ArtigosDireito Penal

O Direito Penal gera desigualdade social?

O Direito Penal gera desigualdade social?

O direito penal é um ramo do direito público destinado à proteção de bens jurídicos, ou seja, destinado à proteção de valores relevantes como um todo para todo o corpo social, sendo estes valores individuais ou coletivos. Os bens jurídicos são escolhidos de acordo com ideais de política criminal, estes pautados no Estado social democrático de direito e na Constituição da República Federativa do Brasil.

São exemplos de bens jurídicos: a família, a vida, a integridade física, a saúde, o patrimônio, etc. Todavia, essa proteção de bens jurídicos possui certo limite: o direito penal apenas poderá agir em ultima ratio, significando que enquanto outros ramos do direito tiverem lugar o direito penal não deve entrar em cena.

Mas como o direito penal poderia gerar desigualdade social? O problema está nos objetivos reais por trás da criminalização; na criminalização primária (definição abstrata do tipo penal) e na criminalização secundária (aplicação das penas criminais).

A seara criminal faz questão de demonstrar a sua plena intenção em proteção de bens importantes, mas por outro lado, sobretudo, denota obscuridades. É de grande valia ressaltar que, a expressão de valor contida por trás deste discurso protetivo está a proteção do patrimônio privado, principalmente das classes mais altas, com intenção principalmente em atingir as camadas sociais marginalizadas gerando consequentemente a seletividade penal e a desigualdade social.

Com a atualização dos dados, o Brasil possui hoje uma população carcerária que chega a aproximadamente 812 mil pessoas presas considerando todos os regimes prisionais. Entrementes, sobre a estigmatização penal e a identidade do criminoso temos que, a realidade social é selecionada, como diz Baratta (2016, p. 178-179)

dentro do mais amplo círculo dos que cometem ações previstas em lei penal, e que, compreendendo todas as camadas sociais, representa não a minoria, mas a maioria da população.

No que concerne a ideia de seletividade penal, pode-se constatar, pois então que a criminalização primária possui seus fundamentos voltados à produção seletiva de bens jurídicos, estes buscando cada vez mais interesses das classes hegemônicas, enquanto isto a criminalização secundária está presente para fazer valer o que está previsto abstratamente, ou seja, é o Estado investido de seus agentes para assegurar os privilégios previstos nos tipos penais.

Em outras palavras, como expõe Cirino dos Santos (2017, p. 11)

em conseqüência, a proteção penal seletiva de bens jurídicos das classes e grupos sociais hegemônicos pré-seleciona os sujeitos estigmatizáveis pela sanção penal […].

Sendo assim, é evidente que o direito penal direciona todo seu aparato contra certo círculo social e privilegia outro círculo social. Esta é a desigualdade social que se evidencia com a diária aplicação do direito penal.

Mas qual seria o motivo desta produção – programada – de desigualdade social? Em razão aos ensinamentos de Georg Rusche e Otto Kirchheimer temos que, a ligação entre crime e o meio social tem sido objeto de muito estudo, e também que a taxa de criminalidade de uma dada sociedade não é afetada pela política penal desta, mas é intimamente ligada à questão econômica do corpo social. Ou seja, conforme a sociedade economicamente está, a punição se dará de uma dada maneira.

É relevante apontar, conforme diz RUSCHE e KIRCHHEIMER (2019, p. 20) “todo sistema de produção tende a descobrir formas punitivas que correspondem às suas relações de produção.” Sendo assim, questiona-se, então o direito penal no capitalismo punirá, muito mais os menos afortunados em relação aos mais favorecidos? A tendência é que sim!

Desta forma, o direito penal declara estar protegendo valores relevantes socialmente dizendo para manter um ideal de paz e neutralidade quanto à punição, mas o capitalismo atual e o direito criminal que nele opera, vai sim gerar uma ordem social desigual, pois, há um evidente pólo de controle social onde a pena é a principal, e mais rigorosa maneira de reagir contra as violações aos tais valores relevantes socialmente falando.

O direito penal é usado para seleção de pessoas, controle social e destruição de vidas inúteis ao modo de produção capitalista.


REFERÊNCIAS

BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal: introdução à sociologia do direito penal. 6. ed. Rio de Janeiro: Editora Revan; Instituto Carioca de Criminologia, 2016.

CIRINO DOS SANTOS, Juarez. Direito Penal: Parte geral. 7. ed. Florianópolis: Empório do Direito, 2017.

RUSCHE. Georg; KIRCHHEIMER, Otto. Punição e estrutura social. 2. ed. Rio de Janeiro: Revan: Instituto Carioca de Criminologia, 2019.


Leia também:

STJ: para a consumação dos crimes de furto e roubo, basta o desapossamento da coisa subtraída


Quer estar por dentro de todos os conteúdos do Canal Ciências Criminais?

Então, siga-nos no Facebook e no Instagram.

Disponibilizamos conteúdos diários para atualizar estudantes, juristas e atores judiciários.

Artigos relacionados

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Botão Voltar ao topo