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O STJ e a concessão de prisão domiciliar para presos em Minas Gerais

O STJ e a concessão de prisão domiciliar para presos em Minas Gerais

Por Karla Sampaio e Júlia Rödel de Moraes

Por ocasião do julgamento do Habeas Corpus nº 575495/MG, o Superior Tribunal de Justiça confirmou liminar concedida a dois apenados do regime semiaberto de Uberlândia/MG, estendendo os efeitos da decisão para que todos os presos em regime semiaberto e aberto do município mineiro, que estivessem em trabalho externo e saída temporária, pudessem migrar para prisão domiciliar.

O julgado diz respeito a pedido coletivo feito pela Defensoria Pública Estadual, em prol dos presos do regime semiaberto. Contextualizou-se o fato de que essas pessoas, já com trabalho lícito e progressiva convivência com familiares durante o dia (retornando à casa prisional para pernoitar) tiveram seus trabalhos e saídas temporárias suspensos pela quarentena. Ou seja, a suspensão de sua rotina de reinserção na sociedade, ocasionada pela pandemia da Covid-19 acabou ensejando o encarceramento total, como se em regime fechado estivessem, fato que também contraria a lei.

Nesse sentido, importa rememorar o que o Código Penal brasileiro prevê em relação aos regimes de cumprimento de pena, em seu artigo 33:

Art. 33 – A pena de reclusão deve ser cumprida em regime fechado, semiaberto ou aberto. A de detenção, em regime semiaberto, ou aberto, salvo necessidade de transferência a regime fechado.

§ 1º – Considera-se:

a) regime fechado a execução da pena em estabelecimento de segurança máxima ou média;

b) regime semiaberto a execução da pena em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar;

c) regime aberto a execução da pena em casa de albergado ou estabelecimento adequado.

§ 2º – As penas privativas de liberdade deverão ser executadas em forma progressiva, segundo o mérito do condenado, observados os seguintes critérios e ressalvadas as hipóteses de transferência a regime mais rigoroso:

a) o condenado a pena superior a 8 (oito) anos deverá começar a cumpri-la em regime fechado;

b) o condenado não reincidente, cuja pena seja superior a 4 (quatro) anos e não exceda a 8 (oito), poderá, desde o princípio, cumpri-la em regime semi-aberto;

c) o condenado não reincidente, cuja pena seja igual ou inferior a 4 (quatro) anos, poderá, desde o início, cumpri-la em regime aberto.

Vejamos, portanto: o apenado dos regimes aberto e semiaberto adquirem tal condição a partir da quantidade de pena cominada em sentença condenatória ou em razão da progressividade. Esta última, além de contar com o critério objetivo, que é o tempo de sanção cumprido, possui um critério subjetivo, que pressupõe o merecimento do preso, a partir da avaliação de seu comportamento.

O sistema progressivo da pena possui relevante caráter de estímulo ao detento para que se comporte “de acordo com as ordens impostas, a fim de ter a pena adequada às suas circunstâncias pessoais”. Além de auxiliá-lo a entrar em contato com a sociedade de maneira mais rápida, “colabora para que a pena cumpra sua necessária função ressocializadora” (ARAÚJO, 2017, p. 157).

No regime semiaberto há a possibilidade de trabalho ou de estudo durante o dia, dentro ou fora do estabelecimento prisional, devendo retornar à noite. No regime aberto a pena é cumprida na mesma sistemática, podendo exercer-se atividade laborativa durante o dia, retornando à noite, porém, não para um presídio, mas sim para as chamadas casas de albergado (ou compatível).

Repare-se, pois, que tais regimes intentam a reinserção do indivíduo à vida em sociedade, sem deixar de reeducá-lo em função delito cometido.

Voltemos, então, à decisão proferida pelo STJ: sendo direito adquirido pelo reeducando um regime de cumprimento de pena mais brando do que o fechado, não é crível que a sua segregação se dê mais gravosamente, sobretudo diante de uma pandemia, como a instalada em caráter mundial em razão do Coronavírus.

O retorno, ou a inserção do preso em regime fechado, notadamente quando já iniciada o que chamamos de ressocialização, significa um prejuízo não apenas para ele, mas para todos enquanto sociedade, já que poderá acabar por suspender o retorno à possibilidade de uma vida mais digna e diversa do crime.

Não há dúvidas de que a punição a pessoas que cometem atos criminosos é medida que se impõe. Contudo, não podemos deixar de lado a função da prisão quanto ao dever de recuperar e de ressocializar o sujeito.

Nesse norte, decisões como a do STJ, que conduziu os detentos de regimes aberto e semiaberto à prisão domiciliar, não têm um caráter de impunidade, como à primeira vista pode-se aparentar. A decisão confirma um direito que o preso adquiriu, seja por mérito, seja porque a pena a que foi condenado era de fato mais branda.

A determinação, aliás, está em harmonia com o Conselho Nacional de Justiça que, devido à pandemia, editou a Recomendação nº 62/2020 a fim de orientar “aos Tribunais e magistrados a adoção de medidas preventivas à propagação da infecção pelo novo Coronavírus – Covid-19 no âmbito dos sistemas de justiça penal e socioeducativo”.

Quanto à situação dos estabelecimentos prisionais, assim dispôs a Recomendação:

(…) a manutenção da saúde das pessoas privadas de liberdade é essencial à garantia da saúde coletiva e que um cenário de contaminação em grande escala nos sistemas prisional e socioeducativo produz impactos significativos para a segurança e a saúde pública de toda a população, extrapolando os limites internos dos estabelecimentos.

(…) necessidade de estabelecer procedimentos e regras para fins de prevenção à infecção e à propagação do novo coronavírus particularmente em espaços de confinamento, de modo a reduzir os riscos epidemiológicos de transmissão do vírus e preservar a saúde de agentes públicos, pessoas privadas de liberdade e visitantes, evitando-se contaminações de grande escala que possam sobrecarregar o sistema público de saúde.

Em resumo, a decisão foi lavrada dentro da legalidade, atendendo a postulados constitucionais, tais como o da dignidade da pessoa e o da individualização da pena. Acertada e louvável também a postura da Defensoria Pública mineira, que realizou o pedido coletivo. Não se trata apenas de manter os detentos no regime adequado, mas principalmente de motivar os demais à dessa maneira buscarem se comportar.

REFERÊNCIAS

ARAÚJO, Marina Pinhão Coelho. In: REALE Jr., Miguel (org.). Código Penal Comentado. São Paulo: Saraiva, 2017.


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Karla Sampaio

Advogada Criminalista e Bacharel em Administração de Empresas. Especialista em Direito Penal e Direito Penal Empresarial, com atuação no RS e nos Tribunais Superiores, em Brasília.

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