O direito à saúde dos encarcerados em tempos de coronavírus
Desde o dia 11 de março de 2020, data em que a Organização Mundial da Saúde declarou situação de pandemia devido ao novo coronavírus (COVID-19) recomendando o isolamento social, passamos a ficar em nossas residências, muitas vezes por imposição do Poder Público sob o fundamento de garantia da saúde da população.
Sabe-se que a Constituição Federal da República Federativa do Brasil determina que a saúde é um direito de todos e dever do Estado, cabendo, ainda, a redução do risco de doença e de outros agravos (Art. 196).
A valorização do direito à saúde se deve ao fato desse ser essencialmente um direito fundamental do homem, considerando-se que a saúde é “um dos principais componentes da vida, seja como pressuposto indispensável para sua existência, seja como elemento agregado à sua qualidade. Assim, a saúde se conecta ao direito à vida” (MALLMANN, 2012).
Diante desse direito constitucional à saúde, surge a seguinte indagação: e o preso, ele tem o direito à saúde garantido?
Vou ainda mais a fundo: considerando a situação que assola todo o mundo, teria o preso o direito à liberdade sob o fundamento do direito à saúde?
O Supremo Tribunal Federal, na medida cautelar na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 347/DF, ante a situação precária e desumana dos presídios e penitenciárias brasileiras, concluiu pelo estado de coisas inconstitucional, considerando a integridade física e moral dos custodiados.
O sistema prisional brasileiro tem mais de 750 mil pessoas privadas de liberdade e opera 70% acima da capacidade, além de enfrentar dificuldades sanitárias e de higiene.
Diante dessa situação, o Conselho Nacional de Justiça editou a Recomendação 62/2020, a qual recomenda aos tribunais e magistrados a adoção de medidas preventivas à propagação da infecção pelo novo coronavírus – Covid-19 no âmbito dos sistemas de justiça penal e socioeducativo.
Considerou o CNJ, que
a manutenção da saúde das pessoas privadas de liberdade é essencial à garantia da saúde coletiva e que um cenário de contaminação em grande escala nos sistemas prisional e socioeducativo produz impactos significativos para a segurança e a saúde pública de toda a população, extrapolando os limites internos dos estabelecimentos.
E ainda, que há
[…] necessidade de estabelecer procedimentos e regras para fins de prevenção à infecção e à propagação do novo coronavírus particularmente em espaços de confinamento, de modo a reduzir os riscos epidemiológicos de transmissão do vírus e preservar a saúde de agentes públicos, pessoas privadas de liberdade e visitantes, evitando-se contaminações de grande escala que possam sobrecarregar o sistema público de saúde.
O CNJ, com brilhantismo e zelo, assegurou o direito constitucional à saúde, e isso inclui os encarcerados, especialmente quando afirmou na Recomendação que é “obrigação do Estado brasileiro de assegurar o atendimento preventivo e curativo em saúde para pessoas privadas de liberdade, compreendendo os direitos de serem informadas permanentemente sobre o seu estado de saúde, assistência à família, tratamento de saúde gratuito, bem como o pleno respeito à dignidade, aos direitos humanos e às suas liberdades fundamentais”.
Apesar de ainda faltar muito para se garantir a eficácia dos direitos fundamentais, principalmente para com os que vivem em cárceres desumanos, o posicionamento do CNJ ao editar a Recomendação 62/2020 veio em boa hora.
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Digo isso porque os efeitos da Recomendação já se veem nas decisões dos Tribunais Superiores, como quando foi deferida a prisão domiciliar de determinado encarcerado por estar esse inserido no grupo de risco exposto no documento do CNJ (RHC nº 563.142 – SE), ou quando o Min. Marco Aurélio na ADPF 347, conclamou os juízes de Execuções Penais brasileiros a adotarem junto à população carcerária procedimentos preventivos do Ministério da Saúde para evitar o avanço da doença dentro dos presídios.
Sem dúvidas o alto índice de transmissibilidade do novo coronavírus e o agravamento significativo do risco de contágio em estabelecimentos prisionais, tendo em vista fatores como a aglomeração de pessoas e a insalubridade dessas unidades, prejudica a realização dos procedimentos mínimos de higiene e isolamento rápido dos indivíduos sintomáticos.
Porém, enquanto não chega o dia em que teremos um sistema carcerário que garanta o mínimo de dignidade aos encarcerados, em especial assegurando o direito à saúde, como determina a CFRB, tais medidas adotadas pelo Poder Judiciário pelos menos ajuda a manter a esperança até quando esse dia chegar.
REFERÊNCIAS
MALLMANN, Eduarda. Direito à saúde e a responsabilidade do Estado, DireitoNet, Disponível aqui. Acesso em: 26 de mar. de 2020.
Judiciário se mobiliza para prevenir Covid-19 em presídios, CNJ.JUS, 2020, Disponível aqui. Acessado em: 26 de mar. de 2020.
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