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O Direito Penal brasileiro: da década de 90 ao “Pacote Anticrime”

O Direito Penal brasileiro: da década de 90 ao “Pacote Anticrime”

Desde a década de 1990, o Direito Penal brasileiro tem se tornado mais e mais punitivista: Lei dos Crimes Hediondos (lei 8.072/1990), Lei do Crime Organizado (Lei 9.034/1995), a Nova Lei de Organizações Criminosas (Lei 12.850/2013), culminando no Pacote Anticrime. 

Nas palavras de Bitencourt:

Com efeito, a escassez de políticas públicas que sirvam de suporte para a progressiva diminuição da repressão penal, unida à ineficácia do sistema penal, produzem o incremento da violência e, em consequência, o incremento da demanda social em prol da maximização do Direito Penal. Essa foi a experiência vivida no Brasil durante alguns anos da década de 1990, pautada por uma política criminal do terror, característica do Direito Penal simbólico, patrocinada pelo liberal Congresso Nacional, sob o império da democrática Constituição de 1988, com a criação de crimes hediondos (Lei n. 8.072/90), criminalidade organizada (Lei n. 9.034/95) e crimes de especial gravidade. (BITENCOURT, 2018, p. 141).

O resultado dessa produção em massa de leis de tons mais punitivistas já deu resultado: 726 mil presos, a 3ª maior população carcerária no mundo. O número de presos provisórios chega a 35% desse montante. Um desrespeito ao princípio da presunção de inocência:

Presos algemados por dias a viaturas em frente a delegacias por falta de vagas no sistema penitenciário. A cena, registrada na última semana em Porto Alegre (RS), é um retrato da realidade do país. Um ano após uma ligeira queda na superlotação, os presídios brasileiros voltaram a registrar um crescimento populacional sem que as novas vagas dessem conta desse contingente. O percentual de presos provisórios também voltou a crescer, mostra um levantamento do G1, dentro do Monitor da Violência, feito com base nos dados dos 26 estados e do Distrito Federal.

(…) Há hoje 704.395 presos para uma capacidade total de 415.960, um déficit de 288.435 vagas. Se forem contabilizados os presos em regime aberto e os que estão em carceragens da Polícia Civil, o número passa de 750 mil.

Os presos provisórios (sem julgamento), que chegaram a representar 34,4% da massa carcerária há um ano, agora correspondem a 35,9%.

Essa produção massificada é precedida de pouco estudo teórico, resultando em leis pessimamente redigidas. Um grande vácuo da lei 9.034/95 é sequer ter dado a definição jurídica para o que deveria ser considerada “organização criminosa”, vácuo apenas corrigido com a Lei 12.850/2013:

Art. 1º Esta Lei define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal a ser aplicado.

§ 1º Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional.

A Lei 12.850/2013, base jurídica principal da controversa “Operação Lava Jato”, importou do Direito estadunidense o instituto da colaboração premiada, pessimamente aplicado na prática forense brasileira:

Art. 3º Em qualquer fase da persecução penal, serão permitidos, sem prejuízo de outros já previstos em lei, os seguintes meios de obtenção da prova:

I – colaboração premiada.

Leia também:

Um dos poucos aspectos positivos do Pacote Anticrime é a previsão do Juiz das Garantias, que aliás vem sendo rechaçado por membros do Judiciário de norte a sul do país. Uma das poucas instituições de magistrados a defender a inovação foi a Associação Juízes para a Democracia. O Judiciário, em linhas gerais, tem defendido posicionamentos extremamente conservadores, no pior sentido da palavra.

Enquanto a mídia elegeu a preocupação com os crimes de corrupção nas esferas políticas como a maior preocupação do Direito Penal brasileiro, o país ostenta altas taxas de homicídio, com pouca resolutividade e muita demora na conclusão do inquérito policial e oferecimento da denúncia pelo MP: 

O aprimoramento também se justifica pela lentidão do processamento de homicídios no Brasil. De acordo com o estudo realizado pelo Instituto Sou da Paz e publicado por meio de um edital da SENASP, a média de tempo entre crime e encerramento do inquérito foi de 539 dias em São Paulo, com mediana de 406 dias. Como o oferecimento de denúncias criminais contra suspeitos de homicídios tende a demorar mais de um ano, contabilizar somente as ocorrências que geram um processo penal no mesmo ano do fato pode implicar no subdimensionamento do esclarecimento de homicídios em alguns estados. A inclusão das denúncias criminais de homicídios de um determinado ano base e aquelas oferecidas no ano subsequente no Indicador de Esclarecimento de Homicídios atenua essa limitação sensivelmente. (Dados do Instituto Sou da Paz.). 

Diante desse panorama, há pouca possibilidade de otimismo no futuro do Direito Penal brasileiro. 


REFERÊNCIAS

BITENCOURT, Cezar Roberto. TRATADO DE DIREITO PENAL, VOL. 1. 24ª edição. São Paulo: Saraiva, 2018.

INSTITUTO SOU DA PAZ. Link: http://soudapaz.org/o-que-fazemos/conhecer/.

Notícia G1. SUPERLOTAÇÃO AUMENTA E NÚMERO DE PRESOS PROVISÓRIOS VOLTA A CRESCER NO BRASIL. Publicada em 26/04/2019. Link.


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Maria Carolina de Jesus Ramos

Especialista em Ciências Penais. Advogada.

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