O Tribunal do Júri e o quesito genérico
Por Karla Sampaio
O Tribunal do Júri, como não canso de falar, é um rito em que sete pessoas do povo proferem juízos de valor sobre os crimes dolosos contra a vida: o homicídio, o induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio, o infanticídio e o aborto.
Seus procedimentos são especiais, e o seu predicado mais relevante é a íntima convicção com que os jurados proferem seus votos. Não há nem mesmo a necessidade de justificar os motivos de terem condenado ou absolvido o sujeito.
Após o fim dos debates em plenário, o juiz presidente questiona os jurados se estão aptos a votar. Em sendo afirmada tal condição, todos passam à sala secreta.
Ao magistrado, é bom lembrar, cabe apenas explicar toda a série de quesitos, todavia, rigorosamente sem expressar o seu próprio sentimento. Como se disse, os juízes leigos é que detêm a competência de julgamento dos delitos dolosos contra a vida – e não o juiz togado.
Neste sentir, após explanações objetivas de cada quesito pelo juiz presidente, passa-se à votação propriamente dita: ficam os jurados dispostos sem acesso à votação do colega ao lado e sem que haja qualquer manifestação das partes (acusação e defesa).
Pois bem.
Os dois primeiros quesitos dizem respeito à existência do delito e à sua autoria. Já o terceiro quesito, de cunho obrigatório, trata pura e simplesmente da absolvição do acusado. E, por ser a pergunta “o jurado absolve o réu?” de uma simplicidade angustiante, acabou escolhida como mote do artigo de hoje.
De fato, mesmo que os jurados tenham reconhecido a existência do delito e a autoria na pessoa do acusado, ao votar o terceiro quesito, podem os jurados absolvê-lo, decisão a ser soberanamente respeitada.
Daí se extrai que o quesito genérico acabou por chancelar a íntima convicção com que os jurados proferem os seus votos. Talvez daí também surja a maior inquietação, pois os jurados unanimemente podem afirmar o crime e o réu como seu autor, mas – pela mais intima convicção reconhecida constitucionalmente – o podem também absolver.
Veja-se que até mesmo por clemência pode se dar tal absolvição, colocando uma pá de cal no fato de os juízes leigos julgarem de maneira moral e não necessariamente racional. Para além disso, não há nem mesmo a necessidade de motivar os seus votos.
Neste passo, o juiz togado, ao agir dentro da lei, deve respeitar a decisão dos jurados, não podendo interpor-se contra a sua vontade, mas acatar seu veredicto: além da íntima convicção, também a soberania dos julgados impera neste ritual.