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O primeiro Código Penal do Brasil


Por André Peixoto de Souza


Nas últimas sessões de 1826, Bernardo Pereira de Vasconcelos disponibilizou o projeto do Código Criminal do Império, trabalho esse que, por si só, marcaria o avanço das ideias liberais no Brasil e perpetuaria o nome de seu autor. Desse projeto sairia, quatro anos depois, com algumas incorporações do projeto de José Clemente Pereira, o Código Criminal do Império. Merece especial referência, encadeada nos “pontos cardeais” do legalismo, das fontes de direito, da soberania e da hermenêutica jurídica, o próprio Código, eis que fruto da estruturação deste jurista.

A primeira parte, que traz a abordagem dos crimes e das penas, demonstra, de plano, na sinonímia de crime com delito, o princípio da anterioridade da lei penal. Conceitua crime como a ação ou omissão voluntária estritamente contrária à lei penal, na forma tentada ou consumada. Além disso, dispõe que a simples ameaça “de fazer algum mal a alguém” configura, igualmente, tipo penal.

Mas o dolo aparece como condição conceitual: pois não há crime “sem má-fé”, ou seja, que desconheça o mal, bem como que não o intencione praticar. Na “teoria do crime” apresentada por Bernardo Pereira de Vasconcelos, aparecem crimes (sofisticados para a época) contra o abuso da liberdade de comunicação e de pensamento, imputando ao impressor, ao gravador, ao “litógrafo”, ao editor a devida responsabilidade penal.

Quanto à inimputabilidade penal, resta clara a influência do código francês, destituindo os menores (de 14 anos), os loucos e aqueles que “cometerem crimes violentados por força ou por medo irresistíveis” (artigo 10, 3º). Há, nesse ponto, o prenúncio do instituto da legítima defesa, assim disposto:

Art. 10. Tambem não se julgarão criminosos:

(…) 4º Os que commetterem crimes casualmente no exercicio, ou pratica de qualquer acto licito, feito com a tenção ordinaria.

Art. 14. Será o crime justificavel, e não terá lugar a punição delle:

(…) 2º Quando fôr feito em defeza da propria pessoa, ou de seus direitos.

(…) Para que o crime seja justificavel nestes dous casos, deverão intervir conjunctamente os seguintes requisitos: 1º Certeza do mal, que os delinquentes se propozeram evitar: 2º Falta absoluta de outro meio menos prejudicial; 3º O não ter havido da parte delles, ou de suas familias provocação, ou delicto, que occasionasse o conflicto.

Aliás, decidiu-se, na Relação (gerando jurisprudência), que o crime cometido em defesa própria somente seria aceito como justificável se fossem comprovados os requisitos de sua validade.

Apontou o Código, outrossim, as circunstâncias agravantes e atenuantes, assim consistentes: seriam agravantes as circunstâncias de haver o criminoso cometido o delito, alternativamente, à noite, em lugar ermo, premeditadamente, mediante fraude, com abuso de confiança, vislumbrando recompensa, com emprego de veneno, incêndio ou inundação, com arrombamento ou invasão de domicílio, com surpresa ou disfarce “para não ser conhecido”, em reincidência, mediante concurso de pessoas, por “motivo reprovado ou frivolo”, contra idoso “tanto que possa ser seu pai”, com superioridade de sexo, força ou armas, com grau de parentesco ou qualquer outro “que o constitua á respeito deste em razão de pai”, (artigo 16, 1º a 17).

Já o crime seria atenuado quando fosse o caso de haver o “delinqüente” cometido para evitar mal maior, em defesa própria ou de terceiro, em desafronta a “injuria ou deshonra” ou a ameaça ou a provocação, em estado de embriaguez, se menor de vinte e um anos, ou ainda sem conhecimento do mal ou sem intenção de praticá-lo (artigo 18, 1º a 10).

No que tange às penas, presente está o idêntico princípio da legalidade, determinando a punição na conformidade das penas previamente estabelecidas (artigo 33). Prevista esteve a pena de morte, pela forca (artigo 38), a qual deveria ser executada “no dia seguinte ao da intimação, a qual nunca se fará na vespera de domingo, dia santo, ou de festa nacional”. Além desta, o Código previra as penas de prisão simples, de galés, de prisão com trabalho, de banimento, de degredo, de desterro, de multa, de suspensão de emprego e de açoite (artigos 38 a 64).

Quanto à aplicabilidade da pena, José Marcellino Pereira de Vasconcellos bem comenta o artigo 46, tratando da pena de prisão com trabalho, nos seguintes termos:

“Na pena de prisão com trabalho, nos lugares onde houver casa de correcção, só deve considerar-se começada a execução da sentença, depois que for á ella effectivamente recolhido o réo condemnado, cumprindo aos Juizes da execução terem attenção, sob sua responsabilidade, ao art. 83 § 1º da Lei de 3 de Dezembro de 1841”.

A parte segunda do Código criminal será veiculada numa próxima coluna.

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André Peixoto de Souza

Doutor em Direito. Professor. Advogado.

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