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O discurso contraditório sobre a prisão após a condenação em segunda instância

O discurso contraditório sobre a prisão após a condenação em segunda instância

Tão confuso quanto o tema desse artigo são os debates acalorados e divergentes sobre a prisão em segunda instância. De um lado, os defensores da principiologia e da fundamentação constitucional; de outro, os defensores do início da execução da pena a fim de evitar a impunidade. 

A decisão que será tomada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento de mérito das Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADC) 43, 44 e 54, além de possuírem o efeito “erga omnes”, terão efeitos “ex tunc” (retroage) e vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário, o que provoca ainda mais a expectativa para o fim da votação.

E por que existem tantas divergências sobre o tema?

Porque, segundo os autores das ADC’s (a saber: Partido Ecológico Nacional – Pen (Atual Patriota), Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – CFOAB e Partido Comunista do Brasil – PcdoB), a regra estabelecida na Constituição Federal e no Código de Processo Penal Brasileiro devem prevalecer, admitindo a execução da pena após o esgotamento de todas as possibilidades de recurso (trânsito em julgado).

As regras acima citadas, condizem respectivamente com os artigos 5º, da CF/88 e 283, do CPP, sendo incontestável enfrentar a análise textual deles:

Art. 5º LVII: ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.

Art. 283 do CPP: Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva.

Por amor ao debate, é inescapável a discussão sobre a interpretação das regras acima mencionadas, tendo em vista que o inciso LVII, do art. 5º, é base do princípio da presunção de inocência e é protegido como clausula pétrea. Já o artigo 283 do CPP deixa explicitado as condições em que ocorrerão o cerceamento de liberdade do cidadão.

Contudo, as decisões mais recentes do STF determinaram que a execução da pena deveria iniciar logo após a condenação em segunda instância, contrariando claramente a previsão constitucional, que prevê a presunção de inocência até o trânsito em julgado, dando o status de “culpado”, ainda que tenha possibilidade de interposição de recursos em instâncias superiores, ofendendo diretamente os direitos e garantias fundamentais e implicitamente alterando uma cláusula pétrea. 

Para a decisão da antecipação do cumprimento da pena, realizado antes do trânsito em julgado, o STF sustenta o argumento, dentre outros, de que o STJ e a própria Suprema Corte não reanalisam os fatos, não adentrando ao mérito da demanda em si. Logo, não haveria mais que se falar em reanálise meritória pelas Superiores instâncias, tornando o réu “culpado” mesmo antes do transito em julgado.

A Corte Suprema tem como principal atribuição, como tribunal constitucional que é, a de ser a guardiã da Constituição Federal. Assim, seu papel é garantir o cumprimento das regras estabelecidas. No entanto, a afronta a cláusula pétrea trouxe a insegurança jurídica que provocou a propositura das ADC’s.

Em contrapartida, na “queda de braços” do contra ou a favor, os apoiadores do atual posicionamento do STF se amparam no argumento de que a demora na execução, em razão de um extenso caminho recursal, enseja a sensação de impunidade, o que prejudicaria o combate à criminalidade e que a mudança na decisão, acarretaria concessão de liberdade de milhares de pessoas.

Fortalecendo a decisão atual da Corte, o Ministério Público Federal (MPF) entende que a execução da pena em segunda instância não fere a presunção da inocência do réu.

Explanados os posicionamentos mais debatidos sobre o tema, apontamos que a decisão do STF não deverá basear-se nas “vozes da rua”, que buscam a punição dos infratores a qualquer custo, ainda que ao arrepio da lei.

O discurso sobre a demora na execução da pena, não poderá sustentar as decisões com afronta a legislação, para demonstrar a segurança e eficiência da justiça, tampouco, a manutenção da atual decisão deverá ser mantida sob alegação de que a impunidade prevalecerá. Afinal, em um Estado Democrático de Direito, a lei majoritária deverá ser cumprida.

Se há entraves para a execução das penas, é necessário que sejam, então, modificados os caminhos recursais, com a redução de recursos que possam ser manejados após a sentença de primeira instância, e a celeridade nos julgamentos desses.

O Código de Processo Penal traz, em seu art. 283, a regra para a restrição de liberdade de forma transparente, firmando a determinação em relação a sentença condenatória transitada em julgado.

Importante destacar que, na hipótese de o condenado representar algum risco para a sociedade, o próprio CPP traz em seu bojo a prisão preventiva, que é cautelar, cabe em qualquer fase processual e poderá ser decretada nos termos do art. 312, fundamentando legalmente o encarceramento antes do transito em julgado, nada tendo a ver com a execução provisória da pena.

Diante do exposto, a fim de se fazer justiça, a aplicação da lei deverá ser realizada nos termos da Constituição Federal e do Código de Processual Penal vigentes no país.

Por derradeiro, as considerações contidas nesse texto não esgotam, mas, buscam aguçar a opinião do leitor sobre o tema, tendo em vista que, especificamente, a decisão ora combatida é de interesse não apenas por ter mutilado regras constitucionais, mas também por ter entre os milhares de possíveis beneficiários, uma figura com forte representação política.   

Ressalta-se que inexiste opinião política no presente texto e que a análise se restringe apenas na situação jurídica em si e não da situação política de qualquer dos envolvidos.

E então, de qual lado você está?

Contra, a favor ou muito pelo contrário?


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Verena Corecha

Advogada. Professora de processo penal. Coordenadora de curso de Direito.

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