O Estado de Exceção e os novos campos de concentração
Por Iverson Kech Ferreira
Para o filósofo e ex professor da Universidade de Nova Iorque Giorgio Agamben, sua aventura em lecionar nos EUA após os atentados de 11 de Setembro sofreu um revés um tanto inusitado. Italiano, sempre era convidado a discursar e palestrar sobre temas voltados ao estudo da filosofia. Depois do dia fatídico, a situação piorou para quem utilizava com frequência os aeroportos, fazendo o pensador desistir de lecionar naquele país, todavia, abrindo seus estudos acerca o Estado de exceção.
Cenas de violência, coação policial, extrema indelicadeza dos atendentes, checagem das impressões digitais, revistas embaraçadoras, são situações (e sabemos disso) que as penitenciarias e delegacias submetem a seus presos, mas não aos cidadãos livres, segundo Agamben. De uma forma especial, a crítica do filósofo alcançou um patamar extremo e delicado.
Considerar intimidar o inimigo antes que persista em seu “ato maléfico” causando nocividades ás pessoas comuns é entender que os fins justificam os meios. Justificar atos que contrariam as liberdades e garantias fundamentais da pessoa com intuito de proteção e prevenção é desenvolver um Estado de exceção tamanho, que qualquer ato seu pode ser legitimado por discursos contra a insegurança ou medo, e até mesmo, contra o terrorismo. Para que isso ocorra, o Estado de exceção deve anular o estado jurídico das pessoas em medidas de exceção que se tornam, com o passar dos tempos em leis. Nesse estado de coisas, inúmeros decretos promulgados com força de lei são regulados, legitimando pela via legal aquilo que não pode ser normatizado, segundo Agamben.
Dessa forma, muitas leis e normas inclusive conciliadoras de condutas desiguais entre diferentes, mas que dentro de um espaço devem agir de uma mesma forma, com intuito de evitar o desvio e manter a aparência de paz num mundo aterrorizado com os diferentes e estranhos, foram promulgadas, ceifando liberdades.
Para Carl Schmitt, o poder Executivo no Estado de exceção pode deter plenos poderes (vide o artigo 48 da Constituição de Weimar*) transformando-se no famoso oximoro da “ditadura constitucional” uma realidade, (que levaria a instauração de regimes totalitários) sendo um instrumento de prevenção e combate a um perigo extremo e iminente, e é nesse ponto que se configura o temor e o receio: esse Estado das coisas admite rechaçar o direito e sua peculiaridade normativa, aparentando legalidade em todos os seus atos, posturas essas que mitigam garantias e liberdades individuais dos cidadãos, não apenas estrangeiros, mas também dos viventes natos do Estado.
Destarte, a continuidade de um Estado de exceção se perfaz na expansão do totalitarismo legitimado por intermédio de políticas de segurança pública, como nos Estados Unidos, o combate ao terrorismo. A preocupação de Carl Schmitt parte diretamente para aquele que será considerado soberano ou quem irá ditar as normas e o direito, uma vez que é no Estado de exceção que se instala numa considerada terra de ninguém, para Agamben, que se configura uma batalha entre ideologias e conceitos pré definidos que podem gerar ainda mais a sua legitimidade.
Conceitos como o medo, a falta de segurança, o racismo, a mixofobia e a xenofobia podem superar todas as barreiras impostas pela perda de alguns direitos e legitimar o Estado de exceção, que pode ser configurado em detrimento de algumas pessoas, etnias, classes ou povos.
A divisão dos poderes Executivos e Legislativos se confunde ao ponto de, no Estado de Exceção, revelar o totalitarismo que os Estados modernos assumem, quando se tem tal exceção como técnica comum de governo, numa metamorfose que jaz inata entre a Democracia e o Totalitarismo.
Essa suspensão da ordem jurídica e a anulação dos direitos civis do cidadão por um Estado agora Totalitário que pensava-se Democrático, traz a ideia de que o paradigma político ocidental não mais são as cidades mas sim, o campo de concentração.
Agamben esclarece que uma forte política de combate ao terror, aniquilando cidadãos comuns de suas cotidianidades, ou seja, suas rotinas preferidas do dia a dia, por intermédio de um intenso estado policial protetor trazem para perto das pessoas mais insegurança e mais medo, que como principio gestor, engendra o terror. Contra esse pavor a privatização dos espaços públicos e a enorme gama de aparatos de segurança convergem para o confinamento das pessoas para dentro dessas zonas de proteção e precaução: os novos campos de concentração.
Não fosse somente isso, o Estado de exceção deve buscar de forma veemente e incansável maneiras de estruturar-se e remodelar-se com o intuito de se manter no seu poder absoluto. Dessa maneira, inúmeros personagens que não existiam para o Estado Democrático passam a ser as figuras principais do Estado de exceção, quando há a necessidade de bodes expiatórios que justifiquem a conveniência da existência de uma exceção permanente.
Propensos terroristas, possíveis suicidas (homens bombas), células de inteligência terroristas internas, usuários de internet que buscam diversas informações, entre elas, armamentos; pessoas que falem dialetos árabes em grupo, enfim, a imaginação é deveras intensa e pode-se idealizar inúmeros inimigos que convalidem o Estado de exceção e além disso; que o perpetuem e ainda seja aplaudido pelo público maior: a população cujos direitos estão sendo suspensos. O preconceito, racismo, entre outros sentimentos como o medo do estranho e a insegurança, podem confirmar tal Estado, que retira direitos e garantias dos cidadãos em prol do interesse irrestrito de alguns em beneficio próprio, utilizando a bandeira da lei e ordem como bem lhe aprouver.
Para finalizar, o artigo 48 da Constituição de Weimar, citado ao longo do texto, ipsis litteris.
Constituição do Reich alemão de 11 de agosto de 1919 (Constituição de Weimar), artigo 48, §2º: “Caso a segurança e a ordem públicas estejam seriamente ameaçadas ou perturbadas, o Presidente do Reich (Reichspräsident) pode tomar as medidas necessárias a seu restabelecimento, com auxílio, se necessário, de força armada. Para esse fim, pode ele suspender, parcial ou inteiramente, os direitos fundamentais (Grundrechte) fixados nos artigos 114, 115, 117, 118, 123, 124 e 154”.
REFERÊNCIAS
AGAMBEN, Giorgio. Estado de Exceção. Trad. Iraci D. Poleti. 2. Ed. São Paulo: Boitempo, 2004.