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O crime de condicionamento de atendimento médico-hospitalar emergencial em tempos de COVID-19

O crime de condicionamento de atendimento médico-hospitalar emergencial em tempos de COVID-19

O alastramento da pandemia ocasionada pelo coronavírus (COVID-19) coloca em xeque o Direito, em meio ao atual cenário social, em oferecer maior segurança técnica e jurídica na defesa dos interesses das pessoas e instituições. Assim, o presente texto aborda uma análise sucinta da conduta tipificada no art. 135-A do Código Penal sob a ótica de ameaça à saúde pública. 

A partir de 29 de maio de 2012, data da publicação da Lei 12.653, o Código Penal acrescentou à Parte Especial, precisamente no Capítulo III (Da periclitação da vida e da saúde), uma nova forma de omissão de socorro, tipificada como crime o condicionamento de atendimento médico-hospitalar emergencial, descrita no art. 135-A para aquele agente que exigir cheque-caução, nota promissória ou outra forma de garantia financeira ou burocrática para que seja realizado o referido atendimento, como condição para o atendimento médico-hospitalar emergencial. 

A norma repreende a conduta em negar atendimento emergencial, exigindo do paciente (ou de seus representantes) certa garantia financeira (cheque, nota promissória, promessa de pagamento, letra de câmbio, endosso de uma duplicata) ou preenchimento prévio de formulários administrativos (contrato de adesão) para que seja realizado o referido atendimento, podendo ser aplicada pena cominada de três meses a um ano e multa, sendo possível, tratando-se de figura preterdolosa, ser aumentada até o dobro se da negativa de atendimento resulta lesão corporal de natureza grave, e até o triplo se resultar morte da vítima.

Importante ressaltar que a Constituição Federal de 1988 determina que “a saúde é um direito de todos e dever do Estado” (art. 196/CF), bem como estabelece que a iniciativa privada também possa atuar na área da saúde (art. 199/CF). À vista disso, entende-se que em relação aos sujeitos do crime, a conduta pode ser praticada por administradores e/ou funcionários de hospitais públicos ou privados, como bem observa o doutrinador Rogério Greco:

O problema surge quando o empregado, que trabalha no setor de admissão de pacientes, cumpre as ordens emanadas da direção e não permite o atendimento daquele que se encontrava em situação de emergência. Nesse caso, entendemos que haverá o concurso de pessoas, devendo, ambos (diretor e empregado) responder pela infração penal em estudo. (GRECO, p. 371). 

Dessa maneira, surge a reflexão acerca do preenchimento do tipo penal referente ao paciente dever estar em condição emergencial em meio a um cenário de crise ocasionada pelo COVID-19, em que há efetivo risco para a vida daquele paciente e da própria saúde pública. 

A respeito disso, com base no princípio da legalidade, analisa-se a Resolução 1451/95 do Conselho Federal de Medicina que traz a definição legal de emergência, elementar do tipo penal incriminador, contudo, valendo-se de uma interpretação teleológica, parece adequado enquadrar o conceito de urgência como idêntica proteção penal, estando implicitamente abrangida pelo tipo, seguindo a linha de pensamento de Rogério Greco:

Em ambas as hipóteses (emergência e urgência) existe a necessidade de tratamento médico imediato, razão pela qual, embora o tipo penal do art. 135-A faça menção tão somente ao atendimento médico-hospitalar emergencial, devemos nele também compreender o atendimento médico de urgência. (GREGO, p. 705). 

Dessa forma, levando em consideração o atual contexto social do Brasil, para evitar lesão a incolumidade física, a saúde e a vida de pessoas que necessitam atendimento hospitalar emergencial, torna-se de extrema importância maior fiscalização por intermédio de autoridades competentes, e da própria sociedade brasileira, para que de modo algum a autonomia privada possa desprezar o valor dos direitos e garantias individuais fundamentais, cabendo ao Estado assegurar sua efetivação, intervindo não apenas para garantir os serviços públicos necessários à sua concretização, mas também para afastar qualquer forma de agressão.


REFERÊNCIAS

CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: parte especial. 5ed. Editora JusPodivm, 2013.

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte especial. 10ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2013. 

 


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Eliseu Rogério Hoepner Júnior

Graduado em Direito pela Faculdade CNEC e Pós-graduando em Ciências Criminais (ULBRA)

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