O dia em que nasci de novo… por ter escolhido ser advogado criminalista!
Por Jean de Menezes Severo
E aí, minha gente, como foi o Carnaval de vocês? Espero que bem! Se estão lendo nossa coluna, é sinal que não tivemos “incidentes” na folia. Maravilha! Para variar, passei o carnaval trabalhando, preparando aulas, estudando um júri com muitos réus, mas não posso me queixar. A boa e velha cervejinha consegui tomar, assim como coloquei o sono em dia. Descansar também é importante, ainda mais quando se inicia o ano novo, eis que o ele só começa de verdade no Brasil após o Carnaval. Deixemos o lero-lero e lado e vamos ao que interessa: colunaaaaa!
Na semana passada, por sugestão de uma amiga leitora, escrevi sobre os riscos que corremos em sermos advogados criminalistas. Agradeço demais aos amigos leitores que curtiram, comentaram e compartilharam a coluna, o que me deixa muito feliz. Agora, vou presenteá-los com uma situação real, vivida por este humilde rábula diplomado no inverno de 2005, na cidade de Porto Alegre. Esta essa coluna vem ao encontro de tudo àquilo que escrevi semana passada, porque, naquela noite fria, EU NÃO MORRI PORQUE ERA ADVOGADO!
O maior conselho que eu posso dar para que alguém não seja vítima de um assalto é: SE ANTECIPE AO ASSALTO, MANTENHA-SE SEMPRE ATENTO; a maior arma do criminoso é a surpresa. Às vezes, demoramos uma eternidade para sairmos do veículo ou ficamos de conversa no celular, o que nos faz vítimas em potencial; sequer notamos a presença de estranhos ou assaltantes que esperam apenas uma oportunidade para seu próximo ataque.
Eu sempre fui muito “ligado” a essas situações; gosto de antever o que vai me acontecer e presto atenção nos meus passos, porém, naquele dia, por um descuido, tornei-me vítima e talvez tenha feito o júri mais importante da minha vida; quando era “calçado” por criminosos, eu tive que salvar minha vida.
Deviam ser sete horas da noite quando saí do escritório e fui para casa. Minha filha recém tinha nascido e eu, como bom pai “babão”, estava louco para chegar e encher minha filhota de beijos, mas antes decidi passar na farmácia para comprar alguns analgésicos, pois o dia fora “puxado”.
Estacionei meu veículo bem próximo à farmácia, em uma rua lateral; lembro-me dessa noite como se fosse hoje: um frio, um frio de “renguear cusco” como se diz no meu Rio Grande do Sul, desci do carro fui correndo na farmácia, comprei o medicamento e, quando entrava no carro, fui “calçado”, com a seguinte frase:
“Perdeu fdp, se reagir vai morrer!”
Cometi dois erros naquela noite: o primeiro foi fazer tudo correndo, sem observar o que estava a minha volta, tanto na ida quanto na volta da farmácia; e o segundo foi estar com a cabeça em outro lugar e não estar concentrado no que estava fazendo. Meu único pensamento era voltar logo para casa, tomar um banho quente e pegar minha filha no colo.
Mas a pequena teria que me esperar mais um pouco naquela noite. Quando fui “calçado” e ouvi aquela “voz de assalto”, gelei. Parece que tudo não passava de uma brincadeira. Demoramos um pouco para acreditarmos que aquilo esta acontecendo com a gente; parece que o tempo fica em câmera lenta, mas a primeira coisa que me veio à cabeça foi: Sou advogado criminalista e sei que vou sair desta!
Colocaram-me no banco de trás com um cara muito “doido de pó” e outros dois ingressaram no veículo, ficando um no volante e outro como carona. Uma pistola estava grudada em mim, na barriga, colocada pelo terceiro assaltante que ao meu lado ficou no banco traseiro, mas eu sabia que não podia vacilar tampouco reagir. Minha arma naquele momento era minha argumentação, minha experiência como advogado criminal.
Sabia que tinha pouco tempo para agir. Eles queriam dinheiro, por isso, teríamos que ir a um caixa 24 horas para “rapar” a conta deste que vos escreve. Também se apoderaram do meu celular e certamente iriam levar meu carrinho para algum desmanche. Quando o cara de trás, que me “guentava”, tomou a carteira que estava no bolso do terno, já larguei meu primeiro disparo:
“Mano, fica calmo não estou nem ao menos olhando pra vocês, isso com os olhos fechados. Sou advogado criminalista, defendo uma pá de manos velho. Todo dia cara. Minha filhinha é recém nascida. Não me mata velho. Abre ai minha carteira e vê meu documento. Tem uns cartões meus ai também mano!”
Naquele momento, eu criei um fato novo naquele assalto. Um silêncio ficou no carro e achei que agora eu iria pra “banha”. Eu e a minha mania de falar demais! No entanto, senti que o jogo tinha virado ao meu favor, então disparei uma metralhadora em cima dos malandros:
“Caras, eu defendo o fulano, que tá preso no presidio tal, galeria tal, o fulano é plantão lá e outras!” Defendo o beltrano que esta preso na PASC; caiu faz tantos dias, tem “embolamento” com ciclano… Velho, leva a grana a carteira, o carro, só me deixa voltar pra minha filha pelo amor de Deus.
E, por fim, falei:
“Cara defendo também o M* da Restinga (um dos bairros com maiores índices de criminalidade de Porto Alegre). Ele é meu cliente.”
Quando falei este nome um deles perguntou:
“M*?”
Respondi:
“Sim, já fiz júri dele e absolvi no Tribunal. Sou criminalista, cara. Sou advogado de verdade!”
Nisso o clima no carro estava mais “tranquilo”. Havia ganho a confiança dos malandros. A pistola não estava mais colada em mim e, para a minha alegria, o motorista falou:
“Bah, chinelagem né doutor! Assaltar anel não cabe. Vou parar o carro ali embaixo e já era tá…”
O cara era de palavra. Em uma quadra com menos movimento, estacionou o carro até a chegada de outro veículo que parou atrás do meu. Os três desceram rapidamente e o rapaz que estava no banco do motorista ao sair me deu uma letra:
“Nois ia até te matar sabe, mas tu é advogado e conhece um bandão de gente. Já era, vai na paz, nasceu de novo em gordinho!”
Eu sou gordo e sei disso, mas odeio que me lembrem disso. Só minhas filhas podem. Eles saíram cantando pneu, muito loucos. Eu fiquei ali, pasmo com que tinha acontecido. Não levaram nada. Carteira, celular, nada. Apenas me lembro de sair do banco de trás, tomar o volante do possante e dirigir lentamente até minha casa. Estacionei, tudo no automático, entrei em casa, me sentei no sofá e chorei, mas foi um choro de agradecimento, por estar vivo e voltar para ver minha filha.
Naquela noite agradeci a Deus por tudo e principalmente por ser advogado criminalista!