ArtigosDireito Penal Econômico

O exercício da advocacia nos crimes de lavagem de capitais


Por Thiago Aguiar Fachel


Complexa e extremamente tecnológica, a atual sociedade massificada elevou os riscos econômicos até então existentes. A facilidade de se romper fronteiras, ainda que virtualmente, bem como a facilidade de manter-se no anonimato fez os crimes financeiros se tornarem mais atraentes e lucrativos.

Atrelado a isso está a hostilidade característica do período atual. Vive-se um momento tenso, de incessante busca por responsabilização em razão do cometimento de ilícitos. Especificamente quanto ao delito de lavagem de capitais, a comunidade internacional, percebendo a alta complexidade do tema, uniu esforços para maximizar os meios de prevenção, de repressão e de cooperação. Foi neste contexto que a legislação antilavagem de dinheiro previu os mecanismos de controle, também conhecidos como compliance, como linha de defesa do sistema de combate à lavagem de dinheiro.

E essa é justamente a origem da polêmica que envolve o exercício da advocacia, o crime de lavagem de capitais e o compliance. Aliás, inocente seria pensar que tal mudança ficaria avessa ao exercício da advocacia.

Neste sentido, ainda que no ano de 2008, com o surgimento da Lei Antilavagem, o rol de sujeitos obrigados ao compliance não trouxesse a figura do advogado (o que para muitos pode representar uma obviedade), a já notável “sede por punição” talvez tenha resultado em um dispositivo perigoso no que tange ao livre exercício da advocacia. Explico:

A reforma da Lei de Lavagem de Dinheiro (Lei nº. 12.683/12) inseriu como sujeitos obrigados aos mecanismos de controle “as pessoas físicas ou jurídicas que prestem, mesmo que eventualmente, serviços de assessoria, consultoria, contadoria, auditoria, aconselhamento ou assistência de qualquer natureza, em operações[1][…]”. Embora a lei não tenha acrescentado de maneira expressa os advogados, a análise pormenorizada do dispositivo demonstra a identificação destes entre os profissionais que prestam serviços de assessoria, consultoria, aconselhamento ou assistência.

Nesta senda, tenho que a interpretação teleológica demonstra que o legislador optou por incluir os advogados entre as pessoas físicas obrigadas ao dever de compliance. E a expressão “de qualquer natureza” apenas corrobora com tal entendimento, na medida em que não restam dúvidas acerca do enquadramento da consultoria, da assistência ou do assessoramento jurídico.

O acréscimo dos advogados como sujeitos obrigados aos mecanismos de controle acarreta consequências de extrema relevância. O advogado que presta consultoria sobre a aquisição de bens imóveis, por exemplo, estaria obrigado ao dever de identificação de seu cliente, à manutenção de informações deste, bem como à comunicação de serviços suspeitos ao órgão fiscalizador (COAF).

Ora, parece-me um cristalino conflito de normas. O Estatuto da Advocacia (lei nº 8.906/94), prevê, no seu art. 34, VII, o dever de sigilo dos advogados, que não poderão expor as informações ou segredos de seus clientes. Tal norma é respaldada pelo art. 25 do Código de Ética e Disciplina da OAB. Ademais, o próprio CP tipifica a violação de sigilo profissional, no seu art. 154.

Portanto, como se deve interpretar a disposição constante na Lei Antilavagem de Dinheiro sem desconsiderar as importantes normas supracitadas? A análise do tema demanda cautela, a fim de evitar equívocos hermenêuticos que possam comprometer garantias fundamentais. Veja-se, por conseguinte, que o sigilo dos advogados – sendo ele dever ou prerrogativa – é conditio sine qua non para o pleno exercício do direito de defesa.

O sigilo profissional traduz a segurança que o cliente precisa possuir para que consiga expor seus segredos ao procurador. Se o cliente não tiver a segurança de uma efetiva proteção em relação ao advogado que o defenderá, não terá condições, consequentemente, de detalhar todos os fatos que o lavaram a solicitar o trabalho deste. Aliás, não somente para a proteção do cliente serve o dever/direito de sigilo. O que aparentemente se limita à proteção do advogado e do cliente, na verdade, está rigidamente entrelaçado ao interesse público. A sua função mediata, deste modo, seria a garantia do direito de defesa, que, consabido, é de ordem pública.

Bom, mas antes de adentrar na análise de eventual conflito existente, ressalto que este artigo não se propõe a exaurir toda e qualquer dúvida que cerque o assunto, devendo servir tão somente para fomentar a discussão.

Agora, imprescindível que se delimite conceitualmente as atividades desenvolvidas pelos advogados, de modo a identificar quais estão submetidas ao sistema de controle antilavagem de capitais. Parece-me que a discussão não atinge os advogados envolvidos em questões de litígios, sejam judiciais ou extrajudiciais, em razão da óbvia prevalência do dever/direito de sigilo sobre eventual obrigação de compliance que possa ser imposta. E isso abrange inclusive os advogados que são procurados tão somente para consulta ou parecer sobre determinada contenda, ou, ainda, sobre a situação jurídica de seu cliente. Por oportuno, veja-se que esse parece ser o posicionamento encontrado em textos internacionais que há muito já tratam da questão, como as Diretivas nº 2001/97/ CE e nº 2005/60/CE.

A polêmica, então, recai sobre a outra espécie de advocacia, a que Pierpaolo Cruz Bottini (2014) refere ser atinente aos advogados de operações, ou seja, aqueles que utilizam seu conhecimento jurídico para consolidar operações que não possuem ligação direta com algum litígio. Resta identificar a mais adequada hermenêutica para o caso.

Carlos Fernando dos Santos Lima (2013, p. 61) afirma que na verdade não há antinomia, pois as normas dos arts. 34, VII, da Lei nº 8.906/94, 154 do CP e 25 do Estatuto de Ética e Disciplina da OAB estabeleceriam mecanismos de exceção à regra do sigilo, de modo que caberia ao intérprete tão somente verificar se as obrigações de compliance estariam contidas nessas hipóteses.

Em contraponto, todavia, tem-se o entendimento de Pierpaolo Bottini (2014, p. 05) no sentido de que, conforme critério da especialidade, havendo conflito entre as disposições legais existentes, prevaleceria a regra mais específica. Assim sendo, a norma de inviolabilidade do sigilo prevaleceria, justamente por ser mais específica do que a norma genérica prevista na lei antilavagem. Diferente seria se a alteração trazida pela Lei nº 12.683/12 dispusesse expressamente sobre o dever do advogado de comunicar operações suspeitas, hipótese que poderia ensejar a relativização do sigilo.

Entendo que a solução para o tema requer mais algumas especificações. O art. 1º do Estatuto da Advocacia (lei nº 8.906/94), neste sentido, prevê como privativas da advocacia a atividade de postulação a órgão do Poder Judiciário e aos juizados especiais, bem como as atividades de consultoria, assessoria e direção jurídicas.

À vista disso, com relação a estas atividades privativas, tenho que o dever/direito de sigilo se sobrepõe à eventual obrigação de compliance trazida pela Lei nº 12.683/12, não podendo impor-se ao advogado que abra mão de sua prerrogativa para comunicar atividade suspeita de seu cliente. Portanto, ainda que se trate de atividades de consultoria ou assessoria (previstas pela lei antilavagem), não deverá submeter-se aos deveres de compliance, desde que versem sobre situações jurídicas, configurando atividades privativas de advogados.

Entretanto, não se pode olvidar que os advogados, em determinados casos, também prestam consultoria ou assessoramento em questões não jurídicas, ou seja, serviços que poderiam ser prestados por profissionais de outras áreas, como contadores, economistas ou outros. Nestes casos, porquanto atividades não típicas da advocacia, os profissionais não estariam resguardados pelo dever/direito de sigilo, submetendo-se às obrigações de compliance existentes. Ao final cabe apenas a ressalva de que o dever/direito de sigilo, ainda que relativo às atividades privativas da advocacia, apenas teria preferência no caso de atuação de boa-fé do advogado.


REFERÊNCIAS

BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Advocacia e lavagem de dinheiro. OAB, 2014. Disponível aqui.

DE GRANDIS, Rodrigo. Considerações sobre o dever do advogado de comunicar atividade suspeita de “lavagem” de dinheiro. IBCCRIM, 2012. Disponível aqui. Acesso em: 20 nov. 2015, 16:20.

DE GRANDIS, Rodrigo. O exercício da advocacia e o crime de “lavagem” de dinheiro. In: DE CARLI, Carla Veríssimo (Org.). Lavagem de dinheiro: prevenção e controle penal. 2. ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2013.

LIMA, Carlos Fernando dos Santos. O sistema nacional antilavagem de dinheiro: as obrigações de compliance. In: DE CARLI, Carla Veríssimo. Lavagem de dinheiro: prevenção e controle penal. 2ª. Ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2013.

LÔBO, Paulo. Comentários ao Estatuto da Advocacia e da OAB. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

TORON, Alberto Zacharias. Sigilo é essencial para o Estado de Direito. Folha de São Paulo, 2010. Disponível aqui.


NOTAS

[1] Operações de: a) compra e venda de imóveis, estabelecimentos comerciais ou industriais ou participações societárias de qualquer natureza; b) de gestão de fundos, valores mobiliários ou outros ativos; c) de abertura ou gestão de contas bancárias, de poupança, investimento ou de valores mobiliários; d) de criação, exploração ou gestão de sociedades de qualquer natureza, fundações, fundos fiduciários ou estruturas análogas; e) financeiras, societárias ou imobiliárias; e f) de alienação ou aquisição de direitos sobre contratos relacionados a atividades desportivas ou artísticas profissionais.

thiagofachel

Artigos relacionados

Botão Voltar ao topo