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O Habeas Corpus e o excesso de prazo na segregação cautelar


Por Felipe Faoro Bertoni


Um dos temas mais polêmicos no que diz respeito às prisões cautelares e suas (i)legalidades é o tempo pelo qual pode ela perdurar sem que se configure constrangimento ilegal. Efetivamente, não há um prazo legalmente definido sobre o tempo de duração da constrição provisória, sendo, sempre, um desafio a verificação da legalidade da prisão em um processo que se arrasta.

Se, por um lado, a prisão provisória justifica-se em casos graves, por outro, a complexidade desses feitos pode levar a um período delongado de encarceramento sem culpa formada, de modo que se impõe a análise de alguns critérios a fim de verificar a higidez do ato constritório. O Tribunal Europeu de Direitos Humanos já estabeleceu diversos parâmetros nesse sentido, sendo os mais relevantes atualmente:

(I) a complexidade do caso;

(II) o comportamento das partes;

(III) o comportamento das autoridades judiciárias.

O primeiro critério mencionado, (i) a complexidade do caso, deve ser compreendido como os detalhes do caso concreto, tais como a quantidade de fatos imputados, a quantidade de réus e vítimas, testemunhas arroladas, a existência de cartas precatórias ou rogatórias, bem como a necessidade da realização de perícias ou outras provas técnicas. Quanto mais complexo for o feito, evidente que em maior medida se justifica a elasticidade da duração do processo e, consequentemente, da prisão processual.

No que diz respeito ao (ii) ao comportamento da parte, deve ser analisado se as parte envolvidas no processo agiram com lisura, estando a demora no tramitar processual dentro da morosidade afeita ao trâmite judiciário e não tendo sido ela causada por um agir desarrazoado e desproporcional dos atores processuais. Nesse sentido, cabe examinar posturas consideradas meramente procrastinatórias, tais como o não comparecimento deliberado a atos processuais, a retenção indevida dos autos, dentre outras condutas.

No ponto, impõe-se a advertência de que o requerimento da realização de diligências aptas a ilustrar as circunstâncias do fato não pode ser interpretado como atos deliberados para a configurar a ilegalidade da prisão por excesso de prazo. De fato, os Direitos do réu devem ser respeitados e é dever do Estado e do Poder Judiciário garantir que o acusado seja processado com respeito a todos os seus Direitos e Garantias penais e processuais penais. Somente quando evidenciado que existe alguma espécie de abuso ou má-fé é que poderia se justificar a superação do excesso de prazo comportado.

Por fim, quanto ao (iii) comportamento das autoridades judiciárias, é o momento em que se analisa a forma como está sendo conduzida a instrução processual, bem como a atuação das instituições integrantes do sistema judicial. Com efeito, a ilegalidade, aqui, pode ocorrer, por exemplo, nos casos em que há o adiamento injustificado e desarrazoado para a realização de audiências ou sessões de julgamento pelo Tribunal do Júri, ou, ainda exemplificativamente, quando a instituição responsável pela condução do réu preso não o apresenta para comparecimento à solenidade designada, frustrando a realização do ato.

Assim, como visto, não há regra precisa para a verificação da ocorrência de excesso de prazo na prisão, devendo ser referida análise feita caso a caso, de acordo com as peculiaridades de cada espécie. Todavia, os critérios acima mencionados não podem ser utilizados como justificativa para manter um réu provisoriamente segregado ad eternum.

O instrumento a ser utilizado nesses casos, diante do indeferimento do pedido de liberdade provisória na origem, é a impetração de Habeas Corpus liberatório, com fulcro no artigo 5º, inciso LXVIII, da Constituição Federal, e artigo 647, inciso II, do Código de Processo Penal. Na inicial da ação constitucional deve ser exposta de forma clara e objetiva a tramitação processual ressaltando os pontos em que houve delonga no tramitar e os fundamentos que configuram a ilegalidade por excesso de prazo, tendo como parâmetros os critérios acima ilustrados.

Sobre o tema do presente escrito, é válido citar precedente do Supremo Tribunal Federal consistente no Habeas Corpus nº 109128, que concedeu a liberdade a um paciente que já se encontrava preso preventivamente há nove anos e três meses, sem que se tenha sido designada sessão de julgamento pelo Tribunal do Júri. Na ocasião, asseverou a Relatora, Ministra Cármen Lúcia:

“por mais grave, e é gravíssimo o caso, eu concedo a ordem porque há nove anos e três meses ele está preso sem julgamento e sem se marcar o Júri (…) Por mais escabroso que seja o quadro, não é possível que haja a manutenção da prisão. Se ele tivesse sido condenado a 30 anos, já teria cumprido agora, em 2013, 10 anos de prisão (…) Este é o exemplo mais acabado de uma justiça que não se presta e isso é gravíssimo” (na íntegra aqui).

É válido esclarecer, ainda, que tanto o Tribunal de Justiça de São Paulo, como o Superior Tribunal de Justiça tinham decidido no sentido de não ter ocorrido excesso de prazo no caso, em razão de suas peculiaridades, fato que evidencia o conturbado contexto no qual se insere o prazo máximo de duração da prisão provisória, carente de um marco regulatório satisfatório e que preste maior segurança jurídica aos processados.

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Felipe Faoro Bertoni

Advogado (RS) e Professor

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