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O sistema garantista penal e seus axiomas, conforme Ferrajoli

O sistema garantista penal e seus axiomas, conforme Ferrajoli

Em recente entrevista ao jornal Folha de São Paulo, no último sábado (25/07), o jurista e professor italiano Luigi Ferrajoli, expoente mais famoso do denominado “Garantismo Penal”, discorreu acerca do desenvolvimento da Operação Lava Jato, levantando críticas e abordando a questão de possível suspeição do, à época, Juiz Sérgio Moro.

Sempre relevante trazermos à tona e rememorarmos as lições básicas do Garantismo Penal. A oportunidade trazida com a entrevista de Ferrajoli é a de vislumbrarmos a aplicação de seus dogmas à realidade jurídico-penal brasileiro, em uma crítica pontual, ainda que breve.

Em tempos atuais, onde nunca se esteve tão em foco o Direito Penal (ou aquilo que se faz parecer como o próprio), dogmas de Direito Penal e Processual Penal relativizam-se e fazem emergir doutrinações às avessas, tornando necessário nos apegarmos aos fundamentos básicos do sistema jurídico-penal.

Ferrajoli, em sua obra a qual o subtítulo dá azo à denominação “Garantismo Penal”, sendo denominada na versão brasileira “Direito e razão: teoria da garantismo penal”, elucida analiticamente os elementos basilares filosóficos da estrutura de seu pensamento que desmancham no conceito de “garantismo”.

A partir disto, procurar-se-á trabalhar os alicerces do sistema garantista, sendo esses seus fundamentos e, com foco especial, seus axiomas.

De maneira objetiva (e até mesmo simplista), necessário se pontuar que, na supracitada obra de Ferrajoli, o autor procura dar conceituações ao garantismo abordando o significado deste sistema através de três vertentes, quais sejam, seu significado através da construção de um modelo normativo de direito, além, sob o enfoque de uma teoria jurídica e através de uma filosofia política (FERRAJOLI, 2006, p. 785/789).

Sobre essas três designações, ainda que fora da temática nuclear deste artigo, necessitar-se-á discorrer brevemente sobre.

Referente a um modelo normativo de direito, podemos retirar a ideia da égide de um Estado de Direito, ou seja, regulado por normas que, através de um texto constitucional de estrutura rígida, perfaz o Princípio da Legalidade em um duplo aspecto, sejam estes, um aspecto formal (em um contexto de subordinação do Poder Estatal às Leis) e um aspecto material (sendo este a introdução de direitos que resguardem às liberdades e atendam às necessidades sociais).

Além deste, fundamenta-se o conceito de sistema garantista sob o enfoque de uma teoria jurídica, onde, trabalha-se um modo comparativo, de distinção e questionamento entre “validade”, “efetividade” e “existência” da norma. Isto é, basicamente, o garantismo – através de elementos puramente teóricos – resguarda a separação daquilo que é essencialmente do “ser”, em face daquilo que é imposto através do “deve ser”, tornando-se assim um parâmetro de limitação e vinculação do poder Estatal.

Por fim, em sua última designação, o garantismo remete a uma filosofia política que exige a separação de direito e moral, causando o ônus ao poder Estatal de legitimar os seus preceitos com base no que se mostra fundamental ou finalístico às expectativas sociais ou direitos fundamentais.

Passada esta abordagem primária, tratar-se-á dos axiomas do garantismo propriamente ditos, ou seja, os postulados que consubstanciam os mandatos que efetivam o sistema garantista penal (FERRAJOLI, 2006, p. 91).

a) Nulla poena sine crimine – refere-se este ao princípio da consequencialidade, ou seja, não há aplicabilidade de pena, sem a conduta criminosa a qual a esta não esteja cominada;

b) Nullum crimen sine lege – axioma relacionado ao princípio da legalidade, tanto em sua acepção ampla, quanto estrita;

c) Nulla lex (poenalis) sine necessidade – desdobramento da exclusiva proteção de bens jurídicos a qual se considera a relevância de proteção do Direito Penal. Neste, temos o princípio da necessidade, ou da “economia do Direito Penal”, se entendendo, portanto, que não há lei penal sem necessidade;

d) Nulla necessitas sine injuria – trata-se do princípio da lesividade/ofensividade. Os tipos penais devem conter a aptidão de ofensa ao bem jurídico.

e) Nulla injuria sine actione – fundamento do princípio da materialidade/exterioridade da ação. Para que haja a criminalização da conduta, deve haver uma previsão de ação ou omissão em lei.

f) Nulla actio sine culpa – materialização do princípio da culpabilidade, ou então da responsabilidade pessoal;

g) Nulla culpa sine judicio – postulado referente ao princípio da jurisdicionariedade;

h) Nullum judicium sine accusatione – refere-se este axioma ao princípio acusatório, onde preza-se pela separação entre as funções de julgar e de acusar;

i) Nulla accusatio sine probatione – princípio da verificação ou do ônus probatório. Necessidade de se provar a imputação;

j) Nulla probatio sine defensione – referente ao princípio do contraditório ou da defesa/falseabilidade.

Nota-se então que os axiomas supra relacionados são a personificação dos fundamentos do Garantismo, fazendo com que a limitação do poder Estatal tenha fundamento teórico-jurídico, apresentando consonância com a necessidade de respeito à direitos fundamentais.


REFERÊNCIAS

FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. 2. ed. São Paulo: RT, 2006.


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