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O que significa “ocultar” para fins de lavagem de dinheiro?

Por Cezar de Lima

O tipo penal da lavagem de dinheiro (art. 1º da lei nº 9.613/98) não apresenta nenhuma especificidade quanto aos verbos nucleares ocultar e dissimular. Como consequência, uma simples leitura do dispositivo legal poderia induzir o leitor a pensar que basta o agente praticar a conduta de ocultar dinheiro ilícito para estar cometendo o crime de lavagem de dinheiro.

Nesse sentido, para que não haja uma expansão demasiada do delito, é importante que façamos uma definição clara do que seria esse “ocultar” para fins de lavagem de dinheiro.

Frente a esse problema, alguns exemplos devem ser avaliados: tanto o ladrão de banco que esconde o dinheiro roubado dentro do estofamento do seu carro, quanto o traficante que enterra o dinheiro oriundo da venda ilegal de drogas estariam praticando o crime de lavagem de dinheiro?  Qual a diferença entre o “ocultar” natural do crime antecedente e o “ocultar” do delito em análise?

Existem entendimentos nos Tribunais Superiores que basta o agente praticar qualquer conduta de ocultar, ainda que no iter criminis do delito antecedente, para ser imputado o crime de lavagem, até porque a legislação não obriga que os bens ilícitos sejam reintroduzidos na economia para termos a consumação do delito.

A meu juízo, não me parece que essa interpretação esteja correta, por uma questão bastante clara, a conduta de ocultação para o crime em comento deve vir associado a um elemento, direto ou indireto, de que o agente almeja reinserir o dinheiro na economia com aparência lícita.

Os ministros do Supremo Tribunal Federal viram-se compelidos a analisar essa questão quando do julgamento da Ação Penal 470, mais conhecida como mensalão, especificamente no caso do ex-deputado federal João Paulo Cunha, que estava sendo acusado pelo crime de lavagem de dinheiro, por ter utilizado terceira pessoa para sacar dinheiro oriundo da corrupção.

Na hipótese, os Ministros não tinham dúvida que o ex-deputado havia recebido dinheiro de corrupção (cerca de R$ 50.000,00), contudo a incerteza pairava no fato dele ter utilizado a sua esposa para buscar o dinheiro fruto da propina. Restava definir se utilizar terceira pessoa com o fim de ocultar o real destinatário do recurso configuraria o crime de lavagem de dinheiro ou seria apenas o exaurimento da conduta de corrupção!

No entendimento do Ministro Cezar Peluso, a utilização de terceira pessoa para que realize o saque do dinheiro ilícito seria o exaurimento do crime antecedente, até porque objetiva apenas receber o dinheiro ilícito oriundo da corrupção e não uma conduta autônoma de lavagem de dinheiro.[1]

A situação foi resolvida quando do julgamento dos Embargos Infringentes em que discutiram quando o verbo “ocultar” poderia ser considerado como primeiro ato do processo de lavagem e quando significaria o ocultamento do próprio produto do crime. O ex-deputado foi absolvido do crime de branqueamento de capitais, pois a maioria dos ministros entendeu que o ato de ocultar a forma de receber o dinheiro ilícito foi realizado durante o iter criminisis do crime antecedente (no caso a corrupção passiva) e não após a consumação do delito.

O Ministro Luis Roberto Barroso, relator dos EI, aponta que é necessário a existência de indícios mínimos que o dinheiro seria reintroduzido na economia com aparência lícita, pois a simples utilização de terceira pessoa para ocultar o recebimento é parte da materialidade do crime de corrupção, não suficiente para caracterizar crime independente de lavagem.[2]

Esse entendimento estabelece um paradigma sobre o que significa ocultar e dissimular para o tipo penal do art. 1º da Lei nº 9.613/98.

Nesse sentido, o fato de enterrar dinheiro oriundo do trafico de drogas – conduta muito realizada por Pablo Escobar na década de 80, na Colômbia, conforme é demonstrado no seriado Narcos que está em destaque hoje em dia –, por si só, não caracteriza o tipo de lavagem no Brasil, pois deve existir uma ocultação posterior a consumação do crime antecedente e um indicativo – direto ou indireto – que a finalidade seja a reciclagem do dinheiro “sujo”.

Logo, a prática de ocultar o dinheiro do crime antecedente, sem qualquer outro ato que indique a intenção de reciclagem, é uma conduta atípica para a Lei de lavagem de dinheiro.[3]

Em suma, o fato do sujeito colocar no estofamento do seu carro o dinheiro adquirido com o roubo a banco, apenas para não ser pego pela fiscalização – mesmo que esteja ocultando – não é elemento para lavagem de dinheiro, até porque quando o criminoso retirar do esconderijo o dinheiro continuará sendo de origem ilícita.


[1] Supremo Tribunal Federal, Inteiro Teor do Acórdão, AP 470, pag. 53895.

[2] Acórdão dos Sextos EI da AP470, fl. 31.

[3] Opinião sustentada por BOTTINI, Pierpaolo Cruz; em palestra realizada no Seminário Internacional sobre “Combate à lavagem de dinheiro e ao crime organizado”, organizado pelo STJ, AMB, CJF e Instituto Innovare. 03. Set. 2015. Disponível aqui.

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