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O que são as ‘Áreas de Controle Integrado’?


Por Thathyana Weinfurter Assad


O Direito Penal Aduaneiro tem nuances que merecem ser estudadas com especial atenção. Como já tivemos a oportunidade de abordar em colunas anteriores, os delitos de contrabando, de descaminho, de falsidades (material e ideológica) no âmbito do comércio exterior, dentre outros, devem ser analisados sob a ótica do Direito Penal (certamente), mas os conceitos do Direito Aduaneiro são indispensáveis para a real compreensão dos fenômenos jurídicos envolvidos. Os delitos porventura ocorridos nas denominadas Áreas de Controle Integrado (“ACI’s”) fazem parte do rol de temas aos quais precisamos voltar os nossos cautelosos olhos.

A fim de compreender tais Áreas de Controle Integrado, citemos dois dispositivos do Regulamento Aduaneiro (Decreto nº 6.759/2009), ambos inseridos no Capítulo I – “Do território aduaneiro”. Dispõe o artigo 2º que:

O território aduaneiro compreende todo o território nacional.

Mais adiante, o artigo 3º, § 5º, do Regulamento, em consonância com o Acordo de Recife, estabelece que:

“A jurisdição dos serviços aduaneiros estende-se ainda às Áreas de Controle Integrado criadas em regiões limítrofes dos países integrantes do Mercosul com o Brasil (Acordo de Alcance Parcial para a Facilitação do Comércio nº 5 – Acordo de Recife, aprovado pelo Decreto Legislativo nº 66, de 16 de novembro de 1981, e promulgado pelo Decreto nº 1.280, de 14 de outubro de 1994; e Segundo Protocolo Adicional ao Acordo de Recife, Anexo – Acordo de Alcance Parcial de Promoção do Comércio nº 5 para a Facilitação do Comércio, art. 3º, alínea “a”, internalizado pelo Decreto nº 3.761, de 5 de março de 2001).”

Ou seja: a jurisdição aduaneira (na matéria explicitada no Acordo de Recife) estende-se às Áreas de Controle Integrado, que estão estabelecidas em regiões limítrofes dos países integrantes do Mercosul com o Brasil. Um dos objetivos estabelecidos no Plano “PPA Mais Brasil”, no âmbito do programa temático “Integração Sul-Americana”, foi justamente o de

“Promover a implementação das Áreas de Controle Integrado (ACIs) na América do Sul, com prioridade no MERCOSUL, por meio da modernização e aprimoramento, dotando-as de adequada infraestrutura, recursos humanos, financeiros e tecnológicos, de forma a simplificar os trâmites aduaneiros.”

No endereço eletrônico da Receita Federal do Brasil, é possível visualizar a lista de Áreas de Controle Integrado existentes, onde se verifica, também, de que lado da fronteira localiza-se a cabeceira, que é o ponto onde está a “ACI”, qual a modalidade de controle integrado em cada uma delas, assim como as formas de controle de integração (se total, ou parcial).

Por exemplo: na fronteira Brasil-Argentina, há uma Área de Controle Integrado São Borja (Brasil) / Santo Tomé (Argentina). Nesta “ACI”, tanto a modalidade de “Trânsito Vicinal e Turístico” (referente ao controle de trânsito de pessoas e veículos), quanto a de “Cargas – Modal Rodoviário” (referente ao controle integrado de importações e exportações entre os países-parte), realizam-se na cabeceira do lado argentino. Ou seja: o ponto de fronteira de localização desta “ACI” está do lado argentino. Portanto: dentro do território nacional argentino, fora do território nacional brasileiro, mas inserido no âmbito do território aduaneiro brasileiro, no qual é exercida, inclusive, a jurisdição aduaneira brasileira.

Quanto aos crimes cometidos por funcionários, no exercício ou por motivo de suas funções, nessas Áreas de Controle Integrado, prevê o Acordo de Alcance Parcial, no artigo 12, que:

“Os funcionários que cometerem delitos na Área de Controle Integrado, no exercício ou por motivo de suas funções, serão submetidos aos tribunais de seu país e julgados por suas próprias leis. Os funcionários que cometerem infrações, na Área de Controle Integrado, no exercício de suas funções, violando regulamentações de seu país, serão sancionados conforme as disposições administrativas deste país. Fora das hipóteses contempladas nos parágrafos anteriores, os funcionários que incorrerem em delitos ou infrações serão submetidos às leis e tribunais do país onde aqueles foram praticados.”

Mas imaginemos outra hipótese, que não esta. Imaginemos a hipótese de um sujeito, em território nacional argentino, com um carregamento, em sua bagagem acompanhada, de cigarros de importação proibida no Brasil (a exemplo dos fabricados no Brasil, exclusivamente para exportação), com a intenção de contrabandear a carga ao território nacional brasileiro, que é abordado para fiscalização na Área de Controle Integrado, com cabeceira na Argentina. Ou seja: em território aduaneiro brasileiro, mas em território nacional argentino.

Há delito de contrabando, nos termo do artigo 334, do Código Penal brasileiro? Se sim, o crime é tentado ou é consumado?

Para a análise, é imprescindível a recordação das noções de territorialidade e extraterritorialidade da lei penal brasileira, insculpidas nos artigos 5º e 7º, do Código Penal brasileiro.

No caso em comento, há um fato praticado no estrangeiro (pela noção de território nacional), embora em território aduaneiro brasileiro (aplicável no âmbito das infrações e penalidades administrativas aduaneiras).

Assim, a análise centra-se na extraterritorialidade, ou não, da lei penal brasileira, isto é: as hipóteses de crimes praticados no estrangeiro, sujeitos à lei penal brasileira.

O contrabando é considerado, pela lei penal brasileira, crime praticado por particular contra a Administração em geral, tipificado no artigo 334-A, do Código Penal. Portanto, a tipificação da conduta de contrabando, com consequente aplicação da lei penal brasileira, ao caso em comento, somente ocorrerá se evidenciadas as condições para a extraterritorialidade, nos termos do artigo 7º, do Código Penal.

Ao mesmo tempo, a fiscalização administrativa da mercadoria, inclusive para fins da pena de perdimento, está no âmbito da jurisdição aduaneira brasileira, pois território aduaneiro brasileiro (embora nacional argentino).

Ou seja: um Direito Penal Aduaneiro somente se pode compreender com os olhos para além das fronteiras do Direito Aduaneiro e para além dos horizontes do Direito Penal. É necessário um raciocínio que envolva, conjunta e minimamente, ambos os “territórios” jurídicos. E, aqui, são mais questionamentos que respostas. O Direito se desenvolve no debate.

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Thathyana Weinfurter Assad

Advogada (PR) e Professora

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