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O Direito e a Arte com enfoque na formação jurídica no Brasil atual

O Direito e a Arte com enfoque na formação jurídica no Brasil atual

Nota introdutória: Na coluna da Comissão de Estudos Direcionados em Direito & Literatura do Canal Ciências Criminais, apresentamos aos leitores um pouco daquilo que vem sendo desenvolvido pela comissão nessa terceira fase do grupo. Além da obra que será produzida, a comissão se dedica a pesquisa e ao debate sobre questões presentes na temática “Direito & Literatura”. Em 2019, passamos a realizar abordagens mais direcionadas nos estudos. Daí que contamos dois grupos distintos que funcionam concomitantemente: um focado na literatura de Franz Kafka e outro na de George Orwell. Assim sendo, alguns artigos foram selecionados e são estudados pelos membros, propiciando uma salutar discussão entre todos. Disso se resultam as ‘relatorias’ (notas, resumos, resenhas, textos novos e afins), uma vez que cada membro fica responsável por “relatar” determinado texto por meio de um resumo com seus comentários, inclusive indo além. É o que aqui apresentamos nessa coluna, almejando compartilhar com todos um pouco do trabalho da comissão. O texto da vez, formulado pela colega Maria Carolina de Jesus Ramos, foi feito com base no artigo “O direito e a arte como enfoque na formação jurídica no Brasil atual”, de José Renato Venâncio Resende – publicado nos anais do V CIDIL. Vale conferir! (Paulo Silas Filho – Coordenador das Comissões de Estudos Direcionados de Direito & Literatura – Orwell e Kafka – do Canal Ciências Criminais)


O artigo de José Renato Resende busca, dentro do contexto do excesso de cursos de Direito no país, fazer uma reflexão das vantagens em se adicionar ao ensino do Direito a matéria “Direito e Literatura”.

O movimento “Direito e Literatura” é relativamente recente no país, não sendo uma matéria ensinada nos cursos de graduação, embora já conte com Revistas e Congressos específicos.

Essa escola surgiu primeiramente nos Estados Unidos, quando foi publicado o ensaio “A list of legal novels”, de John Wigmore, em 1908. Em 1925, um magistrado de Nova Iorque, Benjamin Cardozo, publicou outro trabalho relacionando Direito e Literatura. Porém, foi na década de 1970 que o movimento “Law e Literature” tomou mais consistência, chegando à Europa. Uma das vertentes do movimento é o estudo e a análise do Direito a partir de obras literárias:

Entretanto, transcendendo essa análise cronológica, vale frisar que a inter-relação entre literatura e direito pode ter (e tem) três distintas faces, quais sejam: o direito na literatura, o direito como literatura e o direito da literatura. (REZENDE, p. 17).

O Direito é, por excelência, uma ciência conservadora. Assim se manifesta o articulista:

O direito, por sua vez, é iminentemente conservador, uma vez que tem pretensões de manter a ordem social, ordem esta que foi eleita, em algum momento do desenvolvimento humano, como imprescindível para a convivência dos indivíduos. É como se, em certa passagem histórica, as autoridades houvessem tirado uma fotografia da sociedade e o direito, desde então, tivesse como uma de suas principais incumbências conservar as coisas exatamente como elas foram, ali, representadas. Esse seria o status quo “normal”, termo que deriva, vale ressaltar, da própria ideia de norma. Ou seja, tudo aquilo que não obedecesse essa normalidade seria – ou deveria ser – considerado subversivo e, por esse mesmo motivo, um desvio a ser corrigido. (Idem, p. 4).

Dentro desse conservadorismo característico do Direito, como conciliar o Direito com a Arte, a Literatura?

A Arte, dentro da qual se encaixa a Literatura, tem por característica marcante a falta de formalismo, característica esta tão essencial ao Direito. A Arte vem para inovar, quebrar barreiras e, muitas vezes, para causar choque. Livros como Lolita, de Vladimir Nabokov, Madame Bovary, de Gustave Flaubert, O Retrato de Dorian Gray, de Oscar Wilde, para ficar apenas nestes exemplos mais conhecidos, causaram polêmica considerável quando de seus lançamentos, pelo seu conteúdo. Embora nos dias atuais tenham o status de clássicos, ainda são mal vistos e mal interpretados por quem não alcança a genialidade de seus autores.

O Direito pretende ser reflexo da realidade, mas tal objetivo muitas vezes é inalcançável. Precisamente neste ponto Direito e Arte se aproximam.

Liev Tolstói, um dos grandes nomes da literatura russa, cursou e abandonou a faculdade de Direito. Suas impressões da carreira jurídica podem ser lidas em uma de suas obras, “A morte de Iván Ilítch”. Nessa obra profundamente atual, Tolstói critica a superficialidade, a futilidade do personagem, um Juiz de Direito mais preocupado com o status da carreira, com a maneira como era visto na sociedade elegante, do que com suas sentenças e despachos.

Sobre as aulas que frequentou, assim teria se manifestado Tolstói:

Quando o professor entrou e, após um breve rebuliço, todos se calaram, estendi também ao professor meu olhar satírico. Fiquei espantado porque ele iniciou a aula com uma frase que me pareceu sem qualquer sentido. Eu queria que a aula fosse incrivelmente inteligente do princípio ao fim, de modo que nem uma palavra lhe pudesse se acrescentada ou retirada. Decepcionado, debaixo do título ‘primeira aula’ que havia escrito no meu caderno belamente encadernado, fiquei movendo de vez em quando a mão para que o professor pensasse que eu estava tomando notas. Durante essa aula, decidi que era desnecessário anotar tudo que qualquer professor dissesse e que seria até uma tolice fazer isso e fui fiel a essa regra até o final do curso. (TOLSTOI, 2010, p. 343. In Rezende, pp. 6-7).

O Direito não é uma ciência perfeita. Tem lacunas, como a norma penal em branco, e muitas vezes esbarra no vazio. O Direito não tem origem divina, não é intocável. É criado pelo homem e para o homem. A arte, através principalmente da Literatura, pode trazer muito ao ensino do Direito. A leitura de clássicos só irá acrescentar conteúdo ao jurista.

Victor Hugo, um dos grandes nomes do romantismo da França, além das obras mais conhecidas (Os miseráveis, O corcunda de Notre Dame), escreveu uma obra cuja leitura só trará benefícios ao jurista moderno: “O último dia de um condenado à morte”. Nesta atualíssima obra, Hugo critica ferozmente a pena de morte, um instituto ainda existente na sociedade moderna. Tal livro foi tão importante que influenciou outro grande nome da literatura, Dostoiévski, em sua obra-prima “O idiota.”

Não dá para falar em Direito e Literatura sem citar Fiódor Dostoiévski. “Crime e castigo”, “Os irmãos Karamázovi”, o já citado “O idiota”, para ficar apenas em suas obras mais conhecidas, são obras fundamentais para o jurista moderno.

O articulista não deixa passar as principais problemáticas atualmente no ensino do Direito. Os concursos públicos, que deveriam em tese selecionar os mais capacitados para ocupar os mais altos cargos da carreira, tem se mostrado uma indústria à parte do ensino do Direito. As decisões e sentenças que circulam livremente na internet são rasas, sem embasamento doutrinário:

De fato, não é raro encontrar condutas ainda embasadas na falácia medieval de Acúrsio. Já nos primeiros períodos da graduação em direito o discente é convidado a revestir-se com a jactância que o mistério do conhecimento jurídico lhe promete. O traje formal, o jargão quase inacessível e o manejo de normas e teorias que descrevem as altas instâncias do poder conferem ao estudante a ilusão de que é ele mesmo integrante daquele clube de eleitos, do qual comungam as autoridades que ostentam ‘notório saber jurídico’. Com a conclusão dos estudos e aprovação em cargos de carreira jurídica, a convicção de autossuficiência perdura. Para tanto, abundam exemplos. Como as recorrentes decisões judiciais truncadas e mal formuladas, para as quais foi necessário que o Código de Processo Civil de 2015 previsse, além do já conhecido remédio dos embargos, dispusesse, em 14 artigos diferentes, a necessidade de que as decisões sejam fundamentadas.” (Idem, pp. 9-10).

A questão dos concursos públicos e a verdadeira indústria de cursinhos que ensinam um Direito facilitado, esquematizado, é tarefa para um estudo à parte.

O movimento Direito e Literatura no Brasil, que conta com professores do porte de Lenio Streck, André Karam Trindade, Luís Rosenfield, Henriete Karam, Fausto Santos e Morais, Ângela Araújo Silveira Espíndola, fundadores da Rede Brasileira Direito e Literatura, em Porto Alegre, é recente, mas poderá com o tempo fazer a diferença na luta pela qualidade do Direito ensinado nas faculdades e aplicado nos Fóruns e Tribunais país afora.


REFERÊNCIAS

REZENDE, José Renato. O Direito a Arte com enfoque na formação jurídica no Brasil atual. Publicado pela Rede Brasileira de Direito e Literatura, 2017.


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Maria Carolina de Jesus Ramos

Especialista em Ciências Penais. Advogada.

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