O direito de ficar calado

Por Andrew Lucas Valente e Eduardo Fontana Freitas. Dentre as garantias fundamentais elencadas na Constituição Federal de 1988, nasceu o direito de ficar calado, mais conhecido como direito ao silêncio. Impende salientar que o advento deste direito decorre de um pós período ditatorial, no qual garantias e direitos foram suprimidos de diversas formas, portanto, a garantia constitucional assegurando que o acusado não seja forçado a falar, ou torturado afim de obter alguma confissão é de grande valia, reforçando o ideal de respeito aos direitos fundamentais da pessoa humana.

Direito de ficar calado

O direito ao silêncio se encontra com previsão legal no art. 5º, LXIII, CF, vejamos o que dispõe:

“o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado

Destarte, a não observância do dispositivo constitucional pode acarretar na nulidade do ato de prisão, bem como do processo, com vista que fora cerceado ao acusado o direito de ter ciência que poderia ficar em silêncio. Mister faz esclarecer, a prova colhida pelo depoimento do réu, em que não fora observado a ciência do direito ao silêncio, será considera ilícita e, por conseguinte, desentranhada do processo, conforme aduz o art. 157 do CPP, vejamos:

Art. 157.  São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais.

Neste passo, convém colacionarmos julgado do Superior Tribunal de Justiça, no Habeas Corpus 22.371/RJ, declarando ilícita prova oral prestada por pessoa que não fora oportunizado o direito de ficar em silêncio:

HABEAS CORPUS. PEDIDO NÃO EXAMINADO PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. WRIT NÃO CONHECIDO. PROVA ILÍCITA. CONFISSÃO INFORMAL. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO PARA DESENTRANHAR DOS AUTOS OS DEPOIMENTOS CONSIDERADOS IMPRESTÁVEIS. CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ART. 5º, INCISOS LVI E LXIII. 1 – Torna-se inviável o conhecimento de habeas corpus, se o pedido não foi enfrentado pelo Tribunal de origem. 2 – A eventual confissão extrajudicial obtida por meio de depoimento informal, sem a observância do disposto no inciso LXIII, do artigo 5º, da Constituição Federal, constitui prova obtida por meio ilícito, cuja produção é inadmissível nos termos do inciso LVI, do mencionado preceito. 3 – Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício. (STJ – HC: 22371 RJ 2002/0057854-0, Relator: Ministro PAULO GALLOTTI, Data de Julgamento: 22/10/2002, T6 – SEXTA TURMA, Data de Publicação: –> DJ 31/03/2003 p. 275JBC vol. 47 p. 137RSTJ vol. 173 p. 452)

Destaca-se que esse não é um entendimento isolado, vejamos o julgado do Habeas Corpus:

Habeas corpus: cabimento: prova ilícita. {..} . 4. O privilégio contra a auto-incriminação – nemo tenetur se detegere -, erigido em garantia fundamental pela Constituição – além da inconstitucionalidade superveniente da parte final do art. 186 C.Pr.Pen. – importou compelir o inquiridor, na polícia ou em juízo, ao dever de advertir o interrogado do seu direito ao silêncio: a falta da advertência – e da sua documentação formal – faz ilícita a prova que, contra si mesmo, forneça o indiciado ou acusado no interrogatório formal e, com mais razão, em “conversa informal” gravada, clandestinamente ou não. {…} (STF – HC: 80949 RJ, Relator: SEPÚLVEDA PERTENCE, Data de Julgamento: 30/10/2001, Primeira Turma, Data de Publicação: DJ 14-12-2001 PP-00026 EMENT VOL-02053-06 PP-01145 RTJ VOL-00180-03 PP-01001)

Além do mais, a garantia constitucional do direito ao silêncio deriva de outro direito fundamental, prevista no art. 5º, LVII, dispondo que:

ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.

Nesse passo, o direito de presunção de inocência estabelece que ninguém será considerado culpado, tal como não deve ser compelido a se auto incriminar, com vista que as maiores barbáries da história decorreram em virtude da autoincriminação, em que pessoas alegavam ter cometido uma conduta contrária aos costumes da época, tão somente com a finalidade de cessar o flagelo do castigo físico que estava sofrendo.

Tenha presente, ainda, que uma pessoa que nunca esteve em ambiente policial está com nervos a flor da pele, tornando-se instável, até mesmo insegura de suas alegações com vista toda pressão que existe naquele local. Neste sentido, optar por exercer o silêncio sobre a ocorrência dos fatos é o mais indicado, bem como estar acompanhado de um advogado que irá analisar o caso da melhor maneira possível, qual poderá inclusive lhe indicar a falar dos fatos com escopo de elucidar certo ponto controvertido.

Insta ressaltar, o silêncio para os fins penais não importa em presunção de culpa, por conta de ser facultado ao indivíduo o exercício do direito ao silêncio. Impende salientar, em casos que pairam dúvida sobre autoria do crime, bem como incerteza das provas que foram colhidas, em sede de maioria acarretaram em uma sentença absolutório em virtude do princípio do in dubio pro reo ainda que este tenha optado por ficar em silêncio.

Diante do exposto, a recomendação é que, caso se encontre em uma abordagem policial, exerça o direito ao silêncio, garantia constitucional prevista no art. 5º, LXIII, CF, afim de não produzir qualquer prova potencialmente desfavorável contra si.

Lembre-se, delegacia não é lugar de rolê; autoridade policial não é padre para se confessar; e não existe “amiguinho” na persecução penal.

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