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O prazo razoável da prisão preventiva: inovação do Pacote Anticrime

O prazo razoável da prisão preventiva: inovação do Pacote Anticrime

Em 2012 defendi a Dissertação no Mestrado em Ciências Criminais na PUCRS, na linha de pesquisa “Sistema Penal e Violência”, orientado pelo Prof. Dr. Fabricio Dreyer de Ávila Pozzebon, intitulada “A inconstitucionalidade da prisão processual pelo descumprimento do prazo razoável: uma proposta à luz do Tratado de Assunção” (CASTILHOS, 2012). Nela propus um prazo máximo para a duração da prisão preventiva e o prazo para a (re)análise da necessidade da coerção da liberdade na espécie e também para a (re)análise da necessidade da aplicação das medidas diversas a prisão.

Foi publicada a mesma obra, na forma de livro, pela Editora Juruá, em 2013, até então Curitiba, ainda não “República de Curitiba”[1] que hoje, por sinal, parece estar voltando ao seu status de cidade apenas. Naquela oportunidade a editora sugeriu o nome juris ao trabalho como sendo “Prisão Cautelar e Prazo Razoável” em que pese a minha discordância no título, pela inadequação do termo “cautelar” (LOPES JÚNIOR, 2011, p. 9).[2] Fui vencido por que a justificativa da editora era que para ter mais sucesso na sua publicação era necessário aceitar a sugestão do termo.

Foi publicada, então, a Dissertação de Mestrado na forma de livro o que me deixou muito feliz, tanto quanto ter sido aprovado na banca com louvor e mais, com a fala de um dos participantes da banca, Prof. Dr. Clóvis Gorczevski, Professor da Universidade de Santa Cruz do Sul, que na época, em sua análise, havia apontado que o trabalho apresentava uma “tese”, pois propunha algo novo que era a duração razoável da prisão preventiva, a (re)análise da necessidade da manutenção da coerção e da necessidade de uma (re)análise da necessidade da manutenção das medidas alternativas a prisão.

Agora, com o famigerado “Pacote Anticrime”, lei n. 13.964/2019, vem à tona a proposta no Art. 316, parágrafo único do Código de Processo PenalCPP, justamente de um tempo para a prisão preventiva e para a (re)análise da sua necessidade e da necessidade da manutenção das medidas alternativas a prisão.

No livro conclui, dentre outras coisas importantes, que a prisão preventiva necessitava de uma limitação temporal, veja:

Mesmo assim, entendeu-se pela proposição de um tempo máximo para a (re)análise da necessidade da prisão preventiva de até 60 (sessenta) dias, ou seja, o juízo deverá reexaminar a manutenção da coerção preventiva, no máximo, até 60 (sessenta) dias após a data em que ocorreu a determinação da prisão preventiva e, ao final desse prazo, justificar, fundamentadamente, atento à complexidade de cada processo, a necessidade de prorrogação dessa medida excepcional privativa de liberdade, ou das medidas alternativas á prisão, diferente do que fora proposto, de maneira irrazoável, no artigo 559, §2º do PL 8.045/2010, tomando por base o tempo para o reexame proposto no artigo 562 do aludido projeto de lei. (CASTILHOS, 2013, p. 162 e 163.)

Já o artigo 316, parágrafo único do CPP, inovação do Pacote Anticrime versa, veja:

Art. 316. O juiz poderá, de ofício ou a pedido das partes, revogar a prisão preventiva se, no correr da investigação ou do processo, verificar a falta de motivo para que ela subsista, bem como novamente decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem.

Parágrafo único. Decretada a prisão preventiva, deverá o órgão emissor da decisão revisar a necessidade de sua manutenção a cada 90 (noventa) dias, mediante decisão fundamentada, de ofício, sob pena de tornar a prisão ilegal. (grifou-se)

Conforme se verifica no artigo, há justamente a inovação de um tempo para a razoável duração da prisão preventiva, inclusive com a estipulação de uma pena para aqueles casos em que não for realizada a determinação da lei.

Veja que a estipulação de uma necessária releitura dos motivos que levaram a aplicação da reprimenda coercitiva era uma reclamação da doutrina (GIACOMOLLI, 2013, p. 92 e 93).[3] Assim como também era a aplicação de um prazo para a duração da prisão processual e uma pena para o Estado em caso de descumprimento da determinação legal (LOPES JÚNIOR, 2011, p. 3),[4] o que já estava presente em legislações estrangeiras e aqui ainda não existia, mas conforme a lei 13.964/2019 passa a existir.

Em discussões e leituras percebia-se o quão difícil era a estipulação de um prazo máximo para a prisão preventiva, mas era necessária a discussão e também necessária a tentativa de harmonizar a prática com a teoria (MINAGÉ, 2015, p. 69).[5] A inovação não havia sido explorada pela doutrina porque fica difícil dizer o quanto de tempo, como qual base, qual o fundamento e como chegaste a tal valor.

No livro, após a pesquisa, explica-se que foi ponderado entre o máximo de tempo que pode durar a prisão temporária nos crimes hediondos, lei n. 8.072/1990 que é de 30 (trinta) dias e o prazo que havia se estabelecido no judiciário, na época, de 81 (dias) se o réu estivesse preso. A partir daí pensou-se em um termo como o de 60 (sessenta) dias conforme a proposição da escrita. Veja:

Essa disposição, por considerar um limite de tempo de até 60 (sessenta) dias, deriva de uma ponderação entre o tempo máximo de duração da prisão temporária nos casos de crimes hediondos, que é de 30 (trinta) dias, conforme artigo 2º, §4º da Lei n.º 8.072, de 25 de julho de 1990, e o prazo jurisprudencial de duração do processo que era de 81 (oitenta e um) dias se o réu estivesse preso.

Ou seja, para encontrar esse tempo máximo, entendido como razoável, para a (re)análise da necessidade da medida, considerou-se um tempo que ficasse entre os 30 (trinta) dias de duração da prisão temporária para os crimes hediondos e os 81 (oitenta e um) dias de duração do processo quando o réu estivesse preso antes. (CASTILHOS, 2013, p. 163.)

Naquela oportunidade fiz a crítica ao PL 8.045/2010, de um “Novo Código de Processo Penal”, na forma do Art. 562, que propunha o termo de 90 (noventa) dias e a aplicação de uma pena para o Estado caso não atenda ao determinado pela lei.

Também neste momento é renovada a crítica, pois se sabe que 90 (noventa) dias no cárcere tornam-se excessivos e, por isso, mantém a proposta antes apresentada de 60 (sessenta) dias, dando maior celeridade a análise da necessidade da manutenção da prisão preventiva ou da necessidade da manutenção das medidas coercitivas diversas da prisão.

Mantém-se a crítica porque de lá até agora as mudanças foram maiores no que se refere às tecnologias e a temporalidade tem sofrido com a aceleração. Com as novas tecnologias, propõe-se fazer mais atividades no mesmo período de tempo o que leva a uma expectativa de fazer mais em menos tempo.

Importante frisar que se está falando em aprisionamento de pessoa que é inocente[6] (GIACOMOLLI, 2013, p. 22) e que o Estado não tem a solução do caso penal até o momento, logo, não pode servir como antecipação de uma pena (LOPES JÚNIOR, 2011, p. 85).[7] Também, não se pode aceitar a justificativa, como a de quando estava presente o cômputo dos momentos processuais até o término da instrução que alcançava, conforme a jurisprudência, presentes os 81 (oitenta e um) dias, que com o final da instrução processual havia o saneamento do problema e convalidava-se o tempo de prisão processual.

A punição do Estado pelo descumprimento da determinação legal atende a reclames da doutrina que sempre indicou que determinação sem punição não adiantava ser criada (LOPES JÚNIOR, 2011, p. 3),[8] pois, no caso de seu descumprimento, nada demais aconteceria.

A proposta do nosso livro parece ser a mais coerente ainda e a menos invasiva ao acusado, menos invasiva ainda do que a proposta incluída no Art. 316, parágrafo único do CPP, com a alteração proposta pela lei n. 13.964/2019. Nesta proposta há a determinação de uma punição pelo descumprimento tornando a prisão ilegal.


REFERÊNCIAS

CASTILHOS, Tiago Oliveira de. A inconstitucionalidade da prisão processual pelo descumprimento do prazo razoável: uma proposta á luz do Tratado de Assunção / Tiago Oliveira de Castilhos. Diss. (Mestrado) – Faculdade de Direito, Pós – Graduação em Ciências Criminais, Área de Concentração, Sistema Penal e Violência PUCRS. Porto Alegre. 2012.

CASTILHOS, Tiago Oliveira de. Prisão cautelar e prazo razoável. Curitiba: Juruá. 2013.

GIACOMOLLI, Nereu José. Prisão, liberdade e as cautelares alternativas ao cárcere. São Paulo: Marcial Pons. 2013.

LOPES JÚNIOR, Aury. O novo regime jurídico da prisão processual, liberdade provisória e medidas cautelares diversas: Lei 12.403/2011. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2011.

MINAGÉ, Thiago. Prisões e medidas cautelares à luz da constituição. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2015.

VALENTE, Fernanda. “República de Curitiba” não tem abrigo na Constituição, diz Gilmar Mendes. Publicado em 9 de agosto de 2019. ConJur. Disponível aqui. Acesso em: 27 jun. 2020.


NOTAS

[1] Conforme a autora a manifestação do Ministro Gilmar Mendes de que “a chamada ‘República de Curitiba’ não tem abrigo na Constituição”. VALENTE, Fernanda. “República de Curitiba” não tem abrigo na Constituição, diz Gilmar Mendes. Publicado em 9 de agosto de 2019. ConJur. Disponível aqui. Acesso em: 27 jun. 2020.

[2] Explica o autor que “A sistemática do Código de Processo Penal não contempla a existência de ‘ação cautelar’, até porque, no processo penal, inexiste um processo cautelar. Daí por que não concordamos com essa categorização (de ação cautelar penal) dada por alguma doutrina. O processo pena pode ser de conhecimento ou de execução, inexistindo um verdadeiro processo cautelar. Logo, não havendo processo penal cautelar, não há que se falar de ação cautelar.” Concorda-se com o autor e só foi permitida a alteração do título para o sugerido por que era exigência da Editora com o argumento de possibilitar a venda devendo ser aceita pelo escritor. LOPES JÚNIOR, Aury. O novo regime jurídico da prisão processual, liberdade provisória e medidas cautelares diversas: Lei 12.403/2011. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2011, p. 9.

[3] O autor em seu livro sugere um prazo de duração da prisão preventiva vinculado a pena mínima ou a máxima, aplicando ao valor o cálculo da progressão em 1/6, indicando ainda que seria mais protetivo se vinculado a pena mínima. Discorda-se das possibilidades por serem ambos lapsos enormes de tempo, acusando assim uma desproporcionalidade em ambos. Acertado o prazo para nós na forma do que sugerido no livro em 60 (sessenta) dias, melhor inclusive do que o prazo estipulado na novatio legis 13.964/2019. GIACOMOLLI, Nereu José. Prisão, liberdade e as cautelares alternativas ao cárcere. São Paulo: Marcial Pons. 2013, p. 92 e 93.

[4] Conforme o autor: “Outro erro gravíssimo foi continuar fechando os olhos para o direito fundamental ao processo penal em um prazo razoável (art. 5º, LXXVIII da Constituição). Precisamos ter prazos máximos de duração da prisão cautelar claramente definidos em lei e com sanção processual. LOPES JÚNIOR, Aury. O novo regime jurídico da prisão processual, liberdade provisória e medidas cautelares diversas: Lei 12.403/2011. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2011, p. 3.

[5] O autor versa que a missão do profissional do direito justamente é a de “(…) controlar a tensão entre a realidade prática jurídica influenciada por questões externas, tais como, mídia, clamor público e conservadorismo, com os ideais teóricos existentes quanto ao tema. (…).” Iria mais além, pois necessária a atuação do profissional do direito pró-ativa e por tal feita propus o tempo de duração da prisão preventiva, o tempo de (re)análise da sua aplicação e da aplicação das medidas alternativas. Há uma necessidade de se expor e sugerir alguma coisa a fim de minimizar o conservadorismo atingindo assim as influências externas como bem disse o autor. MINAGÉ, Thiago. Prisões e medidas cautelares à luz da constituição. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2015, p. 69.

[6] O autor explica que “A presunção de inocência é um princípio de elevado potencial político e jurídico, indicativo de um modelo basilar e ideológico de processo penal, interferindo, substancialmente, na limitação do direito de liberdade do cidadão. Quando estruturado, interpretado e aplicado, há de seguir o signo da dignidade e dos direitos essenciais da pessoa humana, afastando-se das bases inquisitoriais, as quais partiam do pressuposto contrário, ou seja, da presunção de culpabilidade da pessoa. (…).” GIACOMOLLI, Nereu José. Prisão, liberdade e as cautelares alternativas ao cárcere. São Paulo: Marcial Pons. 2013, p. 22 e 23.

[7] Explica o autor que a prisão preventiva “Assume contornos de verdadeira pena antecipada, violando o devido processo legal e a presunção de inocência. (…).” LOPES JÚNIOR, Aury. O novo regime jurídico da prisão processual, liberdade provisória e medidas cautelares diversas: Lei 12.403/2011. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2011, p. 85.

[8] Conforme o autor: “Outro erro gravíssimo foi continuar fechando os olhos para o direito fundamental ao processo penal em um prazo razoável (art. 5º, LXXVIII da Constituição). Precisamos ter prazos máximos de duração da prisão cautelar claramente definidos em lei e com sanção processual. LOPES JÚNIOR, Aury. O novo regime jurídico da prisão processual, liberdade provisória e medidas cautelares diversas: Lei 12.403/2011. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2011, p. 3.

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