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O interrogatório do réu como o último ato da instrução

O interrogatório do réu como o último ato da instrução

Recentemente publiquei em meu instagram (@arthurfernandes_adv) a seguinte frase:

O advogado criminalista não pode ser medroso. Se o for, a liberdade do seu cliente estará ameaçada por ele mesmo.

Ora! Se o advogado tiver medo de protestar na hora devida, de dizer “Pela Ordem” quando o direito é violado, etc. o cliente será o maior prejudicado. 

O interrogatório do réu

No tocante ao tema, o art. 400 do CPP dispõe que o interrogatório do réu é o último ato da instrução e ponto final.

Sendo o primeiro a ser ouvido o ofendido, depois as testemunhas arroladas pela acusação e depois a da defesa.

Vejamos o que dispõe o art. 400 do CPP, in verbis:

Art. 400. Na audiência de instrução e julgamento, a ser realizada no prazo máximo de 60 (sessenta) dias, proceder-se-á à tomada de declarações do ofendido, à inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nesta ordem, ressalvado o disposto no art. 222 deste Código, bem como aos esclarecimentos dos peritos, às acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se, em seguida, o acusado.

Acontece que na prática existe uma inversão dessa ordem, por má interpretação do artigo. Veja que no artigo citado acima existe uma exceção, que é o artigo 222 do CPP, que afirma: 

Art. 222. A testemunha que morar fora da jurisdição do juiz será inquirida pelo juiz do lugar de sua residência, expedindo-se, para esse fim, carta precatória, com prazo razoável, intimadas as partes.

§1º A expedição da precatória não suspenderá a instrução criminal.

§2º Findo o prazo marcado, poderá realizar-se o julgamento, mas, a todo tempo, a precatória, uma vez devolvida, será junta aos autos.

§3º Na hipótese prevista no caput deste artigo, a oitiva de testemunha poderá ser realizada por meio de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real, permitida a presença do defensor e podendo ser realizada, inclusive, durante a realização da audiência de instrução e julgamento. 

Assim sendo, essa suposta exceção à ordem acontece quando as partes arrolam testemunhas em comarcas distintas ao juízo natural, que na grande maioria são ouvidas por carta precatórias. 

Porém, a pergunta que se faz é:

Será possível o réu ser ouvido antes da(s) testemunha(s) de acusação, quando estas serão ouvidas por carta precatória? 

A resposta é simples: NÃO! Porque o interrogatório é o momento em que o réu terá de se defender e conseqüentemente, contra-argumentar as acusações que foram feitas a ele. Mas como ele poderá contra-argumentar algo que não ficou sabendo ou que ainda será dito?

Portanto, sabendo que ao réu é garantido o direito do contraditório e da ampla defesa, ser ouvido por último é o único modo de tais direitos serem garantidos. 

Mas, na prática, o que se vê é a interpretação literal do disposto no art. 222, § 1º do CPP, sendo usado como justificativa para que o réu seja ouvido antes. O que não pode acontecer, já que é cristalino o que dispõe o art. 400 do CPP, que, quando fala da ressalva, ela ocorre antes do legislador tratar do interrogatório do acusado.

Assim é perfeitamente possível que uma(s) da(s) testemunha(s) de defesa que residam na comarca seja ouvida antes de uma testemunha de acusação, quando esta for ouvida por carta precatória. 

Ora! Então essa ressalva não alcança o interrogatório do réu, devendo este ser ouvido depois que todos forem ouvidos. Se o legislador quisesse colocar a exceção para o réu ele colocaria a ressalva ao final do artigo.

Agora, vejamos com atenção o § 2º do art. 222 do CPP:

Findo o prazo marcado, poderá realizar-se o julgamento, mas, a todo tempo, a precatória, uma vez devolvida, será junta aos autos.

Observe nele algo estranho, que nos faz indagar: o Juiz pode julgar sem nem receber a carta precatória? Se for assim, então tudo que expliquei acima está errado e o réu pode sim ser ouvido antes das testemunhas. 

Porém, esse parágrafo do artigo é inconstitucional e não requer muito esforço para chegar a essa conclusão. Pois o juiz proferir sentença antes de ouvir todas as partes fere o principio do devido processo legal. E sobre ele nos ensina os doutrinadores Nestor Távora e Rosmar Rodrigues Alencar o seguinte:

O devido processo legal é o estabelecido em lei, devendo traduzir-se em sinônimo de garantia, atendo assim aos ditames constitucionais. Com isto, consagra-se a necessidade do processo tipificado, sem a supressão e/ou desvirtuamento de atos essenciais. Em se tratando de aplicação da sanção penal, é necessário que a reprimenda pretendida seja submetida ao crivo do Poder Judiciário, pois nulla poena sine judicio. Mas não é só. A pretensão punitiva deve perfazer-se dentro de um procedimento regular, perante a autoridade competente, tendo por alicerce provas validamente colhidas, respeitando-se o contraditório e a ampla defesa (ALENCAR; TÁVORA, 2012, p. 69).

Não sendo admissível que o juiz profira uma decisão sem ter acesso a todas as provas do processo, podendo haver uma probabilidade de que a testemunha negligenciada por ser ouvida por precatória seja justamente a que traga informações valiosas para o caso. 

Outrossim, o réu ser ouvido por último na instrução é direito arraigado na carta magna através dos princípios do contraditório, ampla defesa e devido processo legal. Não sendo justificada a inversão por motivo de celeridade do processo. Nunca que o réu deve ser penalizado pelos problemas existentes no Judiciário.

Sobre o tema já existem diversas jurisprudências que corroboram com o estudo, mas registramos a decisão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul:

APELAÇÃO CRIME. ESTELIONATO. PRELIMINARES DE NULIDADE SUSCITADAS PELO MINISTÉRIO PÚBLICO NESTE GRAU DE JURISDIÇÃO. CARTAS PRECATÓRIAS. INTIMAÇÃO DA EXPEDIÇÃO. OPORTUNIZAÇÃO DE REINTERROGATÓRIO APÓS O RETORNO DAS DEPRECATAS CUMPRIDAS. 1 – Na forma da Súmula 273 do STJ, só configura nulidade absoluta a ausência de intimação das partes quanto à expedição da carta precatória, a qual, na hipótese, aconteceu. Nulidade inocorrente. 2 – A Lei 11.719/08 trouxe alterações legislativas, que culminaram com modificações no procedimento comum. Dentre elas, o art. 400 do CPP, pelo qual o interrogatório do acusado passou a ser o último ato da instrução, consagrando-se, assim, os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa. Assim, a não observância de tal regra configura cerceamento de defesa. 1ª PRELIMINAR REJEITADA. 2ª PRELIMINAR DE NULIDADE ACOLHIDA. APELAÇÃO PREJUDICADA. (Apelação Crime Nº 70051196616, Quinta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Francesco Conti, Julgado em 30/01/2013 – sem grifos no original).

Diante do exposto, volto à introdução do primeiro parágrafo. Se nós advogados criminalistas não tivermos coragem para lutar pelos direitos, protestar, levantar questões de nulidades, etc. o direito do cliente será prejudicado e nós seremos os primeiros culpados. Na advocacia criminal não cabe medo e omissão. As decisões favoráveis ao exposto aqui foram graças a defensores corajosos que fizeram valer não os honorários, mas sim, o privilegio que é lutar pelo segundo direito fundamental da carta magna – A LIBERDADE.


REFERÊNCIAS

ALENCAR. Rosmar Rodrigues, TÁVORA. Nestor. Curso de Direito Processual Penal. 7. ed. Salvador, BA: JusPodivm, 2012. BRASIL. 


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