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O fim do semiaberto e a vitória da sociedade

Por Daniel Kessler de Oliveira

Ganha força no cenário legislativo federal, a reforma do Código Penal Brasileiro com o fim do regime semiaberto.

Não será o foco da coluna de hoje uma análise aprofundada da proposta, apenas buscaremos a análise no ponto que trata da extinção do regime semiaberto, pugnando por um maior tempo do Apenado recolhido no regime fechado.

O semiaberto pode ser questionado em diversos aspectos. Há muitos países que não adotam modelo de progressão de pena como o existente no Brasil, todavia, o que me causa grande preocupação é o discurso raso, protagonizado por quem, muitas vezes, desconhece, inclusive, as disposições legais e vendem ideias ilusórias de medidas mágicas contra a violência e enxergam como uma vitória da sociedade a extinção do semiaberto.

Pois bem, não vejo com olhos tão otimistas tal medida e acho que um debate mais aprofundado se apresenta necessário por diversos aspectos. Pela limitação do presente espaço, nos ocuparemos de apenas três:

1) Regime semiaberto na forma da lei

Sempre venho referindo que devemos esquecer a ideia de que a legislação por si só poderá nos trazer grandes avanços em termos de segurança pública, pois de nada adianta a alteração de dispositivos de legais se não se efetivar uma mudança nas estruturas estatais envolvidas na aplicação das leis.

No caso do regime semiaberto, isto é verificado de uma forma muito clara, pois a aplicação prática deste regime se destoa de sua disciplina legal, o que desemboca na caótica situação que hoje vivemos.

Pela redação dos Arts. 33, §1º, b e 35, ambos do Código Penal, o regime semiaberto deve ser cumprido em estabelecimento adequado, no caso, uma colônia agrícola, disciplinada no Art. 91 e ss da Lei de Execuções Penais.

Assim, cabe esclarecer que os fatores que motivam movimentos que bradam contra o semiaberto, se dão por justificativas, que na maioria das vezes, tem sua causa na ausência de estabelecimentos adequados, ainda que isto não seja do conhecimento de quem protesta.

Isto porque, em não havendo estabelecimentos prisionais adequados para o cumprimento de pena em regime semiaberto, passou-se a transferir os apenados do regime fechado diretamente para um albergue, que deveria receber presos apenas do regime aberto.

Estes albergues estão localizados em grandes centros urbanos, em áreas de fácil acesso e não possuem uma grande estrutura em termos de segurança, justamente, porque objetiva o recolhimento apenas noturno do indivíduo que já cumpriu sua pena no fechado, já passou pelo semiaberto e que, agora, trabalha fora durante o dia.

O problema, volto a repetir, é que estes albergues se viram tendo que receber presos que ainda não chegaram no regime aberto. E por não ter condições de mantê-los segregados em tempo integral (até porque isto representaria um regime fechado, com o nome de regime semiaberto), os presos passam a ter o direito, imediato, ao trabalho externo com seu recolhimento noturno, ou seja, passa-se a cumprir pena em semiaberto nas condições que a lei assegura ao regime aberto. “pulando” um relevante estágio no cumprimento de sua pena.

Portanto, o problema não é do regime semiaberto e sim da falta de estrutura penitenciária que coloca o semiaberto submetido a regras e estruturas do regime aberto.

2) Eu finjo que te puno e tu finges que é punido

O segundo ponto que quero convidar a uma reflexão, reside na nossa crença de que o regime fechado representa alguma espécie de efetiva punição. E esclareço que não ocuparei este espaço para tratar da ressocialização, tampouco da caótica situação das penitenciárias, não por não achar relevante (muito pelo contrário), mas apenas porque não necessitamos ir até lá para mostrar a insuficiência do sistema penitenciário. Busco aqui, a análise do aspecto meramente punitivo da pena, da punição enquanto um elemento de prevenção especial.

Me valho por empréstimo da letra do samba de Nelson Sargento, que dizia “o nosso amor é tão bonito, ela finge que me ama e eu finjo que acredito.” para parodiar a situação, afirmando que na forma como tratamos o nosso regime fechado hoje, estamos fingindo que punimos e os apenados (em sua grande maioria) apenas fingindo que acreditam.

De que adianta vender a ideia da necessidade de manutenção do individuo em um regime fechado, se nossas penitenciárias seguem sendo administradas pelos “chefes de galeria”?

Apostar no aumento de cumprimento de pena no regime fechado, se iludindo que com isto retiramos o preso de circulação, sendo que, através de aparelhos celulares e da internet as quadrilhas se criam, se organizam e se multiplicam em estabelecimentos prisionais às custas do Estado?

O regime fechado na caótica situação que está na imensa maioria dos presídios nacionais, se apresenta como um sistema que se retroalimenta, na proliferação de quadrilhas criminosas que recebem a estrutura do Estado e de forma indireta, a sua proteção, para seguir em suas empreitadas delitivas.

Manter 5 mil homens em estabelecimentos penais que comportam 2500, sem mínimas condições de higiene e saúde, resulta em uma imensa frouxidão na fiscalização quanto ao acesso de drogas e telefones celulares, sob pena de rebeliões diárias nos grandes centros penitenciários.

O “controle” da massa carcerária acaba passando por algumas benesses aos grandes chefes das galerias, que acabam sendo os verdadeiros comandantes dentro do presídio.

3) Déficit de vagas e mais prisão

Em suma, a abolição pura e simples do regime semiaberto, resultaria num déficit ainda maior de vagas, fruto de uma política equivocada de combate a criminalidade que segue apostando apenas na lei e na pena de prisão. Há décadas que viemos implementando políticas dessa forma e os índices crescentes de criminalidade nos mostram que, infelizmente, estamos nos valendo das armas equivocadas.

Falar em alternativas ao semiaberto, acredito ser um ponto relevante, mas insistir na sua abolição pura e simples, me parece a lógica de um dito popular que trata de um gaúcho que visando matar o carrapato, pôs fogo em sua vaca.

Deveriamos buscar medidas de efetivo aprimoramento dos estabelecimentos prisionais do regime fechado, semiaberto e aberto, investir em fiscalização e em políticas que cumpram as finalidades da pena.

O curioso é que os mesmos movimentos que buscam o fim do semiaberto, também são contra as construções de presídios em suas cidades, o que evidencia um total contrassenso, pois para algum presídio em algum município o indivíduo terá que ser enviado.

Segue sendo mais do mesmo, mais varrição da sujeira para de baixo do tapete e menos enfrentamento sério e responsável sobre a temática. Diante disto, os resultados advindos disto, creio, serão os mesmos de sempre.

Muitas outras análises crimininológicas e político-criminais são convidadas pelo tema, mas, aqui, se buscou apenas a sua problematização no que tange ao alcance do efeito pretendido. A medida proposta não projeta nenhuma vitória, pelo contrário, cria um sistema penitenciário ainda mais perverso.

Enfim, problemas complexos não permitem soluções simplórias. E, enquanto sociedade, devemos nos pôr, imediatamente, a debater as nossas políticas penitenciárias, seja por um senso civilizatório, que não tolera mais tamanhas violações aos direitos humanos, seja por respeito à nossa Constituição, que não admite o desrespeito aos pressupostos legais e constitucionais referentes à punição, ou seja, ainda, por nosso próprio egoísmo, por pensar apenas em nós mesmos e em nossa segurança, pois a forma como estamos punindo hoje, vem gerando apenas mais expansão da criminalidade e mais violência.

_Colunistas-DanielKessler

Imagem do post: Instituto Penal de Viamão (RS)

Daniel Kessler de Oliveira

Mestre em Ciências Criminais. Advogado.

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