é preocupante que um juiz criminal tenha uma mentalidade tão punitivista. De acordo com a Constituição, todo réu tem direito a um julgamento imparcial e que respeite o contraditório e a ampla defesa. Um juiz criminal que assume a postura de “odiar bandidos” e “defensores de bandidos” é alarmante, pois, supostamente, o juiz da causa tem o dever de ser imparcial.

A atual onda punitivista que abrange advogados, juízes, membros do Parquet e a sociedade como um todo resolveu que Deus não existe e tudo é permitido. Trabalhar com processo criminal tem como pressuposto compreender que todo réu tem direito a um juiz imparcial, um advogado ou a Defensoria Pública, devido processo legal, com contraditório e ampla defesa. Não é favor do magistrado. É o que a Constituição determina. 

Dispõe o artigo 1º do mencionado Código de Ética da Magistratura:

Art. 1º. O exercício da magistratura exige conduta compatível com os preceitos deste Código e do Estatuto da Magistratura, norteando-se pelos princípios da independência, da imparcialidade, do conhecimento e capacitação, da cortesia, da transparência, do segredo profissional, da prudência, da diligência, da integridade profissional e pessoal, da dignidade, da honra e do decoro.

O Capítulo III do Código é inteiramente dedicado à imparcialidade:

Art. 8º O magistrado imparcial é aquele que busca nas provas a verdade dos fatos, com objetividade e fundamento, mantendo ao longo de todo o processo uma distância equivalente das partes, e evita todo o tipo de comportamento que possa refletir favoritismo, predisposição ou preconceito.

Art. 9º Ao magistrado, no desempenho de sua atividade, cumpre dispensar às partes igualdade de tratamento, vedada qualquer espécie de injustificada discriminação.

Diante de condutas inadequadas por parte de magistrados, cabem à OAB, ao CNJ e às Corregedorias de cada Tribunal, cada qual dentro de suas atribuições, as devidas providências. 


REFERÊNCIAS

MARTINES, Fernando. Juiz do PR se reconhece suspeito e chama promotor de “defensor de bandido”. Publicado no site Conjur em 12 de agosto de 2019, 16h01. Disponível aqui

NALINI, José Renato. ÉTICA DA MAGISTRATURA. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2010.


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Maria Carolina de Jesus Ramos

Especialista em Ciências Penais. Advogada.

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