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O duelo de vaidades e os prejuízos para o processo penal


Por Daniel Kessler de Oliveira


Talvez por um espelhamento de nossa sociedade, no campo do processo penal, possamos ter a vaidade como culpada de grande parcela de nossos problemas e como um elemento bloqueador de avanços, de reformas e de reflexões mais profundas.

Quantas vezes os atores judiciais não agem movidos por este sentimento e têm seus atos guiados pelos objetivos construídos por suas vaidades.

Isto é inerente ao ser humano, é uma de nossas tantas falhas e imperfeições, mas devemos, primeiro, reconhecê-las, para depois aprenderemos a lidar com elas.

Quantos não são os advogados que atuam em causas por vaidade, que demasiadamente seguros de si e buscando a promoção pessoal, tantas vezes causam prejuízos aos seus clientes.

Criações mirabolantes e promessas infundadas podem custar caro ao advogado e ao seu cliente. Muitas vezes, a defesa passa pelo reconhecimento da culpa, pela confissão, pela tentativa de redução de pena, dentre tantas outras situações que melhor defenderiam os interesses e direitos do constituinte.

Entretanto, alguns profissionais parecem reduzir o processo penal a um jogo, a um duelo, muitas vezes pessoal, com a outra parte e entender como “vergonhoso” uma construção de uma defesa que não tenha como propósito único e exclusivamente a absolvição.

Quantas vezes em processos penais, mormente, em casos de julgamentos populares, presenciamos discussões e ofensas de cunho pessoal entre advogados e promotores, tudo em nome da vaidade.

Isto leva os atores judiciais a sentirem-se os protagonistas daqueles feitos, olvidando-se de que por detrás daquelas folhas de papel, existem vidas e que nada mais fazem do que falar por eles em juízo, mas coisas muito maiores do que os interesses dos profissionais estão em jogo.

O quanto de justiça se esvai de atuações que se pautam por objetivos egoísticos é enorme e os prejuízos aos envolvidos na questão judicial são incalculáveis.

O quanto de vaidade não está por detrás de atuações de membros do Ministério Público, ao tentar a fantasiosa e utópica colocação de parte imparcial no processo penal?

Como seria possível conviver com a função de fiscal da lei e de titular da ação penal no processo penal?

Devemos aceitar que as medidas propostas e a intenção do Ministério Público de criar um código de processo pautado nos seus interesses, por acreditar na seriedade e na idoneidade dos representantes daquela instituição?

Criticar isto não é criticar os promotores, mas apenas não se conformar com medidas que exijam dos outros um nível extremo de confiança na atuação de um agente, seja ele quem for, ocupe ele qualquer posição, dentro ou fora da situação processual.

Medidas desta natureza autorizam acusações sem provas e denúncias embasadas naquilo que o promotor “sabe”, mas não possui elementos para provar.

Condenar pessoas porque o Promotor “sabe” ou por que ele quer e achar que isto é válido ou justo, é confiar demais em alguém ou em uma instituição.

Não enxergar este ponto como problemático ou não reconhecer que seus limites não podem permitir uma atuação desmedida é ter uma ideia exageradamente positiva sobre si próprio, o que configura vaidade.

No que tange a atuação jurisdicional, isto é ainda pior. O magistrado que crê cegamente em sua atuação isenta e não suscetível às influências e interferências de sua natureza humana, normalmente não aceita, sequer, questionamentos acerca disto.

Daí a dificuldade de se falar na quebra da imparcialidade, o que, muitas vezes, é causa de ofensa ao Magistrado. Questionar que o juiz não pode produzir prova de ofício, para muitos, é afirmar que são tendenciosos e parciais.

No mesmo sentido toda e qualquer tentativa de se criticar a atuação do Magistrado na fase de investigação preliminar, com a necessidade de que se tenha outro Julgador atuando no processo ou na impossibilidade de se levar em consideração os elementos produzidos no inquérito, tudo isto, por vezes, descamba para um lado pessoal por parte de alguns juízes.

Dizer que o juiz que deferiu medidas no inquérito poderá influenciar o seu julgamento não é duvidar da idoeneidade ou capacidade do Magistrado, mas reconhecer suas limitações humanas e impossibilidade de um juízo neutro sobre os elementos.

Um Magistrado que deferiu uma prisão preventiva e esta perdurou por todo um processo, muitas vezes, terá grande dificuldade em absolver o acusado ao final. Pois, como já dizia GARAPON (1997, p. 317):

“aquele que julga nunca está completamente isento de juízos antecipados. Assim, paradoxalmente, é menos difícil para ele tomar uma decisão do que alterá-la!”

Este é o ponto, o julgador é um ser humano e, muitas vezes, a sua própria vaidade pode influenciá-lo e impedir que decida da forma mais adequada, por ser de extrema dificuldade o reconhecimento de um erro anterior.

Importa frisar que não se está a afirmar que o Magistrado reconhecerá o seu erro e seguirá apostando nele, mas sim, de situações em que é levado, ainda que inconscientemente ou sem dar-se conta, a decidir de um modo mais “confortável”, de confirmação das decisões anteriores.

Novamente, a vaidade pode impedir tais reflexões e fazem com que sejam tidas como ofensivas quaisquer questionamentos a forma de atuação ou a possível parcialidade do julgador.

Que tenhamos maturidade, falar de contaminação do juiz por elementos estranhos aos autos é compreender a ciência humana, é saber de nossas limitações e imperfeições, reduzir isto à uma crítica pessoal e institucional, é negar o problema (2016, p. 243).

Dessa forma, não pessoalizar e reconhecer que as funções desempenhadas nos autos são meros instrumentos para a realização de algo que está muito além de caprichos, interesses e vaidades dos atores judiciais é o primeiro passo para que todos estes atuem com responsabilidade, lealdade e almejando o desfecho mais correto para cada caso.


REFERÊNCIAS

GARAPON, Antoine. O Bem Julgar: Ensaio sobre o ritual judiciário. Lisboa: Instituto Piaget, 1997.

OLIVEIRA, Daniel Kessler de. A Atuação do Julgador no Processo Penal Constitucional: o Juiz de Garantias como um Redutor de Danos da Fase de Investigação Preliminar. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016.

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Daniel Kessler de Oliveira

Mestre em Ciências Criminais. Advogado.

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