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O crime fortalece o crime – essa é a ideologia

O crime fortalece o crime – essa é a ideologia

Por questão de “Direitos Autorais”, informo que o título do artigo não é de minha autoria. Na verdade, ele é o final do art. 7, do Terceiro Estatuto do PCC, estatuto que regulamenta a vida no crime para os irmãos. Para ser bem objetivo, “seria a Carta Magna deles” que, no caso deles, há a pena capital. Então, é a que obedecem.

O crime fortalece o crime

Não me venham com aquela visão da década de 70, de que o bandido é burro. Burro na verdade é quem menospreza o crime, e é por essa burrice, que estamos vivendo essa situação em nosso país. Atualmente, o PCC está em sua Terceira Geração. Coincidência ou não, agora apresenta características de “Bandos e Gangues de Terceira Geração”, geração essa quanto ao fenômeno da “organização criminosa” (IBCCRIM, 2012).

Ao final, tratei um pouquinho mais sobre isso.

Muitas pessoas estão me perguntando por que não estou escrevendo sobre os ataques de criminosos em alguns Estados. Ainda não tinha chegado a hora para mostrar a sociedade a triste realidade em que estamos passando, mas essa hora, felizmente para muitos e infelizmente para poucos, chegou. Sem maiores delongas, vamos tirar toda essa sujeira que o Estado tenta nos esconder debaixo de seu tapete.

Alguém “reparou” que não estão mais ocorrendo mortes de presos de facções dissidentes dentro e fora do cárcere? Como eles mesmo dizem:

Na cadeia e na rua, mestrão?

Só quem realmente quer “permanecer cego” ou “àqueles mesmos tipos de pessoas” que, em 1997, “responderam” à CPI que investigava o crime organizado no Estado, chegando a ridicularizarem seus membros “dando a entender” que os mesmos estivessem mal informados ou vendo fantasmas quando pediram informações sobre o PCC, publicando na íntegra o Primeiro Estatuto que já nos avisava as metas do PCC, muitas delas já cumpridas. Afinal de contas, como eles mesmo me diziam:

É a cara[1]! (é o “Direito”)

Eu já venho alertando desde 2002, durante a 54ª Reunião Anual da SBPC toda essa Política Criminal e Penitenciária equivocada. Na verdade, política criminógena penitenciária empregada naquela época pelo Estado de São Paulo, que fez todo esse estrago que vemos todos os dias nos jornais e que vejo que não se encerrará, se assim não desejar o crime.

É incrível como as coisas vão se repetindo, ou seja, o crime se fortalecendo nos mesmos erros cometidos outrora pelo Estado, e, para comprovar o amadorismo do Estado, vemos que o crime vem usando suas mesmas técnicas, afinal de contas ela já deu certo uma vez, não é mesmo?

Alguns leitores devem não estar entendo nada do que escrevi, então, meu caro, se este for o seu caso, obrigatoriamente, ao menos, você terá que estudar o que escrevi sobre as gerações do PCC, assim como recomendo que leiam os artigos que estão disponíveis nos links deste artigo, pois se agirem assim, conseguirão com muito mais facilidade entender toda essa lógica dos atentados e o que estamos sofrendo.

Essa foi a “técnica” que usei nesse artigo para ajudar os leitores, inclusive dos blogs, sites e jornais que verifico que têm “espalhado” por aí. Agradeço a oportunidade dessa humilde contribuição à sociedade globalizada, tendo em vista que venho acompanhando o quanto estão espalhando minhas humildes contribuições acadêmicas.

O amadorismo com o crime organizado é deveras danoso a sociedade, não digo ao Estado, pois não se preocupa conosco, porque, se realmente se preocupasse, não teria o PCC conseguido cumprir “tudo o que nos avisou que iria fazer”. Lembrando que os avisos remontam da década de 90, conforme publicado no Diário Oficial do Estado de São Paulo.

Veja só a irresponsabilidade do Estado: informou-nos o PCC, em seu art. 14, que sua prioridade era desativar o Campo de Concentração (como diziam os que vinham daquela Unidade, da “Caverna”). Já no art. 15 nos informou que iriam fazer uma “megarrebelião” no Estado de São Paulo, já nos dizendo que já tinham se consolidado em SP e que a meta seria a nível nacional.

Os leitores lembram bem as mortes que ocorreram anteriormente, e é claro que se recordam que eram brigas do PCC por domínio de “cadeias” em outros Estados. Eis o PCC lutando para alcançar o objetivo de seu Primeiro Estatuto, ou seja, dominar outros Estados.

Alguns “especialistas” esquecem de observar que não é porque estamos no Terceiro Estatuto que os objetivos do Primeiro Estatuto ainda não foram alcançados devem ser abandonados. Ledo engano. Como dizem os mesmos, “o crime não é comédia”. Já sabemos inclusive que seus membros estão causando problemas nas prisões de outros países, assim como a Argentina já está tentando impedir o ataque dos tentáculos da organização.

O crime se uniu em nosso país, seja ele organizado ou composto de facções e outros bandos sediciosos, que não atingiram o “status” de serem considerados organizações criminosas. Mas, se depender do nosso Estado (União Federal), como já ocorrera (PCC), eles conseguirão facilmente atingir.

Claro, se não ocorrer mais uma vez mortes, pela disputa de territórios e poder. “Como o empirismo” já “me mostrou”, várias vezes nas prisões presos não foram trabalhar e estudar quando da morte do Pai (como assim era chamado Sombra o antigo líder do PCC).

O PCC na década de 90 usou uma técnica muito interessante que lhe deu o poderio que possui hoje. Fazia rebeliões e para encerrar as mesmas pedia “bonde” (transferência) para a cadeia que ainda não estava nas suas mãos e assim dominou as “faculdades” (prisões) em SP. Quando as faculdades estavam em suas mãos, entenderam por bem fazer uma megarrebelião em SP.

Eles decidiram acabar, porque o objetivo era mostrar do que o PCC era capaz. Bom, ao menos foi isso que ouvi deles durante o fenômeno, que ocorreu em 2001. Aqui faço o acréscimo. Meu psiquiatra sempre me alerta: “é crônico, você nunca esquecerá isso, não há remédio, não há tratamento para isso, isso é incurável”. Por isso às vezes me recordo dos fatos com mais detalhes, frases e demais acontecimentos.

O cárcere é um moedor de ser humano, destrói todos que lá trabalham e/ou habitam. As voltas no moedor são os anos, que os que lá estão sofrem. Tal o poder destrutivo do cárcere, provoca sulcos em nossas mentes, ao nos submeter à prisionização, despersonalização, dentre outras mazelas da fábrica de fazer loucos.

RN e MG já sofreram ataques simultâneos do PCC e esses ataques já vêm acontecendo faz anos, assim como o emprego da “Força Nacional”. Agora vemos que a mesma Força está sendo empregada no Ceará, só que os números de ataques só aumentam. Aqui cabem algumas perguntas:

Quantos ataques o crime organizado se dará por satisfeito para encerrar tudo isso? Quando ocorrem ataques em outras Estados, e se “por acaso” ocorrer o Salve Geral Nacional, vão mandar a Força Nacional de Segurança para todos os Estados?

Caso sim, se já não estão dando conta do Ceará, conseguirá toda a Força impedir os ataques no Brasil todo? Há policiais suficientes em nosso país para dar conta desse Exército que o crime organizado monta, “comprando-o” até quem possui 13 anos, com mil reais para “tacar fogo” e cinco mil para “explodir”?

Como vamos combater um Exército que contém até menores? Seremos capaz de abrir concursos públicos na área da segurança pública e formá-los na mesma velocidade que o crime organizado consegue aumentar sua guarnição. Claro, lembrando que para eles não há necessidade de concursos e nem uma formação tão demorada como ocorrem no Estado; lembrando, claro, por exemplo, que as organizações criminosas no RJ estão fazendo uso da “mão de obra especializada”, oriunda das Forças Armadas. Por isso que vemos que há tanta facilidade no manuseio de armas de guerra e todo tipo de explosivos.

Quando saí do Exército, o Setor de Inteligência do PCC (em 1994) já tinha feito o “levantamento de minha vida”. Sabiam que eu tinha sido sargento de tiro, que sabia utilizar as armas e explosivos. Sem sombras de dúvidas, esse convite não foi um “privilégio” somente meu, não é mesmo?

Acho muito “engraçado” os “especialistas” dizerem que não confiam quando há informações em bilhetes manuscritos oriundos das prisões. Que isso seria muito amadorismo, etc.

A porcentagem de papéis que tive em minhas mãos durante toda minha vida no cárcere eram 99% manuscritos, até porque eles não tinham acesso aos computadores. Hoje em algumas Unidades sabemos que isso já existe.

Mas ninguém seria tão imbecil de “imprimir” um Salve para a rua (dar ordens de execuções, rebeliões e etc.). Isso tem que ser feito na “jega” (cama) de preferência com o “come-quieto” (cortina usada para preservar a intimidade dos presos durante a visita íntima) “fechado”.

Quantas vezes presos não me pediram para entregar “bilhetinho” na rua, isso desde que iniciei em 1994. Mas deixem esses especialistas para lá, afinal de contas, como dizem os presos, “eles estão de chapéu atolado até o pé, mestrão”, “comédia pura!”.

E dão aquela risada que só quem “conviveu no meio” – empirismo que tanto falta à Criminologia – e aqui supro o da Criminologia Penitenciária – mesmo sabendo que estou nadando contra todos “especialistas”, mas a “força” (empirismo), que adquiri nesses mais de 24 anos “nadando dentro do cárcere”, me fazem superar essa “maré”, que espero que um dia vá acabar, pelo bem da academia –, do crime organizado, sabe do que digo.

Voltando à parte do empirismo, e lembrando o que o PCC fez na década de 90, na megarrebelião, em 2001, e os atentados em 2006, e agora o que vemos que vem ocorrendo, e não é de hoje, nos faz lembrar de umas técnicas de guerra (TZU, 2003, pp.  28-29):

24 – Mantenham-no sob tensão e cansem-no.

25 – Atacai-o onde não estiver preparado. Executai as vossas investidas somente quando não vos esperar.

A história do CV nos informa que liam o “Mini Manual do Guerrilheiro Urbano”, de Marighella, dentre outras obras disponíveis à época no cárcere.

Uma das capacidades dessa nova geração de organização criminosa (esqueçamos as máfias, pois vergonhosamente a superamos) é que, para alcançar seus objetivos, é capaz de se unir à(s) outra(s) organização(ões) criminosa(s), facção(ões) criminosa(s), mesmo que para isso tenha que se unir com seu(s) inimigo(s), pelo menos até que consiga alcançar seu objetivo e não exista mais a necessidade de alguns certos laços criminosos.

Em uma outra ocasião darei mais tratamento ao PCC como “gangues de terceira geração”, pois, em virtude de sua relevância, deve ser tratado em um artigo independente, com uma sequência ainda não possível de informar, tendo em vista a “mutabilidade criminógena” que esse fenômeno possui.

O slogan União (que veio a ser inserido no atual Estatuto do PCC) está sendo muito empregado e sendo útil como “bandeira”, para que assim as ações do Estado não lhes surtam efeitos, sendo inibitórias incapazes de enfraquecer o crime, enquanto que o crime fortalece o crime – essa é a ideologia.

Resumidamente é isso que eu tinha que dizer à sociedade globalizada e agora posso dormir mais sossegado, depois de explicar, de uma maneira bem clara, essa problemática. A mesma forma de ensinar que sempre prezo por ter, por toda minha vida acadêmica.


REFERÊNCIAS

SEMINÁRIO DE DIREITO PENAL, 1., 2012. Pindamonhangaba. PCC como organização criminosa: análise criminológica. Pindamonhangaba. IBCCRIM.2012. 470 p.

TZU, Sun. A Arte da Guerra. Martin Claret, São Paulo: 2003.

NOTAS

[1] Sempre que conversávamos sobre fuga, eu escutava: “a cara do ladrão é fugir e da polícia”. Sempre nos trataram como policiais, mesmo tentando lhes explicar que a Pasta (Secretaria) era diferente – em SP, não pertence à Segurança Pública, pois, ao menos até o presente momento, há uma Secretaria específica para assuntos penitenciários, o que entendo ser de uma ignorância extingui-la, pois os especialistas trabalham lá e assim têm mais acesso à realidade (empirismo) que qualquer outra pessoa não tem condições de ver –. “Cada um tem a sua cara, não é mesmo mestrão?”


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Diorgeres de Assis Victorio

Agente Penitenciário. Aluno do Curso Intensivo válido para o Doutorado em Direito Penal da Universidade de Buenos Aires. Penitenciarista. Pesquisador

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