O direito de presença do réu como elemento garantidor da ampla defesa
O direito de presença do réu como elemento garantidor da ampla defesa
A Constituição Federal de 1988 dispõe, em seu art. 5º, LV, que aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.
Compreende-se como ampla defesa a defesa técnica (processual ou específica) e a autodefesa (material ou genérica)
A defesa técnica somente pode ser exercida pelo profissional da advocacia e deve ser plena, efetiva e irrenunciável. Ninguém poderá ser processado criminalmente sem um defensor, seja constituído ou nomeado.
Já a autodefesa é exercida pelo próprio acusado em determinados momentos do processo. Compreende: direito de audiência, direito de presença e capacidade postulatória autônoma do acusado.
O cerne do presente artigo é tratarmos sobre o direito de presença do acusado.
O direito de presença do réu como elemento garantidor da ampla defesa
Tanto o direito à defesa técnica quanto à autodefesa estão previstos na Convenção Americana de Direitos Humanos. O art. 8.2, “d”, preceitua que é direito do acusado
defender-se pessoalmente ou de ser assistido por um defensor de sua escolha e de comunicar-se, livremente e em particular, com seu defensor.
Tal direito também está contemplado no Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (art. 14.3, “d”), que determina que é garantia do acusado ”estar presente no julgamento e de defender-se pessoalmente ou por intermédio de defensor de sua escolha; de ser informado, caso não tenha defensor, do direito que lhe assiste de tê-lo e, sempre que o interesse da justiça assim exija, de ter um defensor designado ex-officio gratuitamente, se não tiver meios para remunerá-lo.”
Parte da doutrina entende que a autodefesa pode ser positiva ou negativa. Neste sentido Aury Lopes Júnior ensina que:
A chamada defesa pessoal ou autodefesa manifesta-se de várias formas, mas encontra no interrogatório policial e judicial seu momento de maior relevância. Classificamos a autodefesa a partir de seu caráter exterior, como uma atividade positiva ou negativa. O interrogatório é o momento em que o sujeito passivo tem a oportunidade de atuar de forma efetiva-comissão-, expressando os motivos e as justificativas ou negativas de autoria ou de materialidade do fato que se lhe imputa. Ao lado deste atuar que supõe o interrogatório, também é possível uma completa omissão, um atuar negativo, através do qual o imputado se nega a dar a mínima contribuição para atividade probatória realizada pelos órgãos estatais de investigação, como ocorre nas intervenções corporais, reconstituição do fato, fornecer material escrito para a realização do exame grafotécnico etc.
Daí ser imprescindível a intimação do advogado e do acusado para todos os atos processuais. Logo, podemos afirmar que é um direito fundamental do acusado presenciar e participar da instrução processual (LIMA, 2017, p. 61)
O direito de presença poderá ocorrer de duas formas: pela presença física na audiência ou por meio de videoconferência. A presença física faz-se imprescindível para efetivar a mais ampla defesa, mormente quando o acusado se encontra custodiado pelo Estado. A realização do ato por vídeo conferência é medida excepcionalíssima, somente se admitindo quando satisfeitos os requisitos previstos no art. 185, § 2º, I, II, III e IV do CPP.
É necessário que o magistrado, em decisão fundamentada, aponte os motivos concretos para a realização excepcional do ato, não se legitimando em razão meramente da ausência de efetivo de agentes públicos para efetuar o transporte do réu preso. Desta decisão as partes serão intimadas com antecedência mínima de 10 dias (art. 185, § 3º, CPP).
Ao ser intimado cabe ao acusado decidir se comparece ou não, obviamente montando a estratégia com seu advogado.
Apesar da previsão em tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário, nossos tribunais superiores vem decidindo que tal direito de presença não tem caráter absoluto e que deve ser demonstrado o prejuízo quando o ato for realizado sem a presença do acusado.
Assim já decidiu o STF:
O Tribunal, por maioria, reconheceu a existência de repercussão geral no tema objeto de recurso extraordinário interposto contra acórdão de Turma Recursal Criminal de Comarca do Estado do Rio Grande do Sul, reafirmou a jurisprudência da Corte acerca da inexistência de nulidade pela ausência, em oitiva de testemunha por meio de carta precatória, de réu preso que não manifestou expressamente intenção de participar da audiência, e negou provimento ao apelo extremo. Esclareceu-se que, no caso, o defensor fora intimado da data da expedição da precatória e da data da audiência realizada no juízo deprecado, não havendo sequer indício de que o réu desejasse comparecer. Vencidos os Ministros Marco Aurélio e Celso de Mello, que, ao se reportarem ao que decidido no HC 93503/SP (DJE de 7.8.2009) e no HC 86634/RJ (DJE de 23.2.2007), proviam o recurso por vislumbrar transgressão ao devido processo legal, asseverando que a presença do acusado na audiência constituiria prerrogativa irrevogável, indisponível, sendo irrelevante o fato de ter sido ele requisitado, ou não, ou, ainda, manifestado, ou não, a vontade de nela comparecer. Alguns precedentes citados: RHC 81322/SP (DJU de 12.3.2004); HC 75030/SP (DJU de 7.11.97); HC 70313/SP (DJU de 3.12.93); HC 69203/SP (DJU de 8.5.92); HC 68436/DF (DJU de 27.3.92); HC 68515/DF (DJU de 27.3.92). RE 602543 QO/RS, rel. Min. Cezar Peluso, 19.11.2009. (RE-602543).
No mesmo sentido o STJ assim se manifestou:
O direito de presença do réu é desdobramento do princípio da ampla defesa, em sua vertente autodefesa, franqueando-se ao réu a possibilidade de presenciar e participar da instrução processual, auxiliando seu advogado, se for o caso, na condução e direcionamento dos questionamentos e diligências. Nada obstante, não se trata de direito absoluto, sendo pacífico nos Tribunais Superiores que a presença do réu na audiência de instrução, embora conveniente, não é indispensável para a validade do ato, e, consubstanciando-se em nulidade relativa, necessita para a sua decretação da comprovação de efetivo prejuízo para a defesa e arguição em momento oportuno (…) (RHC 39.287/PB, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, DJe 1º/2/2017).
Tais decisões atestam um total descomprometimento com as garantias do acusado, previstas em nossa Constituição, bem como nos tratados internacionais de direitos humanos. Ora, o sistema de garantias constitucionais e convencionais é voltado para o imputado e não para a acusação. Conforme defende Aury Lopes Júnior:
O poder deve ser limitado e legitimado pela estrita observância das regras do processo. O sistema de garantias constitucionais está a serviço do imputado e da defesa, não da acusação. Não se trata de discurso de impunidade ou de “coitadismo”, como algum reducionista de plantão poderá dizer, senão de uma complexa estrutura de poder, onde para punir, deve-se garantir.
Apesar do art. 563 do CPP determinar que nenhum ato será declarado nulo se não houver demonstração de prejuízo, devemos fazer uma leitura à luz do sistema acusatório.
O grande equivoco da lógica de demonstração do prejuízo pela parte, ocorre pela indevida utilização das regras do processo civil no processo penal. O famigerado pás de nullité sans grief é utilizado pelos julgadores como uma muleta para não decidir pela ilegalidade do ato.
Ora, se forma é garantia, (Aury, 2017, p.938) devemos respeitar a tipicidade processual sob pena de cada magistrado agir à sua maneira. Para que servirá o Código de Processo penal? Conforme ensina Alexandre Morais da Rosa:
A teoria da ausência de prejuízo (CPP, ART. 563) prende – se a uma noção civilista de aproveitamento de atos que é incompatível com o processo considerado como garantia do acusado em face do Poder Estatal, além de guardar inspiração inquisitória, já que o procedimento democrático, nesse contexto deve atender às finalidades.
O exercício da pretensão acusatória não pode ocorrer sem o respeito às garantias constitucionais e convencionais. Portanto, defendemos que o acusado tem o direito de estar presente em todos os atos processuais e , para que isso ocorra, deverá sempre ser intimado para se manifestar.
REFERÊNCIAS
ROSA, Alexandre Morais da. Procedimentos e nulidades no jogo processual penal: ação, jurisdição e devido processo legal. Florianópolis: Emais Editora, 2018.
LOPES JÚNIOR, Aury. Direito processual penal. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2017.
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