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O sigilo nas comunicações entre acusado e seu defensor


Por Danyelle da Silva Galvão


Uma das facetas da garantia à ampla defesa no processo penal é a defesa técnica, entendida como a  assistência jurídico-profissional ao acusado e considerada como direito indisponível e irrenunciável (STJ – 5a T. – HC 100810 – rel. Min. Laurita Vaz – j. 29/04/2009 – DJe 25/05/2009).

Com a presença efetiva da defesa técnica no processo, possibilita-se a paridade de armas necessária para refutar as alegações acusatórias, evitando-se o desequilíbrio processual entre as partes. Afinal, a acusação sempre será representada por quem detenha conhecimento técnico-jurídico especializado e assim, seria incoerente que o acusado não pudesse contar com as mesmas condições para refutar as acusações.

De qualquer sorte, a assistência de advogado no processo penal não pode se resumir apenas ao acompanhamento das audiências e prática dos atos processuais (apresentação de defesa escrita, recursos, etc.), sendo imprescindível um contato reservado entre defensor e acusado.

Muito de discutiu, anos atrás, sobre a (des)necessidade de presença do defensor no interrogatório, ato que inaugurava a instrução processual. Felizmente a questão foi superada com as modificações legislativas em 2008 que alteraram o momento de realização do ato, bem como previram uma entrevista prévia ao interrogatório, de caráter obrigatório, entre o defensor e o acusado. A importância da questão reside na previsão de que tal entrevista (encontro prévio entre acusado e defensor) deverá ser reservada.

O Tribunal Europeu de Direitos Humanos já decidiu que a conversa entre advogado e acusado deve ser reservada, ou seja, sem o acompanhamento de qualquer outra pessoa. No caso “Trepashkin vs. Rússia”, apesar daquela Corte não ter reconhecido a alegada violação ao art. 6, §§ 1o e 3o (b) e (c), afirmou que um dos principais elementos da efetiva assistência de advogado é a confidencialidade das conversas com o acusado[1].

Em caso mais antigo, de “S. vs. Suíça”, discutiu-se se a conversa reservada deveria ser regulada ou restrita em alguns casos. Aquela Corte entendeu que o direito de se comunicar com seu advogado sem a presença de uma terceira pessoa é um dos requisitos essenciais do devido processo legal nas sociedades democráticas. Afirmou aquele Tribunal que se o advogado não puder conferir ao seu cliente ou receber dele informações e instruções confidenciais sem que haja supervisão das autoridades, a assistência perderá muito de sua utilidade.

A análise dessas decisões demonstra que conversa reservada entre advogado e acusado pressupõe a inexistência de outra pessoa no recinto.

No entanto, as mesmas decisões tratam das conversas pessoais, quando realizadas com a presença física dos interlocutores, sem qualquer menção às comunicações eletrônicas ou telefônicas.

Nas últimas semanas, os jornais noticiaram a interceptação telefônica de um escritório de advocacia do defensor de um acusado da operação Lava-Jato. Pelos noticiários, interceptou-se um escritório com 25 advogados e cerca de 300 clientes por aproximadamente 30 dias.

A questão merece a devida atenção. Não porque houve uma ampla divulgação midiática ou porque envolve uma conhecida figura pública. Mas porque – pelo menos na minha opinião – fizemos, com a Constituição Federal em 1988, uma opção de processo penal democrático, não inquisitório, que respeita o indivíduo e suas garantias.

Optamos por destacar a importância da ampla defesa, estabelecer o advogado como profissional essencial à administração da justiça e prever a inviolabilidade das comunicações, salvo exceções previstas em lei.

Ademais, optamos por prever, no Estatuto da OAB, art. 7o, incisos II e III, a inviolabilidade do sigilo profissional do advogado, além de manter a previsão do Código de Processo Penal, art. 207, que são proibidas de depor, as pessoas que, em razão da profissão, devam guardar segredo, salvo se, desobrigadas pela parte interessada, quiserem dar o seu testemunho.

Isto sem esquecer, que somos signatários da Convenção Americana de Direitos Humanos, cujo art. 8º, 2, d, prevê o direito de comunicação livre e particular entre acusado e defensor.

Não restam dúvidas, portanto, quanto à prerrogativa de sigilo nas comunicações entre acusado e defensor. Ou seja, as conversas devem ser privadas, sem interferência ou monitoramento de terceiros.

Assim, a decretação de interceptação do advogado ou de seu escritório, diretamente e com o intuito de obter informações sobre o acusado ou as estratégias de defesa, é inadmissível no modelo de processo penal que escolhemos e em um Estado Democrático de Direito.

Com muita precisão pontuou André Karam Trindade sobre a inviolabilidade das comunicações entre advogado e acusado, em artigo que comenta o caso concreto acima indicado:

As exceções estão expressas na lei. Portanto, ou a prerrogativa existe e é respeitada, ou não. Não há semissigilo, sigilo parcial ou sigilo mitigado.

Não podemos dispensar a defesa técnica, diminuí-la ou acanhá-la. Isto não significa que as investigações devem cessar. Só não podemos, a pretexto de apurar e punir os crimes, instaurar um Estado de vigilância no qual o fim justifica os meios.


NOTAS

[1] No mesmo sentido “Grigoryevskikh vs. Rússia”. E apesar de tratar de conversa escrita, por correspondência, o mesmo foi disposto no julgamento do caso “Campbell vs. Reino Unido”, da mesma Corte.

_Colunistas-Danyelle

Danyelle da Silva Galvão

Advogada. Doutoranda em Direito Processual. Mestre em Direito Processual. Professora de Direito.

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