O princípio do in dubio pro societate é carta branca para a volta do sistema inquisitorial
O princípio do in dubio pro societate é carta branca para a volta do sistema inquisitorial
O princípio do in dubio pro societate determina que, havendo dúvidas sobre determinada matéria em um processo penal, deve-se julgar favorável à sociedade. Este princípio é o contrário do in dubio pro reo, que determina exatamente o oposto – em caso de dúvida, deve-se julgar favorável ao réu. O princípio do in dubio pro reo vigora, em regra, durante todo o curso do processo, principalmente no momento de decisão de condenação ou absolvição – seja em sede de primeiro grau, de segundo ou de graus especial ou extraordinário.
Já o in dubio pro societate é um princípio que existe nos processos de competência do Tribunal do Júri, quando o juiz, na fase de pronúncia, ao ter dúvidas se o acusado cometeu ou não aquele crime a qual foi imputado, pronuncia-o, submetendo-o ao Júri, por entender que naquele momento, deve-se prevalecer o que for mais favorável à sociedade.
Entretanto, os magistrados brasileiros arrastaram o in dubio pro societate para todo o curso do processo penal, deixando de fora apenas no momento da prolação da sentença condenatória ou absolutória – porque ali sim continua a viger o in dubio pro reo. Os magistrados brasileiros decretam prisão preventiva ou temporária, convertem prisão em flagrante em preventiva, conduzem todo o processo penal sempre com o pensamento que, na dúvida, deve-se prevalecer o que for mais favorável à sociedade.
Com isto, os magistrados brasileiros trouxeram para o processo penal brasileiro – existente dentro de uma ordem constitucional e democrática – o sistema inquisitorial, existe no período da Santa Inquisição. Naquela época e no sistema de mesmo nome, uma vez feita a imputação ao acusado, este que deveria provar que era inocente. As imputações eram, via de regra, de bruxaria, de sodomia (prática sexual sem fins de procriação) ou de apostasia (negação à Igreja ou à fé católica). Como alguém deveria provar que não era bruxo ou herege? As condenações, portanto, viam aos montes.
Atualmente, as condenações não são embarcadas no sistema inquisitorial, mas o processo penal paulatinamente o está sendo. Cada dia mais os juízes estão trazendo o princípio do in dubio pro societate para o processo penal brasileiro. Agora, por exemplo, não cabe mais ao Ministério Público ou a Delegacia de Polícia comprovar indícios de autoria em Audiência de Custódia, mas sim ao réu comprovar que não estava no local na data dos fatos, sob pena de conversão da sua prisão em flagrante em preventiva.
Cabe também ao próprio réu agora provar que um produto sem nota fiscal que esteja contigo não é produto de crime, ou sua prisão em flagrante será também convertida em preventiva. Ao réu agora, em sede de Audiência de Custódia, cabe provar sua inocência; ou, o in dubio pro societate cada dia mais está fazendo com que juízes mantenham a prisão preventiva, para, depois, apurar a veracidade das informações existentes no Auto de Prisão em Flagrante Delito.
O citado princípio para a fase pré-processual, já exportado para a fase pré-processual, está paulatinamente sendo trazido para o processo penal em si. Logo, estaremos diante de decisões interlocutórias de magistrados que negarão oitiva de testemunhas de defesa sob a alegação de estarmos diante do in dubio pro societate; aos poucos, toda decisão interlocutória que o magistrado tiver que proferir no curso do processo penal será sempre favorável à sociedade, em detrimento do réu.
Contaminará pouco a pouco o processo penal brasileiro e o transformará do processo acusatório para o processo inquisitorial. Cada vez mais os promotores terão que provar menos a acusação e o réu, cada vez mais sua inocência. Até que, por fim, o in dubio pro societate chegará à decisão final e enterrará de vez o processo acusatório e as garantias e defesas constitucionais.
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