O Judiciário e a liberdade de expressão
Recentes decisões judiciais em desfavor de mídias jornalísticas têm provocado um questionamento sobre os limites entre a liberdade de expressão e de imprensa e o poder decisório do Judiciário.
A questão não é simplória. A mídia é chamada de 4º poder, e a narrativa dos órgãos da imprensa muitas vezes dita o rumo da História. Por outro lado, um Judiciário sem limites, que dita sentenças em desfavor de jornais porque a matéria em questão criticou um juiz, promotor ou mesmo político, também flerta com o autoritarismo.
A Convenção Americana de Direitos Humanos, conhecida como Pacto de São José da Costa Rica, determina acerca da liberdade de pensamento e expressão:
Artigo 13.- Liberdade de Pensamento e de Expressão
- Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento e de expressão. Esse direito compreende a liberdade de buscar, receber e difundir informações e ideias de toda natureza, sem consideração de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro processo de sua escolha.
- O exercício do direito previsto no inciso precedente não pode estar sujeito a censura prévia, mas a responsabilidades ulteriores, que devem ser expressamente fixadas pela lei e ser necessárias para assegurar:
- a) o respeito aos direitos ou à reputação das demais pessoas; ou
- b) a proteção da segurança nacional, da ordem pública, ou da saúde ou da moral públicas.
- Não se pode restringir o direito de expressão por vias ou meios indiretos, tais como o abuso de controles oficiais ou particulares de papel de imprensa, de frequências radioelétricas ou de equipamentos e aparelhos usados na difusão de informação, nem por quaisquer outros meios destinados a obstar a comunicação e a circulação de ideias e opiniões.
- A lei pode submeter os espetáculos públicos a censura prévia, com o objetivo exclusivo de regular o acesso a eles, para proteção moral da infância e da adolescência, sem prejuízo do disposto no inciso 2.
- A lei deve proibir toda propaganda a favor da guerra, bem como toda apologia ao ódio nacional, racial ou religioso que constitua incitação à discriminação, à hostilidade, ao crime ou à violência.”
A Constituição brasileira estabelece em seu artigo 5°: “IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença; (…)”. A mesma CF consagra o direito de resposta e à indenização: “V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; (…)”.
De acordo com Dirley da Cunha Júnior:
O direito de informar, ademais, compreende dois direitos distintos: o direito de veicular ideias, conceitos e opiniões; e o direito de transmitir notícias atuais sobre fatos relevantes e de interesse coletivo e sobre elas formular os respectivos comentários e críticas. A essa última espécie de direito de informar se atribui a liberdade de informação jornalística. A liberdade de informação jornalística assegura a difusão pública de notícias e o correspondente direito de crítica. (…) No Brasil, o direito de crítica jornalística é intrínseco ao direito de informação jornalística, previsto, com esta, no artigo 220 da Constituição Federal, em específico no seu § 1°(…).” (CUNHA JÚNIOR, 2014, pgs. 545-547).
Quando o direito de crítica jornalística, o qual obviamente não é absoluto, choca-se com o direito à imagem, honra e privacidade de um determinado cidadão, direitos esses igualmente previstos no artigo 5º, dispõe o respeitado autor:
Como resolver esse conflito? A esse respeito, há três entendimentos: a) do regime de exclusão, que proclama o valor absoluto dos direitos da personalidade, a ensejar a exclusão do direito de crítica jornalística quando colidente com aqueles; b) a da necessária ponderação, que exige uma ponderação dos interesses envolvidos, para, do caso concreto, extrair-se a solução, e c) a da concorrência normativa, que embora não o tratando como absoluto, dá prioridade ao direito de crítica jornalística, baseado no valor social desse direito, autêntico pressuposto do estado democrático. Entretanto, essa preferência só existirá se, primeiro, a informação for verdadeira e, segundo, for inevitável para transmitir a mensagem”. (Idem, pgs. 548-549).
De acordo com Uadi Lammêgo Bulos:
Liberdade de crítica jornalística: “A crítica jornalística, quando inspirada pelo interesse público, não importando a acrimônia e a contundência da opinião manifestada, ainda mais quando dirigida a figuras públicas, com alto grau de responsabilidade na condução dos negócios de Estado, não traduz nem se reduz, em sua expressão concreta, à dimensão de abuso da liberdade de imprensa, não se revelando suscetível, por isso mesmo, em situações de caráter ordinário, à possibilidade de sofrer qualquer repressão estatal ou de se expor a qualquer reação hostil do ordenamento positivo” (STF, Pet. 3 .486-4/DF, Rei. Min. Celso de Mello, decisão de 22-8-2005). No mesmo sentido: Tribunal Constitucional Espanhol (Sentenças n. 6/1 981 , Rei .Juiz Francisco Rubio Llorente; n. 1 2/1 982, Rei. Juiz Díez-Picazo; n. 1 04/1 986, Rei. Juiz Tomás y Vali ente; n. 1 71 /1 990, Rei. Juiz Bravo-Ferrer) e Tribunal Europeu de Direitos Humanos (Sentença no Caso Handyside, de 7-1 2-1 976, e Sentença no Caso Lingens, de 8-7-1 986). Ensinou Hugo Lafayette Black: “O direito de pensar, falar e escrever livremente, sem censura, sem restrições ou sem interferência governamental representa o mais precioso privilégio dos cidadãos” (Crença na constituição, p. 63). (BULOS, 2014, pgs. 566-567).
Um Judiciário autoritário, que se propõe a ditar o que a mídia deve ou não publicar, sob o risco de pesadas multas ou indenizações de danos materiais e/ou morais ou mesmo consequências penais para o jornalista, não está de acordo com o Estado Democrático de Direito.
No Chile, uma decisão judicial de tribunais superiores em meados de 1997 proibiu a exibição cinematográfica do filme “A última tentação de Cristo” naquele país. Uma Reclamação levou o caso à corte da OEA. A alegação dos tribunais internos do Chile para a censura/proibição de exibição do filme seria que o mesmo ofenderia a honra de Jesus Cristo e dos que nele creem.
A Corte declarou que o Estado do Chile violou o “direito à liberdade de pensamento e de expressão consagrado no artigo 13 da Convenção Americana”. Para a OEA, o Estado, seja através de decisões do Executivo, Judiciário ou Legislativo, não pode impedir as pessoas de exercitarem o direito de consciência, de decidir ver ou não a obra em questão e tirar suas próprias conclusões sobre a temática abordada. Neste exemplo, vemos que um Judiciário autoritário não é exclusividade brasileira.
Alguns jornalistas tem chamado a questão de “assédio judicial”. O jornalista Amaury Junior foi condenado a sete anos de prisão por violação ao sigilo fiscal da filha de um senador. A mídia independente Ponte Jornalismo teve de retirar de suas páginas uma entrevista com uma empresária negra que relatou ter sido vítima de racismo quando trabalhou na empresa Newswire. A ação foi movida pela Newswire contra sua antiga funcionária. A decisão veio do TJ/SP. A mídia afetada não é parte no processo em questão.
REFERÊNCIAS
BULOS, Uadi Lammêgo. CURSO DE DIREITO CONSTITUCIONAL. 8º Ed. Ver. e atual. De acordo com a Emenda Constitucional n. 76/2013 -São Paulo: Saraiva, 2014.
CUNHA JUNIOR, Dirley da. CURSO DE DIREITO CONSTITUCIONAL. Bahia: Editora JusPODIVM. 2014.
Jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos. DIREITO À LIBERDADE DE EXPRESSÃO. Publicado pelo Ministério da Justiça. Brasília, 2014.
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