O que é lobby? Tal prática é crime no Brasil?
Por Marcelo Crespo
São várias as denominações que pretendem identificar pessoas que exercem influência de forma direta ou indireta para defender os interesses de alguém junto a órgãos públicos e privados. Usualmente as denominações empregadas para esta definição orbitam entre os termos “relações institucionais”, “relações governamentais”, “consultoria” sendo que o termo “lobby” parece, muitas vezes, ser evitado.
Há controvérsias sobre a origem do termo “lobby” já que há registros de que se trata de expressão de origem norte-americana surgida há mais de dois séculos. O então presidente Ulysses Grant (governou os EUA entre 1864-1869) era apreciador de conhaque e charutos, que eram consumidos no final dos dias de trabalho. Este consumo se dava no lobby do hotel Willard, ocasião em que era abordado por uma série de pessoas que pediam ajuda ao Presidente e tentavam influenciá-lo sobre alguns assuntos, já que naquela época era possível acessá-lo pessoalmente. Ulysses referia-se às pessoas como “os lobistas do hotel Willard” e, com o tempo, a expressão se popularizou. Por outro lado, há relatos de que a expressão surgiu na Inglaterra, precisamente nos corredores e antessalas do Parlamento – lobby, lobbies – onde pessoas se reuniam na tentativa de aproximação e influência nos parlamentares prestes a votarem projetos de leis.
Nos Estados Unidos a atividade dos lobistas é regulamentada, havendo a exigência de que prestem contas das suas atividades. Na Europa o tema também é polêmico, com poucos países que regulam o tema, e, ainda, assim, de modo insuficiente. É o que aponta um recente documento da Transparência Internacional. Como dito, no Brasil o termo “lobby” parece ser evitado, o que se reputa que aconteça em razão da não regulamentação e do desconhecimento do assunto.
Seu conceito é impreciso, não havendo uma definição legal. Apesar de, normalmente, ser entendido como sinônimo de atos ilícitos, mormente maculados pela corrupção, originalmente seu conceito remete a algo mais neutro. Pode-se dizer que se trata da atividade exercida por alguém com o objetivo de influenciar o poder público para que dele se obtenha determinadas medidas ou decisões.
Apesar da não regulamentação no nosso ordenamento jurídico cabe-nos destinar certa atenção a alguns tipos penais que abrangem algumas características normalmente inseridas no entendimento do que seja “lobby” no Brasil. São casos a corrupção (passiva e ativa, nos termos dos artigos 317 e 333, CP), a advocacia administrativa (art. 321, CP) e o tráfico de influência (art. 332, CP).
O crime de corrupção apresenta-se dividido nas condutas de quem corrompe e de quem é corrompido, portanto, nas modalidades passiva (art. 317, CP) e ativa (art. 333, CP). Aquele que pede ou recebe vantagem indevida ou aceita promessa de recebe-la, em razão da função, pratica crime de corrupção passiva. Isto é, trata-se de crime praticado por funcionário público. Note-se, no entanto, que apesar do nomen juris conter a expressão “passiva”, o praticante do crime pode ter papel ativo, solicitando vantagem para que deixe de fazer seu trabalho ou, ainda, faça algo que não é condizente com suas funções. Já o crime de corrupção ativa é praticado pelo corruptor e se dá pelo oferecimento de alguma forma de compensação para que o agente público faça algo que, dentro de suas funções, não deveria fazer, ou deixe de fazer algo que deveria fazer.
Veja-se que as condutas podem envolver uma espécie de entendimento, uma negociação, algo que pode haver entre o lobista e o funcionário público. Ocorre que no lobby, a intenção de influenciar não passa pela prática de ilícito, mas em decisões, ajustes e argumentações políticas de interesse das partes.
Já a advocacia administrativa envolve a conduta daquele que, sendo funcionário público, patrocina interesse privado perante a Administração, valendo-se justamente da qualidade de funcionário. É a defesa de interesse privado (qualquer finalidade, meta ou objetivo, legítimo ou ilegítimo) por funcionários públicos junto a colegas, gozando da influência que detém junto a estes. Seria uma prática comum pelos lobistas que, no entanto, não poderiam ser funcionários públicos, daí uma grande diferença para a prática do lobby.
Quanto a criminalização do tráfico de influência, este teria surgido “quando o Imperador Alexandre Severo tomou conhecimento de que um certo Vetrônio, que frequentava a Corte, recebia dinheiro sob o pretexto de influir em decisões governamentais, ordenou fosse ele colocado numa fogueira de palha úmida e lenha verde. Veio ele a morrer, não pelo fogo, mas sufocado pela fumaça (fumus), enquanto um funcionário apregoava em alta voz: fumu punitur qui fumun vendit (pune-se com a fumaça aquele que vende a fumaça). Até hoje, na doutrina italiana, em razão da origem histórica do crime, é ele conhecido igualmente como venda de fumaça (vendita di fumo)” (COSTA JR., 1989, p. 513).
Trata-se de uma incriminação que visa punir aquele que ilude outrem (que nada recebe em troca da vantagem ou promessa de vantagem) e, ainda, deprecia a Administração Pública, que é exposta ao descrédito. É fundamental, para fins de tipicidade, que o sujeito ativo se atribua prestígio junto a funcionário público (sendo que não o tem), de modo que a conduta se amolda a uma espécie sui generis de estelionato.
Vê-se, pois, que no tráfico de influência o sujeito ativo usa de artimanha para induzir o sujeito passivo em erro, que acredita que haverá influência exercida perante funcionário público. Não se trata de um verdadeiro ato de lobby na medida em que ao lobista interessa que sua atividade, de fato, influencie o funcionário público e, assim, justifique sua fama de influenciador e seus honorários.
Resta claro, portanto, que há algumas condutas criminosas que, em algum ponto, podem se parecer com práticas lobistas mas, no entanto, com elas não se confundem, considerando-se “lobby” em acepção de conduta não ilícita para a defesa de interesses de um grupo, junto a autoridades públicas, no intuito de influenciar-lhes e tomar medidas ou decisões úteis àqueles. O lobby, portanto, pode se dar em qualquer área da vida, não apenas na seara política e, acima de tudo, não diria respeito a práticas espúrias.
Por fim, mencionamos algumas palavras sobre a regulamentação da atividade de lobista no país, tendo-se em vista que isso propiciaria, ao menos em tese, melhores perspectivas de atuação deste tipo de profissional na medida em que isso permitiria maior transparência.
Pois bem. A regulamentação do lobby no país não é algo pacífico, sendo que o debate se divide em opiniões favoráveis e contrárias. Os argumentos favoráveis fundam-se, basicamente, na necessidade de promover maior transparência nas atividades de lobistas. Já os argumentos contrários defendem que a regulamentação cria obstáculos à entrada dos menos influentes e impede uma certa confidencialidade dita necessária para a atuação mais eficaz.
No Brasil há alguns projetos de leis aguardando deliberação na Câmara e no Senado, destacando-se o projeto de lei nº 1202/2007 do Deputado Carlos Zarattini que pretende definir normas que devem ser cumpridas nas atividades que envolvem qualquer tipo de lobby, e também define os limites para o ato. Por exemplo, determina que cabe à Controladoria Geral da União o credenciamento das entidades que poderão praticar o lobby. Há, ainda, o Projeto de Lei 6132/199, de autoria do ex-senador Marco Maciel e o Projeto de Lei 6928/2002, de autoria da deputada Vanessa Grazziotin. Contudo, os projetos encontram-se parados, sem previsão de andamento breve.
Quanto a nós, entendemos que enquanto não houver a devida regulamentação da atividade no país, viveremos tempos com pouca transparência dos interesses defendidos junto às autoridades públicas, o que, nos parece, incompatível com os ditames da democráticos insculpidos em nossa Constituição.
REFERÊNCIAS
COSTA JR., Paulo José da. Comentários ao Código Penal. v. 3. São Paulo: Saraiva, 1989.