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O espelho de Machado de Assis: o duelo de identidades

O espelho de Machado de Assis: o duelo de identidades

O conto “O espelho” foi publicado em 1882 no Jornal Gazeta de Notícias do Rio de Janeiro e, logo após, veiculado na obra Papéis Avulsos. Ali, Machado de Assis demonstrou todo o seu repertório que o qualifica como o grande escritor brasileiro de todos os tempos.

Dentre os vários escritos na obra concentrados, merece atenção especial aquele que trata das diversas maneiras de vislumbrar a personalidade humana e, até mesmo, a definição da identidade a partir de múltiplas perspectivas.

O espelho

Entre infinitas probabilidades o ser humano se define e se compreende a partir de um singular ponto de entendimento, através do qual consegue engendrar sua personalidade. Essas prospectivas asseveram o homem em seu pedestal de segurança, confirmando sua individualidade.

Entretanto, ao caminhar com seus iguais (fato que notoriamente o torna o ser inteligente e pensante, pois é a partir da interação com o outro que o homem se compreende racional – VIGOTSKY), o indivíduo sente o repulsar de suas pulsões elegendo o seu lugar no território ao qual se condiciona.

Todavia, as situações que definem a personalidade, tanto internas quanto externas, podem sofrer determinadas ingerências por parte das circunstâncias mais relevantes da vida do sujeito.

Esses incidentes determinam como alguma pessoa encara uma situação singular e marcante, e de que forma essa ocasião poderá moldar a sua personalidade e sua identidade para sempre.

Há na obra de Machado de Assis uma dilapidação da identidade concreta do personagem principal, que se enfoca como bom entendedor da interposição de uma e de outra identidade: a metafísica e a real.

Quando se encontra em situação inaudita, refuta-se sua individualidade habitual em troca de segurança.

Essa proteção é sua salvaguarda perante as intempéries que determinada situação, não corriqueira, lhe causa em seu mais incorporado receio ou medo.

No conto, a necessidade de ter com o outro, que não havia há muito tempo, pois sozinho estava por demasiado, causa-lhe a pulsão do outro. Esse impossível ter com o outro assombra, pois o ser humano é aquele que depende de sua socialização uma vez que, sem ela, é incompleto; sem identidade.

Assim, em situações difíceis, é possível o choque de duas identidades: a habitual vai-se com a dificuldade e aquela que perdura é a da segurança: a forma com a qual se espera que os outros vejam e reconheçam e que, de fato, interpretem.

O personagem, perdido em uma dessas situações, veste sua roupa de alferes, e ali, dessa forma, se sente seguro; como jamais havia se sentido antes.

A maneira qual as outras pessoas enxergam o indivíduo é para ele mais importante do que sua forma habitual de ser, criando assim duas identidades.

Uma dessas o leva a crer em sua força, que rechaça o medo, inclusive o pavor da solidão. A outra é aquela que sempre está presente, apenas deixada de lado em momentos apreensivos. Segundo ele, a identidade real é suplantada pela metafísica, nesses casos.

O que se nota no conto é a influência que outras pessoas possuem, de uma forma ou outra, sobre o indivíduo.

Ele é moldado e configurado a partir do outro. Este precisa ser visto e interpretado por aquele; precisa, acima de tudo, ser aceito.

Para isso, a troca de experiências num interacionismo irá afeiçoar os gostos, os sabores e dissabores de toda uma vida, inclusive da existência em sociedade; em um aprendizado que envolve não apenas aptidões, mas sim, antagonismos diversos.

E são nas incompatibilidades que afloram para mais ou menos, que se afirma as identidades manifestadas no conto de Machado de Assis.

A vida social como um todo, em uma fatia de convivência necessita da aprovação do outro. Para muitos, a falta dessa afirmação perante o próximo pode aflorar a identidade de segurança, ou a maneira que se espera que o outro o veja. Em muitas situações, essas inadequações podem causar um duelo de personalidades, como afirma FREUD, e vencerá aquela capaz de confortar/confirmar uma autoafirmação.

Para o personagem do conto O espelho, sua determinação vinha por conta de um uniforme de alferes, que é como gosta que os outros o vejam.

De toda forma, independentemente da identidade que se confirma, o outro é sempre o caminho, a meta e a necessidade.


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Iverson Kech Ferreira

Mestre em Direito. Professor. Advogado.

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