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O Ministério Público pode aditar queixa-crime e incluir outros autores?

O Ministério Público pode aditar queixa-crime e incluir outros autores?

Sabe-se que o ofendido, em se tratando de crime de ação penal de iniciativa privada, possui a prerrogativa de propor ou não a ação, segundo o seu livre convencimento, por força do princípio da oportunidade.

Contudo, em decorrência do princípio da indivisibilidade da ação penal de iniciativa privada, o querelante não pode oferecer queixa-crime com relação a um dos autores do delito e deixar de oferecê-la quanto a outro. Em outras palavras, caso opte por propor a queixa-crime, deve fazê-lo quanto a todos os autores do delito. É o que se extrai da leitura do art. 28 do Código de Processo Penal:

A queixa contra qualquer dos autores do crime obrigará ao processo de todos, e o Ministério Público velará pela sua indivisibilidade.

Nota-se que o supracitado artigo, em sua segunda parte, atribui ao Ministério Pública a função de fiscal da observância do princípio da indivisibilidade. Logo, havendo desrespeito ao que tal princípio enuncia, o MP deve posicionar-se de algum modo, com o objetivo de garantir a obediência e cumprimento do preceito legal.

Acerca da postura que deve ser adotada pelo órgão fiscalizador, sabendo-se que a não inclusão dos demais autores por parte do querelante pode ser voluntária ou involuntária, a doutrina debate sobre os seguintes pontos:

  1. Se o Ministério Público pode aditar a peça vestibular, incluindo os demais autores delitivos;
  2. Não havendo a possibilidade de aditamento da peça vestibular pelo Órgão Ministerial, qual a postura mais adequada a ser adotada;
  3. Por fim, quais as consequências processuais oriundas de cada um desses posicionamentos. 

O Ministério Público pode aditar queixa-crime e incluir outros autores?

Tal questão provoca certa celeuma doutrinária, havendo posições em basicamente dois sentidos:

  1. O MP não pode aditar a queixa-crime e incluir outro autor;
  2. O MP pode aditar a queixa-crime e incluir outro autor.

Tentarei resumir esses posicionamentos e demonstrar alguns dos argumentos que os perfazem. Por fim, exporei o ponto de vista que considero mais adequado, considerando os argumentos anteriormente apresentados por ambas as correntes.

O primeiro entendimento, defensor de que o Órgão Ministerial não pode aditar subjetivamente a queixa-crime, parece majoritário – a título de exemplo, cita-se como adeptos dessa corrente os professores Renato Brasileiro (2017, p. 242), Nestor Távora (2017, p. 277) e Fernando Capez (2016, p. 187).

Para os que assim compreendem, o MP não pode aditar a peça vestibular da ação penal de iniciativa privativa por não possuir legitimidade ativa ad causam, pelo que, se assim agisse, estaria em evidente ataque à legitimidade extraordinária do ofendido, em função, inclusive, do princípio da oportunidade ou conveniência da ação penal de iniciativa privada.

Nesse diapasão, segundo essa corrente, caso o ofendido não incluísse voluntariamente um dos autores do fato criminoso à demanda, haveria renúncia ao direito de queixa quanto a este, renúncia esta que se estenderia aos demais sujeitos (art. 49, CPP), com consequente extinção da punibilidade para todos (art. 107, V, CPP). 

Noutro giro, sendo involuntária a não inclusão, ou seja, não tendo o querelante consciência acerca da existência dos demais autores, o MP deve requerer a sua intimação, para que se manifeste relativamente ao aditamento subjetivo da queixa-crime. Havendo o aditamento, a demanda prosseguirá normalmente; não havendo, configurar-se-á renúncia tácita (art. 104, CP), novamente, comunicando-se aos demais autores (art. 49 do CPP) e, consequentemente, extinguindo-se a punibilidade destes (LIMA, 2017, p. 243).

Para a segunda corrente, seria possível o aditamento da queixa-crime e a inclusão de outro(s) agente(s), tendo em vista que o art. 48 do CPP confere ao MP a titularidade de fiscal da observância do princípio da indivisibilidade e que o art. 45 do CPP prevê expressamente essa possibilidade, ao dispor:

A queixa, ainda quando a ação penal for privativa do ofendido, poderá ser aditada pelo Ministério Público, a quem caberá intervir em todos os termos subsequentes do processo.

Tourinho Filho, um dos que agasalham essa tese, citado por Paulo Rangel, também defensor desse posicionamento, a respeito da possibilidade de aditamento subjetivo por parte do MP, aduz:

Ora, dispondo o CPP, no art. 48, que a queixa contra qualquer dos autores do crime obrigará ao processo de todos e que o Ministério Público velará pela sua indivisibilidade e, no art. 45, explicitando que a queixa, ainda quando a ação penal for privativa do ofendido, poderá ser aditada pelo Ministério Público, a quem caberá intervir em todos os termos subsequentes do processo, não se pode deixar de concluir que o aditamento, in casu, implica inclusão de corréu ou corréus (Ob. cit., v. I, p. 589-592). (RANGEL, 2015, p. 276-277).

Corroborando com esse ponto de vista, também citado por Paulo Rangel, Weber Martins Batista:

O art. 48 do Código de Processo Penal confere ao Ministério Público a incumbência de velar pela indivisibilidade da ação. O art. 45 do mesmo Código permite-lhe aditar a queixa, nos crimes de ação penal exclusivamente privada. Ora, esta última norma não teria aplicação, se o Ministério Público não pudesse aditar a queixa para nela incluir pessoa aí não mencionada […] Para que serve, então, o art. 45 do Código de Processo Penal? Exatamente para os casos em que o Ministério Público, verificando que foi postergado o princípio da indivisibilidade, porque o jato descrito na queixa foi praticado por A e B, e não apenas por A, adite esta peça para nela incluir B (Ob. cit., p. 73-74). (LIMA, 2017, p. 242).

Em que pese os argumentos dessa segunda corrente, parece acertada a digressão teórica feita por Renato Brasileiro acerca do que objetivou o legislador com o art. 45 do CP:

o Parquet pode até corrigir ou complementar a queixa-crime, porém trabalhando apenas com os elementos trazidos a juízo pelo querelante, incluindo, por exemplo, circunstâncias relativas ao tempo, lugar ou modus operandi do crime. (TÁVORA, 2017, p. 277).

Por fim, ante o exposto, concluo favoravelmente à primeira corrente, afirmando que deve restar afastada a possibilidade de o MP aditar subjetivamente a queixa-crime formulada em juízo, uma vez que, conforme salientado supra, o legitimado para a propositura da ação penal de iniciativa privada é o ofendido, em razão do princípio da conveniência, bem como que a possibilidade de aditamento pelo MP (art. 45 do CPP) é restrita ao que o querelante levou a juízo. 


REFERÊNCIAS

CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2016.

LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal: volume único. 5. ed. rev. ampl. e atual. Salvador: Ed. JusPodvm, 2017.

RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 23. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 276-277.

TÁVORA, Nestor. Curso de direito processual penal. 12 ed. rev. e atual. Salvador: Ed. JusPodivm, 2017. p. 277.


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