ArtigosDireito Penal Internacional

O Tribunal Penal Internacional

O Tribunal Penal Internacional

Após todas as barbaridades que ocorreram no mundo durante a história, onde milhões de pessoas foram vítimas de atrocidades que chocaram a comunidade internacional, reconhecendo que esses graves crimes constituem uma ameaça para a paz, a segurança e o bem-estar da humanidade e que tais delitos não fiquem sem castigo, a sociedade internacional decidiu por um fim à impunidade dos autores desses delitos, bem como prevenir que novas crueldades não ocorram.

Sendo assim, pelo Estatuto de Roma de 1998 foi instituído o Tribunal Penal Internacional, com sede na cidade de Haia (Holanda); uma instituição permanente, com caráter complementar às jurisdições penais nacionais e para exercer sua jurisdição sobre indivíduos com relação aos crimes mais graves de transcendência internacional.       

O Estatuto de Roma foi aprovado em 17 julho de 1998, na Conferência Diplomática de Plenipotenciários das Nações Unidas, por 120 Estados, contra apenas sete votos contrários e 21 abstenções. As 60 ratificações exigidas para a entrada em vigor do Estatuto foram atingidas no dia 11 de abril de 2002, fazendo com que o mesmo entrasse em vigor em 1 de julho de 2002, data correspondente ao primeiro dia do mês seguinte ao termo do período de 60 dias após a data do depósito do sexagésimo instrumento de ratificação, de aceitação , de aprovação ou de adesão junto do Secretário-Geral das Nações Unidas. Sendo assim, a partir daquela data a Corte Penal Internacional passou a funcionar (CHOUKR, 2000).

O Tribunal tem por objetivo abranger todo o planeta para o exercício de suas funções e poderes, vez que constitui uma corte internacional. Porém, em razão do princípio da complementaridade, não pode interferir diretamente nos sistemas judiciais nacionais, ou seja, só irá agir nos casos em que os Estados se mostrem incapazes ou não demonstrem efetiva vontade de punir seus criminosos.

Assim, só pode exercer suas funções e poderes no território de qualquer Estados-partes e, por acordo especial, no território de qualquer outro Estado, podendo ter sede em outro lugar sempre que considerar desejável, como provido no Estatuto (ESTATUTO DE ROMA, 1998).

A Corte é uma organização internacional independente e não faz parte do sistema das Nações Unidas, mas mantém uma relação de cooperação com esta Organização. Os idiomas oficiais são o árabe, o chinês, o espanhol, o francês, o inglês e o russo; e os idiomas de trabalho são o francês e o inglês; as sentenças bem como outras decisões que resolvam questões fundamentais serão publicadas nos idiomas oficiais, mas será autorizado a qualquer parte em um procedimento ou qualquer Estado autorizado a intervir em um procedimento, mediante prévia solicitação destes, a utilizar um idioma diferente do francês ou inglês, desde que considere que essa autorização seja adequadamente justificada. 

O Tribunal é composto por 18 juízes, sendo que esses têm que ter reconhecida competência em direito penal e processual penal, como também reconhecida competência em ramos pertinentes do direito internacional, tais como direito internacional humanitário e direito internacional dos direitos humanos; deverão também ter um excelente conhecimento de pelo menos um dos idiomas de trabalho do Tribunal e deverão ser fluentes nesse idioma (ESTATUTO DE ROMA, 1998). 

Os juízes serão escolhidos entre os indivíduos que gozem de alta consideração moral, imparcialidade e integridade, e que possuam as condições exigidas para o exercício das mais altas funções judiciárias em seus respectivos países. Serão eleitos para um mandato de nove anos e não poderão ser reeleitos, e também não poderá haver dois juízes que sejam nacionais do mesmo Estado e todos os juízes serão eleitos membros do tribunal em regime de dedicação exclusiva e estarão disponíveis para exercer suas funções em tal regime desde o início de seus mandatos.

As candidaturas a um assento de juiz do Tribunal poderão ser apresentadas por qualquer um dos Estados-partes, e esses, na escolha dos juízes, deverão levar em consideração a necessidade de que na composição do tribunal haja a representação dos principais sistemas jurídicos do mundo, bem como representação geográfica equitativa e também uma representação equilibrada de juízes mulheres e homens.

Os Estados-partes levarão também em consideração a necessidade de que haja no Tribunal juízes com especialização jurídica em temas específicos que incluam, mas não se limitem, a violência contra mulheres e crianças.

Esse Tribunal é composto pela Presidência e por três seções, sendo uma Seção de Apelação composta pelo presidente e quatro juízes, uma Seção de Primeira Instância e uma Seção de Questões Preliminares sendo que estas deverão ter o mínimo de seis juízes. É composto também pela Procuradoria e Secretaria (ESTATUTO DE ROMA, 1998).

A presidência estará encarregada da correta administração da Corte, à exceção da Procuradoria, mas, no desempenho de suas funções, atuará em coordenação com o procurador e procurará a sua aprovação em todos os assuntos de interesse mútuo.

A Seção de Questões Preliminares adotará as medidas necessárias para assegurar a eficiência e a integridade dos procedimentos e, em particular, o direito de defesa, sendo assim, irá formular recomendações ou expedir determinações relativas aos procedimentos a serem seguidos, bem como determinar para que sejam registrados os procedimentos, nomear perito para prestar assistência, autorizar o advogado ou representante do detento a participar e representar os seus interesses de defesa e caso não tenha sido designado advogado irá nomear um defensor para que esse direito seja assegurado.

Irá também adotar todas as medidas que sejam necessárias para coletar ou preservar provas, para proteger a intimidade das vítimas e testemunhas, bem como dos indivíduos detidos ou que tenham se apresentado em virtude de uma citação, como também, a requerimento do procurador expedirá mandados e tomará medidas necessárias à realização de uma investigação e adotará as medidas cautelares com vistas à apreensão de bens que, em particular, beneficie em última instância as vítimas (ESTATUTO DE ROMA, 1998).

A Seção de Primeira Instância velará para que o julgamento se realize com pleno respeito aos direitos do acusado e adotará medidas para a sua proteção, da vítima e testemunhas, e quando houver mais de um acusado indicará, conforme as circunstâncias se devem ser juntadas ou separadas as acusações, bem como irá requerer o comparecimento e inquirição de testemunhas e a produção de documentos e outras provas, solicitando, se necessário, a assistência dos Estados. Esta seção se certificará de que o acusado compreende a natureza das acusações e concederá a ele a oportunidade de se declarar culpado ou inocente e determinará o idioma ou idiomas que serão utilizados no julgamento.                       

A Seção de Recursos analisará os pedidos de revisão e de apelação, e se decidir que os procedimentos objeto de apelação foram injustos e que isso afetou a regularidade da sentença ou da pena, ou que a sentença ou a pena apeladas foram materialmente afetadas por erros de fato, de direito ou de vícios poderá revogar ou emendar a sentença ou a pena, ou determinar a realização de um novo julgamento em outra Câmara de Primeira Instância.

A Procuradoria funcionará de forma independente como órgão autônomo do Tribunal, e estará encarregada de receber as denúncias e informações fundamentadas sobre crimes de jurisdição da Corte, de seu exame, da condução de investigações e da proposição da ação penal.

Este órgão será chefiado pelo procurador que será auxiliado por um ou mais procuradores adjuntos todos eles terão que ser de diferentes nacionalidades e serão escolhidos através de votação secreta dos membros dos Estados-partes, para exercerem um mandato de 9 (nove) anos e não poderão ser reeleitos, os escolhidos deverão possuir extensa experiência prática de persecução e julgamento de causas penais além de conhecimento e domínio de pelo menos um dos idiomas de trabalho do Tribunal (ESTATUTO DE ROMA, 1998).

A Secretaria estará encarregada dos aspectos não judiciais da administração do tribunal e de prestar-lhe serviços, esta será chefiada pelo secretário, auxiliado por secretário adjunto e estes serão escolhidos pelos juízes em votação secreta para exercer um mandato de 5 (cinco) anos podendo ser reeleitos uma única vez (ESTATUTO DE ROMA, 1998).

O procurador e o secretário nomearão os funcionários que sejam necessários em suas respectivas repartições. No caso do procurador, isso incluirá a nomeação de investigadores.

As despesas do Tribunal serão financiadas pelas contribuições dos Estados-partes e de fundos procedentes das Nações Unidas, mas, poderá também receber e utilizar contribuições voluntárias de governos, organizações internacionais, particulares, empresas e outras entidades.

 A jurisdição do Tribunal Penal Internacional só poderá ser exercida no território e sobre cidadãos de alguns dos Estados-partes, porém, por meio de acordo especial, poderá ser exercida em território de qualquer outro Estado (ESTATUTO DE ROMA, 1998).

A jurisdição do Tribunal se limitará aos crimes mais graves que preocupam a comunidade internacional, os chamados crimes de lesa-humanidade, quais sejam: Crime de Genocídio, Crimes Contra a Humanidade, Crimes de Guerra e Crime de Agressão, porém, estes só serão julgados se ocorreram após a entrada em vigor do Estatuto de Roma, ou seja, 01 de julho de 2002.

Os casos poderão ser levados ao Tribunal por um Estado, pelo Procurador-Geral ou pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas, este último remeterá à Procuradoria uma situação que aparente o cometimento de um dos delitos elencados acima, e a Corte por sua vez tentará acordo de cooperação com o Estado envolvido, e caso este não seja signatário do Estatuto, e se não obtiver êxito quanto à cooperação, o Tribunal remeterá a situação para as Nações Unidas que tomará as devidas providências, podendo até em casos extremos utilizar forças de paz ou constituir um tribunal ad hoc, portanto, um nacional de um Estado que não faça parte do Tribunal Penal Internacional, poderá ser acusado e submetido à jurisdição da Corte, desde que haja cooperação do Estado.

As penas para cada um desses crimes serão a de reclusão por um período que não exceda 30 anos (esta poderá ser revista após o cumprimento de dois terços); ou pena de prisão perpétua, quando justificada pela extrema gravidade do crime e pelas circunstâncias pessoais do condenado (esta poderá ser revista após o cumprimento de 25 anos).

Além das penas de reclusão a Corte poderá impor uma multa, ou sequestro do produto, bens ou dos haveres procedentes direta ou indiretamente de tal crime, sem prejuízos de terceiros de boa-fé. Os valores obtidos com a pena de multa e com o confisco deverão ser depositados em favor de um fundo em benefício das vítimas e de seus familiares (ESTATUTO DE ROMA, 1998).

Quanto à imposição de pena de multa, foi adotado o sistema do dia-multa, o qual não poderá corresponder a menos de trinta dias nem a mais que cinco anos. Além disso, a pena aplicada não deve atingir recursos indispensáveis ao sustento do condenado e de seus familiares. Para o caso de inadimplemento injustificado da pena pecuniária, deve inicialmente ser cobrada pelo Tribunal, ainda assim, não sendo paga será convertida em pena privativa de liberdade que não excederá um quarto da pena aplicada ou um máximo de cinco anos o que for menor (JAPIASSU, 2004).

O Tribunal terá jurisdição também para tratar de alguns delitos contra a administração da justiça, quando cometidos intencionalmente, quais sejam: prestar falso testemunho; apresentar provas falsas; corromper uma testemunha, bem como obstruir seu comparecimento ou testemunho ou adotar represálias; corromper ou intimidar algum funcionário da Corte; solicitar ou aceitar suborno na qualidade de funcionário do Tribunal ou em conexão com suas funções oficiais. As penas para esses delitos será a de reclusão não superior a cinco anos ou multa.

Em caso de condutas inadequadas em juízo, tais como perturbação da ordem ou recusa deliberada a cumprir as determinações do Tribunal, este poderá impor sanções administrativas, que não impliquem privação da liberdade, como expulsão temporária ou permanente da sala ou multa (ESTATUTO DE ROMA, 1998).

Quanto à admissibilidade, o Tribunal a fim de determinar a incapacidade para investigar ou processar um caso determinado, examinará se o Estado não pode, devido ao colapso total ou substancial de seu sistema judiciário nacional ou ao fato de que o mesmo não estar disponível, fazer comparecer o acusado, reunir elementos de prova e os testemunhos necessários ou não está por outras razões, em condições de levar a cabo o processo.

Quanto ao direito aplicável, o Tribunal aplicará em primeiro lugar, o Estatuto, e em segundo lugar, quando couber, os tratados aplicáveis e os princípios e normas de direito internacional, inclusive àqueles que regulamentam os conflitos armados. Se necessário aplicará os princípios extraídos do direito interno dos sistemas jurídicos do mundo, inclusive, quando couber, o direito interno dos Estados que normalmente teriam jurisdição sobre o crime, desde que tais princípios não sejam incompatíveis com o Estatuto e com o direito internacional (ESTATUTO DE ROMA, 1998).

Atualmente, o Estatuto de Roma conta com 123 Estados-partes, sendo que o último país a aderi-lo foi a Malásia que passou a compô-lo em 01 de junho de 2019.

Desde a sua criação, o TPI analisa 21 situações, sendo 11 investigações (Uganda, República Democrática do Congo,  Darfur/Sudão, República Centro-Africana, Quênia, Líbia Côte d’Ivoire, Mali,  República Centro-Africana II, Geórgia e Burundi) e 10 exames preliminares (Afeganistão, Colômbia, Guiné-Conacri, Iraque/Reino Unido, Nigéria, Palestina, Filipinas, Bangladesh/Myanmar, Ucrânia e Venezuela).  

Importante frisar que uma brasileira compôs o corpo de magistratura do Tribunal Penal Internacional, sendo ela Sylvia Helena de Figueiredo Steiner (Ex-Desembargadora do Tribunal Regional Federal da 3ª Região), a qual foi escolhida para o cargo de juíza em 2003, cumprindo seu mandato até 2012. Hoje em dia, ela é membro do Comitê Consultivo para nomeações do TPI.

A criação desta Corte é de suma importância para a defesa da humanidade, porém, depende da cooperação dos Estados para que possa funcionar efetivamente, e mais uma vez a atitude das grandes potências mundiais foi lamentável. 

Estados Unidos, Israel, Rússia e China, grandes potências militares, não aderiram ao Estatuto de Roma, contudo, ao longo da história participaram de vários conflitos e apesar de se dizerem defensoras dos direitos humanos, não fazem parte do Tribunal, lembrando que por muitas vezes esses mesmos países foram e continuam sendo grandes violadores desses direitos.


REFERÊNCIAS

CHOUKR, Fauzi Hassan et al. Tribunal Penal Internacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.

JAPIASSÚ, Carlos Eduardo Adriano. O Tribunal Penal Internacional: a internacionalização do direito penal. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2004.


Quer estar por dentro de todos os conteúdos do Canal Ciências Criminais?

Siga-nos no Facebook e no Instagram.

Disponibilizamos conteúdos diários para atualizar estudantes, juristas e atores judiciários.

Marco Antonio Pedroso Cravo

Advogado. Especialista em Direito e Processo Penal

Artigos relacionados

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Botão Voltar ao topo