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O perigo da “bondade dos bons” e o princípio da limitação das penas

O perigo da “bondade dos bons” e o princípio da limitação das penas

O que é ser bom? Como poderia se definir a virtude da bondade? Certamente, cada leitor poderá ter uma resposta diferenciada a este respeito (apesar de algumas colidentes), entretanto, é nesta tentativa de conceituação que reside o perigo da “bondade dos bons”, ou seja, aquilo que esses “bons” acham que é “certo”. 

Não obstante afirmar que cada um possa ter a sua própria verdade sobre esse assunto, não estou afirmando que não exista a verdade absoluta, ou seja, não estou afirmando que “toda verdade é relativa” (afirmação que refuta a si mesma pois relativiza a si própria), mas que a verdadeira bondade, todavia, pode ser completamente deturpada pelos falíveis seres humanos.

De tempos em tempos a história humana tem produzido personagens que se auto elegeram como os salvadores de suas respectivas nações e, portando um discurso eloquente e “belo”, engambelaram o sentimento da população em prol de aberrações genocidas.

Seres humanos falíveis acreditando que por meio da política o mundo de algum jeito poderá ser salvo por um Estado conduzido por outros seres humanos falíveis. Eis o grande problema.

Por isso, gosto muito da cosmovisão conservadora. 

Alguns podem ter se assustado agora, pois impregnou-se do pensamento popular (principalmente por causa da mídia) que ser conservador é sinônimo de ser fundamentalista religioso. Contudo, esse pensamento não poderia estar mais incorreto.

O verdadeiro conservadorismo, ao contrário do supracitado, remonta a Edmund Burke, Michael Oakeshott, Roger Scruton etc., que tem como um de seus pilares o ceticismo quanto à política e ao Estado, justamente porque ambos são conduzidos por seres humanos altamente corrompíveis.

Exemplos na história não faltam de como o Estado foi utilizado por líderes políticos contra indivíduos em prol daquilo que achavam “correto”.

Adolf Hitler, o “Füher” (“líder”, “guia”, “condutor” etc.) alemão, utilizando-se de sua retórica e do sentimento amargurado do povo alemão, conduziu o seu país a praticar um holocausto judaico, em prol da “raça ariana”, resultando na morte de 6 milhões de judeus. 

Joseph Stalin, que tinha a intenção de conduzir a URSS ao utópico comunismo, na mesma toada de Hitler, entre 1931 a 1933, produziu um acontecimento abjeto que ficou conhecido como “HOLODOMOR”, palavra ucraniana que significa, literalmente, “deixar morrer de fome”, impingindo ao povo ucraniano (contrário ao regime comunista) uma ferrenha estipulação de metas de produção de cereais que só podia ser alcançada se os camponeses deixassem de consumir sua parte do que era produzido.

Segundo relatos, pessoas foram presas e condenadas a trabalhos forçados simplesmente por terem se alimentado de batatas ou espigas de milho que deveria ir à central soviética.

Sobre esse acontecimento, assim afirmou Thomas Wood:

Em 1933, Stalin estipulou uma nova meta de produção e coleta, a qual deveria ser executada por uma Ucrânia que estava agora à beira da mortandade em massa por causa da fome, que havia começado em março daquele ano. Vou poupar o leitor das descrições mais gráficas do que aconteceu a partir daqui. Mas os cadáveres estavam por todos os lados, e o forte odor da morte pairava pesadamente sobre o ar. Casos de insanidade, e até mesmo de canibalismo, estão bem documentados.

O perigo da “bondade dos bons”

Uma coisa em comum entre as personagens citadas é que ambas, para atenderem a sua definição de “bondade”, utilizaram-se do direito, mais especificamente do direito penal, para cometer algumas das maiores atrocidades que já se tiveram notícia na face da Terra.

É por isso que, para limitar o poder de governantes, a nossa Constituição Federal, sabiamente, estabeleceu em cláusula pétrea o princípio da limitação das penas:

Art. 5º, XLVII – não haverá penas:

a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX;

b) de caráter perpétuo;

c) de trabalhos forçados;

d) de banimento;

e) cruéis.

Este importante princípio impede retrocessos legislativos, que possam vir a violar a dignidade da pessoa humana, um dos fundamentos de nosso Estado Democrático de Direito, previsto no art. 1º, inciso III, da CF/88.

O perigo da “bondade dos bons” e o princípio da limitação das penas

Ferrajoli, em importante lição, afirma que

acima de qualquer argumento utilitário, o valor da pessoa humana impõe uma limitação fundamental em relação à qualidade e quantidade da pena. (…) um Estado que mata, que tortura, que humilha um cidadão não só perde qualquer legitimidade, senão que contradiz sua razão de ser, colocando-se no nível dos mesmos delinquentes.

Muitos são os apoiadores dessas penas proibidas por nossa Constituição Federal, e, de acordo com a nossa interpretação da liberdade de expressão, possuem esse direito. Todavia, tais penas podem se voltar, inclusive, contra esse grupo que, de forma cega, pensa ser inatingível pelo direito penal. Ledo engano!

Diante disso, importante sempre nos lembrarmos da história e os males que seres humanos eleitos como “grandes líderes” fizeram em nome do que eles mesmos definiram como “bom”, utilizando-se, para isso, o direito penal para aplicação de penas cruéis, as quais devem ser rechaçadas e combatidas intelectualmente, para que tempos sombrios não advenham por culpa de nossa omissão.


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Matheus Leite dos Santos

Advogado criminalista

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