O Pacote Anticrime e a fixação de prazo para a manutenção da prisão cautelar
O Pacote Anticrime e a fixação de prazo para a manutenção da prisão cautelar
Em 24 de dezembro de 2019 tivemos a publicação do que se denominou como “Pacote Anticrime” (Lei nº 13.964/2019).
Em referido aparato normativo, diversas alterações foram efetuadas no Código Penal (que já sofreu desde sua publicação em 1941 diversas reformas) e no Código de Processo Penal. Neste último, para aqueles que labutam diariamente na seara criminal, há uma grande implicação observada no que tange à duração das custódias preventivas.
Para aqueles que estão na linha de frente da advocacia criminal há sempre um questionamento motivado e certo: qual seria o prazo razoável de duração da prisão processual/preventiva? E quando estaria constatado o excesso de prazo da prisão provisória em razão da demora na formação de culpa, haja vista que a liberdade é, ou ao menos deveria ser, a regra?
Jurisprudencialmente (TJMG – Habeas Corpus Criminal 1.0000.20.491472-5/000, Relator(a): Des.(a) Octavio Augusto De Nigris Boccalini , 3ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 25/08/2020, publicação da súmula em 27/08/2020), a análise do excesso de prazo da prisão provisória está intrinsicamente afeta à questão da razoável duração do processo, de forma que a prisão provisória não estaria em excesso quando respeitado o prazo abstrato previsto, pasmem, pelo Plano de Gestão de Varas Criminais lançado pelo CNJ. Neste sentido, por meio de tal ato, o CNJ fixa que:
(…) em se tratando de procedimento ordinário, o prazo razoável é entre 105 (cento e cinco) e 148 dias, conforme explicado abaixo. Sendo o sumário, o prazo geral e razoável é de 75 (setenta e cinco) dias, enquanto, no caso do procedimento do tribunal do júri, o prazo geral para o encerramento da primeira fase do processo é entre 135 e 178 dias.
Assim, enquanto não extrapolado referidos prazos, a jurisprudência se posiciona no sentido de que não se pode dizer em excesso de prazo para formação de culpa e, consequentemente, em excesso de prazo da prisão provisória.
Contudo, vislumbra-se que, com o advento do pacote anticrime, essa visão do excesso de prazo deve-se modificar, não estando tão somente afeta à razoável duração do processo, mas também no que tange à sua efetiva necessidade de manutenção, haja vista a inclusão do parágrafo único do art. 316, do Código de Processo Penal o qual prevê que
decretada a prisão preventiva, deverá o órgão emissor da decisão revisar a necessidade de sua manutenção a cada 90 (noventa) dias, mediante decisão fundamentada, de ofício, sob pena de tornar a prisão ilegal.
Por meio de uma interpretação simplista, verifica-se que o legislador buscou introduzir no complexo normativo processual penal, prazo razoável para a reanálise da manutenção da prisão processual, com o fim de que somente se mantenha a prisão provisória caso os seus requisitos efetivamente se mantenham, por meio de decisão fundamentada.
Contudo, este prazo de reanálise da necessidade de manutenção e demonstração dos motivos da prisão não deve ser tido tão somente como mero prazo de passagem, mas verdadeiro prazo limitador de uma prisão legal e uma prisão com excesso de prazo.
Verifica-se que o legislador reconhece que os processos criminais, em sua maioria, não detêm razoável duração, de forma não são raros os casos de prisões preventivas que se transformam em verdadeiras penas antecipadas.
Deste modo, a questão afeta à proporcionalidade da prisão provisória deixa, de certo modo, de estar atrelada tão somente à razoável duração do processo, mas sim à uma efetiva determinação ativa do legislador em obrigar à autoridade emitente da ordem de prisão uma análise, com prazo, da prisão provisória.
O excesso de prazo, neste caso, não estaria atrelado à razoável duração do processo, mas à omissão da autoridade emitente da ordem de prisão no dever de reanálise da prisão preventiva e demonstração de seus motivos justificantes. E o motivo é simples, qualquer dos motivos de proteção constantes do art. 312 do CPP (leia proteção da ordem pública, ordem econômica, conveniência processual e aplicação da lei penal), não se matem perpetuamente.
Ou seja, pode ser que, dentro dos 90 dias, a ordem pública que outrora estaria violada, não mais estaria e por isso a liberdade deveria ser reestabelecida. Ou seja, não se trata de prazo processual atrelado ao tempo de processamento da ação penal, mas sim uma análise de prazo do retorno ao status quo da ordem jurídica a ser protegida.
Neste toar, à leitura dada por este humilde jurista, o parágrafo único do artigo 316 do Código de Processo Penal está a nos dizer que deve ser averiguado se a prisão provisória ainda é necessária à proteção pretendida e, se dentro deste prazo, não mais demonstrada a necessidade, deve esta ser revogada.
E, ainda, extrapolado referido prazo sem a reanálise, presume-se que os motivos ensejadores não mais estariam evidenciados, havendo excesso de prazo por ausência de justificação da segregação cautelar, devendo a prisão ser relaxada.
Tal inclusão é de extrema valia para o sistema processual penal, notadamente quando defronte de conceitos tão abstratos e amplos, por exemplo, como a ordem pública. Qual seria o prazo de proteção que uma prisão traria a ordem pública? Os punitivistas dirão: perpétua. Mas nós, garantistas, dizemos:
o prazo proporcional à sua proteção.
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