O papel do Judiciário na pandemia
Em tempos de pandemia (até o momento, o Brasil contabiliza 9.992 mortos), o Executivo e o Judiciário têm tomado à frente em decretos e decisões a fim de contornar a crise.
Considerando o gigantismo do país, o que mais se observa são decisões para todos os lados. Em Manaus, pedido de “lockdown” de Ação Civil Pública do MP foi negado, em decisão ainda pendente de recurso. A decisão foi aplaudida por muitos. O estado do Amazonas contabiliza até o momento o triste número de 874 mortes.
A situação dos presidiários é ainda mais preocupante. Inúmeros HC’s foram negados, mesmo para presos em “grupo de risco”. Diante da falta de ações para proteger a saúde dos presos, a Comissão de Política Criminal e Penitenciária (CPCP) da Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo entrou com pedido para que os magistrados tenham acesso a dados referentes ao quadro de saúde dos presídios do estado de São Paulo. Até o momento, há total falta de informações acerca do número de contaminados, ou não, pelo coronavírus em presídios. A petição foi disponibilizada pela revista eletrônica ConJur:
O país e o mundo estão preocupados com a evolução do Coronavírus, responsável pela COVID-19. A preocupação se intensifica dentro do sistema penitenciário, em que a aglomeração de pessoas é inevitável. Não à toa que o Ministério da Justiça e Segurança Pública, observando seu dever de assegurar o atendimento preventivo e curativo em saúde para pessoas privadas de liberdade, publicou a Portaria Interministerial n. 7, de 18 de março de 2020, que, dentre outras medidas, prevê, sobretudo, a identificação de custodiados com sinais e sintomas gripais e o isolamento desses casos. No mesmo sentido, o Conselho Nacional de Justiça editou a Recomendação nº 62, em 17 de março de 2020, em que fez diversas recomendações a magistrados com competência para a fase de conhecimento criminal e para a fase de execução criminal. Na mesma recomendação, o Conselho Nacional de Justiça recomenda providências aos estabelecimentos prisionais referentes às pessoas privadas de liberdade e a visitantes.
De todo o grave panorama que vem se desenhando em decorrência da pandemia, o sistema presidiário deveria estar no topo das preocupações dos governos. Não é o que se tem observado. Alguns estados chegaram a proibir as visitas, o que dificulta a vida dos presidiários que dependem dos recursos que suas famílias enviam para sobreviver, vestir-se e alimentar-se dentro das grades.
Como se já não bastasse a gravidade da situação, o DEPEN está debatendo a possibilidade de se isolar os presidiários doentes em contêineres, local inadequado até mesmo para animais. A proposta tem sido repudiada, mas o DEPEN ainda não se posicionou em definitivo, nem apresentou novas propostas para aliviar a crise sanitária.
O Judiciário brasileiro continua resistindo a conceder Habeas Corpus mesmo para presidiários e presidiárias no “grupo de risco”, expressão que já perdeu o sentido diante da morte em massa de pessoas fora do considerado grupo. Essa resistência é sempre justificada pelo “indubio pro societate”, o “medo” de que essa liberação em massa cause transtornos à sociedade, mesmo em se tratando de presos que cometeram crimes de pouca repercussão no tecido social. Afinal:
Dizem, facilmente, que a pena não serve somente para a redenção do culpado, mas também de alerta aos outros, que poderiam ser tentados a delinquir e, por isso, os deve intimidar; e não é um discurso este de se fazer pouco caso (…). O menos que se pode concluir é que o condenado que, por achar-se redimido antes do término fixado pela condenação, permanece na prisão porque deve servir de exemplo aos outros, sendo submetido a um sacrifício por interesse dos outros, está na mesma situação do inocente, sujeito à condenação por um daqueles erros judiciários, que nenhum esforço humano conseguirá eliminar. (CARNELUTTI, 1957, pg. 41).
Enquanto os poderes resistem a buscar soluções mais efetivas e protetivas, a pandemia avança pelo país, sem data para acabar.
REFERÊNCIAS:
CARNELUTTI, Francesco. As misérias do processo penal. Publicado pela primeira vez em 1957.
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