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O remédio que virou veneno

O remédio que virou veneno

Diz-se que a diferença entre o remédio e o veneno é a dose.

A corrupção, apontada como uma das principais “patologias sociais” brasileiras, valendo-me da expressão descrita por Émile Zola na saga dos Rougon-Macquart, deve ser combatida com seriedade, critério e cautela.

Desconheço, ao menos nos meus círculos social e profissional, quem seja contrário ao combate à corrupção.

Não obstante, a observação empírica do combate midiático e oportunista da corrupção no Brasil revela que, de fato, o remédio virou veneno.

Sobre ser um combate midiático, a assertiva é de fácil constatação nas recorrentes coletivas de imprensa do MPF, a cada operação, ocupando incontáveis períodos televisivos, projetando-se, sobremaneira, anônimos funcionários públicos ao patamar de celebridades.

A porção oportunista restou ainda mais evidente, na medida em que, através do combate moralista da corrupção, uns buscavam verbas de 2,5 bilhões, alguns eram contratados para caríssimas e rasas palestras, enquanto um outro apalavrava um cargo de ministro de estado, sem prejuízo de vaga futura no Supremo Tribunal Federal.

A corrupção dos empreiteiros encontra equivalência no axioma:

o único pecado sem perdão é o do outro, os nossos serão sempre absolvidos.

As descrições acima revelam o moralismo de ocasião e a corrupção que infectou a própria atuação oportunista daqueles jovens provincianos.

Messianismo, moralismo, bravatas, desvirtuamento processual, além de extrema covardia, foram a tônica de uma atuação desastrada e desastrosa, para além do ridículo pessoal das alcunhas de “marreco de Maringá, Russo” e outros adjetivos caipiras, largamente difundidos nas provas de crimes que foram expostas ao mundo pelo The Intercept.

De forma inexorável, Nietzsche se revelou:

Aquele que luta com monstros deve acautelar-se para não tornar-se também um monstro. Quando se olha muito tempo para um abismo, o abismo olha para você.

Mas em que momento o triunfo caipira se torna uma tragédia venenosa?

Justamente quando os jovens funcionários públicos, ávidos pelo momentâneo sucesso, e abusando reiteradamente dos seus “podres poderes” (não será pecado lembrar Caetano), devastam a economia nacional com as suas já mencionadas atuações desastrosas.

Juram que “aprenderam” algumas lições de combate à corrupção em Harvard e outras escolas americanas, mas desprezaram, por completo, aspectos sociais e econômicos como balizas a serem necessariamente observadas.

As lições do professor Edwin H. Sutherland, sobre Direito Penal Econômico, leitura obrigatória para aqueles que “dizem” que estudaram nos EUA, foram absolutamente desprezadas, muito provavelmente por não ter sido Sutherland um mero acusador ou aplicador de penas, mas sim, um importante sociólogo, para além de precursor do Direito Penal Econômico estadunidense.

Aos céticos, que ainda aplaudem o “grande bem” que a Lava Jato fez ao Brasil, já que levou à prisão meia-dúzia de empresários e políticos, vejamos a realidade numérica.

Para tanto, vamos nos fixar especialmente na Petrobras, por óbvio, maior alvo das operações e apontada como empresa mais vitimada pelos atos de corrupção.

Em um esforço matemático extremo, somados todos os valores que foram desviados, ou que provavelmente se subtraíram criminosamente da Petrobras, não há como imaginar que as cifras ultrapassem a casa dos 5 bilhões de reais. Leia-se, o produto de todos os crimes de corrupção, por todos os agentes públicos.

Somente pela SEC – Security Exchange Commission dos EUA, a nossa petrolífera foi multada em 7,16 bilhões de reais (aproximadamente 1,78 bilhões de dólares), para ressarcir investidores americanos (fonte: El País, de 27/09/18).

Como efeito da exposição e afetação reputacional, a Petrobras, em razão da Lava Jato, caiu mais de 400 posições em um ranking mundial de empresas, saindo do honroso patamar de Top 10 (entre as 10 maiores empresas do mundo), para a demeritória posição 416 (fonte Jornal O Globo: Petrobras cai quase 400 posições em um ranking mundial de empresas | Jornal da Globo | G1).

Merece uma inquietante menção o fechamento de 134 mil postos de trabalho na empreiteira Odebrecht, desde o início, e por consequência da Lava Jato, vez que não houve, por parte dos midiáticos “donos da Operação”, qualquer preocupação em separar responsabilizações pessoais e corporativas, reafirmando-se a venenosa consequência social.

Definitivamente o remédio virou veneno!!

Apenas para ilustrar, com base no próprio site da Odebrecht, em momentos distintos (entre 2013 e 2020), a empresa declarou 181.556 funcionários em 2013, contra 47.000 em 2020, significando o fechamento de mais de 134.000 postos de trabalho.

Para se ter proporcionalmente uma ideia dos números acima, considerando-se que o Brasil possui mais de 5000 municípios, segundo dados de 2019 do IBGE, somente 324 destes municípios possuem mais de 100 mil habitantes, ou seja, menos de 7%.

Dito de outra forma, por força da Lava Jato, somente a Odebrecht fechou postos de trabalho que superam a população de mais de 93% das cidades brasileiras.

Como corolário de uma atuação míope, voltada para o empoderamento pessoal, o impacto na economia foi devastador, a ponto dos maiores analistas econômicos nacionais e internacionais afirmarem que o PIB brasileiro encolheria 2,5% exclusivamente pelo fator Lava Jato, ultrapassando perdas da casa dos 140 bilhões de reias (fonte O Globo: Impacto da Lava Jato no PIB pode passar de R$ 140 bilhões, diz estudo | Economia | G1).

Apenas uma das obras da Petrobras, paralisada em razão e por determinação expressa no processo Lava Jato, o COMPERJ, está gerando um prejuízo da ordem de 45 bilhões de reais à empresa e ao erário (fonte: Federação Nacional do Comércio de Combustíveis – Fecombustiveis).

De uma só vez a obra do COMPERJ, com a paralisação determinada por Sérgio Moro, decretou a demissão de mais de 2500 trabalhadores.

Segundo matéria do Jornal O Globo, do ano de 2015, a paralisação transformou Itaboraí “numa cidade fantasma” (Paralisação das obras causa mais 2.500 demissões no Comperj | Jornal Nacional | G1).

De acordo com outra matéria, a aparência é desértica, a cidade definha. Tudo isso como consequência direta da “canetada” do “Russo”, que determinou a paralisação das obras do COMPERJ, além de outras medidas extremas e irresponsáveis (fonte: El País)

Ainda sobre Itaboraí, três anos após a matéria acima, já em 2018, o site G1 declara que, naquela pequena cidade, mais de 700 lojas fecharam, os imóveis se desvalorizam em mais de 50% e os índices de violência explodiram.

Na dúvida, fica o convite para que o leitor visite a cidade de Itaboraí, na região metropolitana do Rio de Janeiro.

Apesar disso, Moro sorri para fotos, recebe prêmios, como e bebe nababescamente em palácios, enquanto a patuleia, até mesmo aquela de Itaboraí, morrendo de fome, aplaude o “dublê de caçador de corruptos”.

Poderíamos passar dias elencando os prejuízos sociais, financeiros e econômicos determinados diretamente pela falta de critério e sensibilidade na atuação de Daltan e seus asseclas, aqui incluído o juiz que o orientava processualmente via Telegram.

Prejuízos que, somados, fazem os valores subtraídos por atos de corrupção parecerem brincadeira de amador, sem, com isso, afastar a absoluta necessidade de estancar, porém com ética e responsabilidade, aquelas práticas criminosas.

Não obstante, somos forçados a descortinar o maior mal, dentre todos, causados pela messiânica, moralista e covarde atuação daquele grupo.

A devastação social e econômica do país, especialmente de determinadas cidades que, após a Lava Jato, tornaram-se cenário de terra arrasada, retratos da desolação social e econômica deixados como herança de uma operação que, no plano político, era um jogo de cartas marcadas e, no plano pessoal, um projeto de poder forjado na parceria entre um caipira acusador e seu parceiro julgador que, inclusive, fundiram vergonhosamente as suas atuações.

Se realmente foram aos Estados Unidos, para além de comerem hambúrgueres fritos pelo “Mito Jr.”, provavelmente nada aprenderam sobre ética institucional, preservação corporativa e limites sociais da responsabilização.

Escrevo aqui para alertar a todos sobre as consequências da manipulação irresponsável e oportunista do processo penal e do sistema de justiça criminal, como forma de realinhamento ideológico ou político de uma nação.

A corrupção é um mal a ser combatido, sem, contudo, que se naturalize a prática de crimes praticados por membros do parquet ou julgadores, sem a dizimação econômica e social de cidades inteiras, sem que pereçam o sistema de garantias e outras disposições constitucionais, sem que o remédio contra a corrupção se revele o mais letal dos venenos contra a sociedade.


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James Walker Jr.

Advogado criminalista, professor e presidente da ANACRIM.

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