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O Promotor que tirava selfie com os jurados


Por Ivan Morais Ribeiro


Infelizmente, muitas vezes, você se depara com um Promotor que está lá em sua função não para garantir a Ordem Jurídica, o Regime Democrático (artigo 127, CF), mas para ser o carrasco que garantirá a dor em seu estágio máximo, como bem retrata Michel Foucault em “Vigiar e Punir”. Sim, um sadismo Ministerial existe, mas creio que é exceção. Todavia, não devemos fechar os olhos para essa possibilidade, afinal processo penal é guerra, é jogo, como já diria o “enxadrista” Alexandre Morais da Rosa (2015).

O caso em foco é o seguinte: Tribunal do Júri de uma das cidades mais violentas do Distrito Federal. Réu acusado de homicídio de um rival de outra gangue qualificado por motivo torpe e recurso que dificultou a defesa da vítima.

Bom, chego ao Plenário com certa antecedência para me concentrar e ajustar os últimos detalhes quando vejo o Promotor em conversa descontraída com os jurados, chegando inclusive a tirar selfie com alguns deles. Risada de lá, risada de cá. Fico incomodado com a situação. Quando chego mais perto, vejo quem é o promotor. Já o conhecia. Era o último Júri do mês e presumi que ele já houvera conhecido quase todos os jurados (muitos jurados são convocados para o sorteio durante um mês inteiro). A defesa já entrava em desvantagem máxima.

Qual era o perfil do Promotor? Afinal, temos que conhecer com quem jogamos. Ele era sedutor com os jurados; decorava o nome de todos; perguntava como pais e filhos estavam; ao final de cada Júri cumprimentava todos os jurados, desejava ao máximo ganhar o jogo, pedia, inclusive, algumas vezes a absolvição de algum Réu apenas para ratificar seu status de protetor da sociedade e condenar os 99 restantes. A lógica era perversa.

Qual o problema disso tudo: o discurso do Promotor poderia soar como de um colega que estava lá para proteger a sociedade de “perversos” criminosos. A minha, seria como de um estranho.

E o que o caso acima revela? Primeiramente, que o Júri começa antes mesmo do apito inicial do Juiz. Em segundo lugar, conhecer os Jurados é um dos pontos mais importantes em qualquer estratégia no Tribunal do Júri.

E quais são minhas recomendações para os ilustres leitores?

1) Pegue a lista de jurados e faça uma pesquisa detalhada. Hoje, as redes sociais te dão informações valiosas. (Minha equipe, por exemplo, já solicitou amizade no Facebook para um jurado e descobriu que ele era assíduo espectador de programa televisivo Cidade Alerta. Conclusão: “REJEITO, Excelência”);

2) Em alguns lugares, os jurados são escalados o mês inteiro. Se for o caso, vá a outros Júris para conhecer o perfil de julgamento do Conselho no qual o jurado participou. Perceba como ele se relaciona com os outros antes de o Júri começar;

3) No dia do seu Júri, chegue bem antes do início e perceba se tem algum jurado que possua certa intimidade com o Promotor. Anote e rejeite-o caso seja sorteado; 

4) Chegue antes também para conversar com os jurados. Ora, se o promotor o faz, a defesa também pode. Tente ser gentil, mas sempre com a precaução de não parecer interesseiro. Cumprimente-os com urbanidade e respeito. Cuidado, não comente sobre o caso que será julgado;

5) Seja observador sempre (lembro-me de um dia que na hora do almoço fui ao banheiro e tinha uma fila. Fiquei na fila com os jurados. Eles estavam conversando e se divertindo com piadas. E um deles me chamou atenção por parecer religioso. Pelo sim ou pelo não, citei uma passagem bíblica em minha sustentação e percebi que ele foi o único a me encarar com interesse.). (Legítima defesa. Êxodos 22: “Se o ladrão for achado a minar uma casa, e for ferido de modo que morra, o que o feriu não será réu de sangue”);

6) O objetivo é capturar psiquicamente o julgador, e para isso acontecer, tem-se que entender muito bem quem são.

Alexandre Morais da Rosa (2015, p. 81) alerta:

“A autoridade do argumento pode ser maior se o jogador conhecer as preferências do julgador (e seus assessores, acompanhar seus julgados e os livros de sua estante.). Por isso que o manejo da tática correta, no contexto justo, muda o resultado da partida e justifica, desde já, a modificação da compreensão do processo penal. Para além da metafísica, faremos um percurso pela teoria da guerra (sempre imprevisível) e a teoria dos jogos.”

E o que a selfie retratou? Que processo penal é jogo. Que o Promotor já tinha captado psiquicamente parte dos jurados antes mesmo do próprio Júri começar. E para isso não foi preciso citar frases de Mirabete, Rogério Sanches, Rui Barbosa ou Platão. Bastou citar “Bastão de Selfie”…


REFERÊNCIAS

ROSA, Alexandre Morais da. A teoria dos jogos aplicada ao processo penal. Florianópolis: Empório do Direito, 2015.


Ivan Morais Ribeiro Advogado Criminalista.

Ivan Morais Ribeiro

Advogado. Especialista em Ciências Criminais. Membro da Comissão de Direito Constitucional da OAB/DF.

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