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O crime de abandono de animais possui previsão legal no Brasil?

O crime de abandono de animais possui previsão legal no Brasil?

Muitos são os projetos de leis em curso visando a majorar a pena do crime de maus tratos aos animais para que os atos de crueldade contra estes passem a ser processados e punidos no âmbito da justiça comum, haja vista a existência de institutos despenalizadores no JECRim que, no frigir dos ovos, terminam eximindo de culpa o autor dos maus tratos em prejuízo aos animais.

No entanto, no tocante ao abandono propriamente dito de animais, é correto asseverar que não há qualquer tipo penal específico na Lei de Crimes Ambientais disciplinando o que, de fato, configura abandono de animais.

O que se tem apenas é uma resolução do conselho federal de medicina veterinária, que de maneira sucinta diz: “considera-se maus tratos…o abandono de animais” (art. 5°, inc. IV, da resolução 1236/18). E um tipo penal no Código Penal que incrimina o abandono de animais em propriedade alheia (art. 164, CP).

Assim sendo, nota-se que, diferentemente do que sucede em outros países, como por exemplo, em Portugal, que há um tipo penal específico e bem detalhado, indicando quais condutas configuram o delito de abandono de animais.

No Brasil, o que se tem é a já mencionada resolução, que além de não especificar o que se entende por abandono de animais, pune da mesma forma – através, portanto, do mesmo tipo penal -, condutas com graus distintos de reprovabilidade.

E um tipo penal com previsão Código Penal, que pune o ato do abandono em função dos prejuízos que a inserção indevida de animais em propriedade alheia pode ocasionar para o proprietário do terreno. Ou seja, a proteção que é conferida ao animal, nesse caso, se dá de forma indireta, já que o bem jurídico protegido é, de fato, a propriedade.

Em Portugal, por outro lado, o legislador ordinário previu dois tipos penais distintos para punir o abandono (art. 388, CPpt) e os maus tratos (art. 389, CPpt) separadamente.

Assim, apesar da proteção, em Portugal, ser conferida apenas aos animais de companhia, diferindo, por exemplo, do que ocorre na Alemanha, em que a proteção se estende a todos os animais vertebrados, é correto afirmar que o bem jurídico protegido nas incriminações de maus tratos e de abandono é tão somente o sentimento dos humanos para com os animais mais próximos.

O tipo penal português relativo ao abandono de animais, possui os seguintes dizeres:


Artigo 387.º Maus tratos a animais de companhia

1 – Quem, sem motivo legítimo, infligir dor, sofrimento ou quaisquer outros maus tratos físicos a um animal de companhia é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias.

2 – Se dos factos previstos no número anterior resultar a morte do animal, a privação de importante órgão ou membro ou a afetação grave e permanente da sua capacidade de locomoção, o agente é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias.


Artigo 388.º Abandono de animais de companhia. Quem, tendo o dever de guardar, vigiar ou assistir animal de companhia, o abandonar, pondo desse modo em perigo a sua alimentação e a prestação de cuidados que lhe são devidos, é punido com pena de prisão até seis meses ou com pena de multa até 60 dias.


Artigo 389.º Conceito de animal de companhia

1 – Para efeitos do disposto neste título, entende-se por animal de companhia qualquer animal detido ou destinado a ser detido por seres humanos, designadamente no seu lar, para seu entretenimento e companhia.

2 – O disposto no número anterior não se aplica a factos relacionados com a utilização de animais para fins de exploração agrícola, pecuária ou agroindustrial, assim como não se aplica a factos relacionados com a utilização de animais para fins de espetáculo comercial ou outros fins legalmente previstos.


Ora, pela simples leitura do tipo penal em comento, percebe-se claramente que além da intenção do legislador português ter sido a de proteger apenas os animais mais próximos ao homem, nota-se que o mesmo definiu de forma clara e precisa as condutas caracterizadoras do abandono de animais, o que difere fortemente do que ocorre no cenário brasileiro, onde prevalece a insuficiência legislativa.

Nota-se, desse modo, que em Portugal o crime de abandono de animais é um crime de perigo concreto e de natureza subsidiária. Assim, pune-se apenas o abandono no qual o animal é colocado em situação concreta de perigo. Não sendo suficiente, portanto, a indicação abstrata de que o animal fora abandonado, para que o agente incorra no referido crime.

Além disso, o abandono de animais, na ordem jurídica portuguesa, possui natureza subsidiária, pois caso o animal de companhia venha a sofrer algum dano físico em decorrência do abandono, o tipo penal de abandono será absorvido pelo crime de maus tratos para que não haja bis in idem – já que se estará diante de apenas uma conduta praticada em um mesmo contexto fático-delitivo.

É o que ocorre nos casos em que o dono ou possuidor deixa o seu animal preso em algum lugar sem fornecer as condições mínimas para a preservação do bem-estar do mesmo. Assim, se o possuidor do animal não presta os cuidados mínimos para com o mesmo e em decorrência disso o perigo se transforma em dano, o autor do fato deverá responder criminalmente pelos maus tratos (que podem ser caracterizados pelas mais diversas consequências resultado da exposição a perigo).

Dessa feita, nota-se ainda que, no Brasil, há uma carência legislativa para a proteção do animal abandonado, já que pune-se o abandono e os maus tratos da mesma forma e através de um mesmo tipo penal, não havendo um tipo penal específico, portanto, para incriminação da conduta de expor o animal a perigo em função do abandono.

Assim, apesar de tramitar na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei n° 44/2019, que visa criminalizar a conduta de abandono de animais em rodovias, percebe-se que os motivos por ora expostos no presente projeto não acrescentam em nada no propósito de tutela do animal individualmente considerado.

Primeiro porque o referido projeto criminaliza apenas as condutas decorrentes do abandono e não o abandono propriamente dito. A ideia no projeto é punir o dono ou possuidor do animal não pelo abandono em si, mas sim pelos danos nas rodovias resultantes do ato de abandonar.

Em segundo lugar, porque o projeto claramente restringe o âmbito de incidência da norma, já que assevera que só é crime se o abandono ocorrer em rodovias, impedindo, dessa forma, a punição do agente que abandona seu animal em lugar privado ou público, diferente da rodovia.

Ante o exposto, conclui-se que a proteção penal em razão do abandono de animais é muito precária em nossa ordem jurídica, não havendo sequer um tipo penal específico que determine de forma precisa o que se entende por abandono de animais.

O que se tem, como já dito, além da punição da inserção de animais em propriedade alheia, é apenas a previsão de punição do abandono no crime de maus tratos – o que gera problemas de proporcionalidade. Afinal de contas, maltratar é mais grave que abandonar, como também é evidente que matar um animal traz uma maior repulsa social do que o ato propriamente dito de maus tratos. São condutas distintas que merecem diferentes penalizações.


REFERÊNCIAS

CÂMARA DOS DEPUTADOS. Projeto de Lei n° 44/2019. Disponível aqui. Acesso em 07/04/2019.


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Daniel Lima

Mestrando em Direito Penal e Ciências Criminais. Especialista em Direito Penal e Processo Penal. Advogado.

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