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O Ministério Público deve defender a ordem jurídica com absoluta imparcialidade?

O Ministério Público deve defender a ordem jurídica com absoluta imparcialidade?

Nas últimas semanas o jornal ‘The intercept Brasil’ divulgou diversas conversas envolvendo o ex-juiz federal Sergio Moro e os procuradores da operação Lava Jato.

Diversos juristas fundamentaram que o ex-juiz Sergio Moro teria atua de forma imparcial, ferindo o sistema acusatório, adotado pelo Brasil.

O sistema acusatório é um modelo que preza pelo efetivo contraditório, no qual o Ministério Público e a defesa dialogam e produzem provas diante de um juiz imparcial, a quem cabe julgar a causa com base nas provas que lhe forem apresentadas.

A doutrina apresenta como característica fundamental do sistema acusatório a absoluta separação de funções entre o Ministério Público e os juízes.

Diante desses fatos, indagamos: o Ministério Público deve atuar de forma imparcial nas ações penais?

O art. 127 da Constituição Federal o conceitua o Ministério Público como instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado. É órgão independente. Dentre suas funções institucionais está a de promover, privativamente, a ação penal pública.

Quando o Ministério Público atua na ação penal pública, esse deve buscar sempre a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, nunca interesses individuais. Não havendo interesse individual na ação penal, o representante do Ministério Público deve se isentar de aspirações particulares, mesmo que esteja em busca da mais límpida e eminente sensação de justiça.

Eugenio Pacelli (2012, p.452), ex-Procurador Regional da República no Distrito Federal, membro do Ministério Público Federal, afirma que o Ministério Público, enquanto órgão do Estado e integrante do Poder Público, tem como relevante missão constitucional a defesa não dos interesses acusatórios, mas da ordem jurídica, o que o coloca em posição de absoluta imparcialidade diante da jurisdição penal.

Pacelli (2012, p.452) entende que:

Ao contrário de certos posicionamentos que ainda se encontram na prática judiciária, o Ministério Público não é órgão de acusação, mas órgão legitimado para a acusação, nas ações penais públicas. A distinção é significativa: não é por ser titular da ação penal pública, nem por estar a ela obrigado, que o parquet deve necessariamente oferecer a denúncia, nem, estando esta já oferecida, pugnar pela condenação do réu, em quaisquer circunstâncias.

Oposto ao entendimento de Pacelli, Renato Brasileiro de Lima (2014, p. 1.155) defende a parcialidade do Ministério Público:

 […] partilhamos do entendimento de que a concepção do Ministério Público como parte imparcial não é compatível com um processo penal acusatório. Para que o processo acusatório (ou processo de partes) possa se desenvolver, é necessária a presença de partes em igualdade de condições, porém com interesses antagônicos, permitindo, por meio do embate decorrente da dialética processual, uma correta construção dos fatos delituosos imputados ao acusado. Em síntese, para a formação do convencimento judicial, é obrigatória a presença de duas partes com interesses antagônicos – acusação e defesa -, cabendo ao juiz escolher, entre as teses contrapostas por elas apresentadas, a que lhe parecer mais acertada.

No julgamento do HC 114093 no Supremo Tribunal Federal, prevaleceu o voto divergente do ministro Alexandre de Moraes. Segundo ele, o princípio do promotor natural visa assegurar a imparcialidade na atuação do Ministério Público tanto em favor da sociedade quanto do acusado. O ministro entende que o objetivo do princípio, derivado da interpretação do devido processo legal, é evitar indicações casuísticas ou retiradas arbitrárias de promotores em casos importantes de forma a orientar o resultado de determinadas ações.

Nesse diapasão,  o MPF de Curitiba se manifestou em seu site oficial, repudiando o ‘ataque infundado à imparcialidade da operação Lava Jato’ que vêem recebendo pela imprensa e por juristas.

Portanto, o Ministério Público deve buscar a justiça, ora requerendo a condenação quando presentes a autoria, a materialidade delitiva e provas concretas do ilícito penal, ora promovendo o arquivamento do inquérito policial ou postulando, após o regular processo judicial, pela absolvição do acusado, caso não haja elementos para pleitear sua privação da liberdade.

Nos alinhamos a tese que o representante do Ministério Público, enquanto órgão estatal, isento de interesses próprios, deve primar por sua missão constitucional: defender a ordem jurídica com absoluta imparcialidade.

Acusar pura e simplesmente sem qualquer elemento contundente de autoria e materialidade não é sinônimo de justiça, mas de contrariedade ao princípios esculpidos no art. 127 do texto maior.


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Rodrigo Urbanski

Professor. Advogado Criminalista. Especialista em Ciências Penais e Direito Constitucional.

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