O mal, ainda que justo, é crime de estupro
Por Ruchester Marreiros Barbosa
Imaginem o seguinte caso concreto: Uma mulher apaixonada por um homem que inobstante tentar conquistá-lo de todas as formas, não consegue lograr êxito em seu intento.
Esta mulher, de uma maneira ainda ser investigada, obtém por aplicativo de telefone celular muito conhecido no mercado e mundialmente utilizado uma filmagem do homem em conjunção carnal com outra mulher em um motel e lhe propõe que praticasse com ela relações sexuais e outros atos libidinosos ao argumento de que acaso se negasse ela enviaria o vídeo para a esposa daquele por meio do aplicativo supramencionado.
O homem, diante deste constrangimento aceita e vai com ela para o apartamento da mulher e pratica nela atos libidinosos. Arrependido, procura o delegado de polícia e lhe indaga se há crime praticado pela mulher ninfomaníaca.
Diante desta do caso concreto qual seria a melhor tipificação? Constrangimento ilegal? Violação sexual mediante fraude? Ameaça? Estupro? Ou fato atípico?
Como é cediço o crime de estupro é pluriofensivo, ou seja, possui vários bens jurídicos tutelados, e quando realizada sua figura típica, consequentemente viola a liberdade individual e a dignidade sexual da pessoa humana.
O crime de estupro possui em sua figura típica os crimes dos artigos 146 (constrangimento ilegal) e 147 (ameaça), ambos do Código Penal.
Os crimes de ameaça e constrangimento ilegal são subsidiários em relação ao delito de estupro. Portanto, em sendo a hipótese concreta crime de estupro, o agente emprega violência ou grave ameaça como forma de forçar a vítima a praticar ou permitir que com ela se pratica atos libidinosos com o fim de satisfazer sua lascívia.
A violência ou a grave ameaça visa dominar a vítima para viabilizar os atos de satisfação sexual contra ela. O estupro, como dito, por tutelar também a incolumidade física e a vida, na medida que se vislumbra o resultado lesão grave e a morte como formas qualificadas do crime, possui como elementares a violência ou a grave ameaça, absorvendo, portanto os crimes de lesão, vias de fato ou ameaça.
Não poderia se tratar de um crime de constrangimento ilegal, não obstante os atos libidinosos praticados em local privado sejam lícitos. Em outras palavras, constranger alguém mediante ameaça a fazer com ela o que a lei não manda, sendo este ato de natureza sexual, a conduta se adequa, em razão do princípio da especialidade no crime de estupro.
Insta salientar, que, não obstante a elementar “grave ameaça” constar no tipo do art. 213 do CP, não deve interpretar a ameaça aqui como se faz do artigo 147 do CP, ou seja, segundo a doutrina a “grave ameaça” não é interpretada como necessariamente um mal injusto e grave, bastando para tal que o mal seja sério e verossímil, podendo inclusive ser justo, ou seja, não previsto como proibido, como ocorreu no caso concreto. Como adverte a doutrina (GRECO, 2013, p. 460):
“Vale ressaltar que o mal prometido pelo agente, para efeito de se relacionar sexualmente com a vítima contra a sua vontade, não deve ser, necessariamente, injusto, como ocorre com o delito tipificado no art. 147 do Código Penal. Assim, imagine-se a hipótese daquele que, sabendo da infidelidade da vítima para com seu marido, a obriga a, com ele, também se relacionar sexualmente, sob pena de contar todo o fato ao outro cônjuge, que certamente dela se separará.”
Neste mesmo sentido, outros doutrinadores seguem a mesma linha de raciocínio (GILABERTE, 2014, p. 17):
“Não se exige que a ameaça seja injusta. Ainda que se prometa à vítima um mal justo, persiste o crime. Exemplificando, se o sujeito ativo exige que uma mulher com ele mantenha coito vaginal, afirmando que, em caso de recusa, revelará um crime (verdadeiro) por ela praticado à polícia, fica plenamente caracterizado o crime sexual.”
Por conseguinte, não se trata de fato atípico, como poderia parecer ser em razão do mal de se contar à esposa da vítima a sua traição, como método de se prometer um mal, ainda que justo, como a inobservância do dever conjugal da fidelidade recíproca, previsto no art. 1566, I do NCC.
Por fim, não há emprego de engodo ou mentira, posto que a filmagem não se tratava de uma montagem, que pudesse persuadir a vítima. A elementar fraude pressupõe um ardil ou artifício que induza ou mantenha a vítima em erro, ou por equívoco próprio da vítima e o sujeito ativo se omite em revelar a verdade, perquirindo como se fosse um verdadeiro “estelionato sexual”, o que não se coaduna com o caso em tela.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
GILABERTE, Bruno. Crimes contra a dignidade sexual. Rio de janeiro: Freitas Bastos.
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte especial, vol. III, 10. ed., Niterói,RJ: Impetus.