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Olimpíadas Rio 2016 e a Segurança Pública (II)


Por Daniel Kessler de Oliveira e Luciano Iob


Como havíamos antecipado neste espaço, na coluna da semana passada, o Brasil entrou de vez (infelizmente) na rota dos terroristas (???) do Estado Islâmico.  No entanto, para a surpresa de muitos, segundo a Polícia Federal, os supostos terroristas são brasileiros.

Segundo reportagens, a Polícia Federal vinha monitorando pela internet um grupo de brasileiros que se diziam e se mostravam “simpatizantes” do grupo terrorista Estado Islâmico. Os investigadores descobriram um juramento virtual ao grupo terrorista Estado Islâmico, como explicou o ministro da Justiça Alexandre de Moraes:

“Vários deles realizaram pela internet um batismo no Estado Islâmico. Já houve esse primeiro contato mais próximo com o Estado Islâmico. Importante salientar: até o momento todas as informações, tudo o que foi investigado foi o único contato que alguns deles tiveram com o Estado Islâmico, o batismo. A partir disso não houve mais contato nem para planejamento nem para financiamento, esse foi o único, é um contato via internet, o batismo. Eles nem saíram do país para nenhum contato pessoal”.

No entanto, segundo a Polícia Federal, depois do batismo virtual, os brasileiros passaram a trocar mensagens na internet e em aplicativos para combinar treinamentos em artes marciais e comemorar atos terroristas na França. Planejaram, ainda, a compra de um fuzil AK-47 em um site clandestino no Paraguai. Investigadores rastrearam os e-mails da tentativa de compra da arma e de munição. E foi aí que a investigação concluiu:

“o grupo passou da apologia ao Estado Islâmico a ‘atos preparatórios de terrorismo’.

E, em decorrência destes “atos preparatórios de terrorismo”, 10 pessoas foram presas no dia 21 deste mês, outro no dia 22 e o último foi preso domingo, dia 24. Todos tiveram decretado contra si, prisão temporária, cujo prazo é de 30 (tinta) dias, prorrogáveis por mais trinta, com base na recente Lei Antiterrorismo (Lei 13.260/2016).

Em entrevista coletiva, o juiz Marcos Josegrei da Silva, titular da 14ª Vara Federal de Curitiba, responsável pelo caso, assim justificou a expedição dos mandados de prisão temporária:

“Nós temos um grupo de pessoas que exaltam terroristas. Tenho informação de pessoas que têm esse tipo de comportamento e agem em comunidade. Quando tenho esses elementos, é justificada a prisão temporária”.

“O que está se afirmando é que, diante desses elementos que surgiram, a melhor medida para terminar a investigação foi essa. Agora, dizer que é um grupo que faria um atentado terrorista, com dados concretos, eu não posso dizer. A autoridade policial, com o que conseguir obter nas medidas de busca e apreensão, é que vai dizer”.

Conforme mencionado, a prisão dos brasileiros foi decretada com base na Lei 13.260/2016 e, os crimes de que são acusados os doze brasileiros, estão previstos nos artigos 3º (promover, constituir, integrar ou prestar auxílio, pessoalmente ou por interposta pessoa, a organização terrorista) e 5º (realizar atos preparatórios de terrorismo com o propósito inequívoco de consumar tal delito).

O que chama atenção e, consequentemente, será o objeto da nossa coluna de hoje, são as razões dos pedidos dos mandados de prisão deferidos pela Justiça.

Afinal de contas, o que exatamente eles fizeram? Quais foram os crimes que cometeram? Quais os fundamentos do decreto de prisão?

Como se sabe, a nossa lei penal, antes do advento da Lei Antiterrorismo e com raríssimas exceções (ex: petrechos para falsificação de moeda, art. 291, do CP), não punia atos preparatórios, apenas os atos executórios (início da execução). Conforme ensinam Eugenio Raúl ZAFFARONI e José Henrique PIERANGELI (2006, p. 598).

“Tenhamos em consideração que o delito se inicia, cronologicamente, com uma ideia na mente do autor, por meio de um processo que abrange a concepção (ideia criminosa), a decisão, a preparação, a execução, a consumação e o exaurimento chegando a afetar o bem jurídico tutelado na forma descrita pelo tipo. Este processo ou caminho, que vai desde a concepção até o exaurimento do delito, chama-se iter criminis. Nem todo iter criminis pode ser punido, porque se assim fosse a segurança jurídica estaria comprometida, já que estaríamos punindo a ideia, o próprio pensamento, isto é, etapas que são puramente internas do autor, o que violaria o princípio jurídico elementar de que o pensamento não pode suportar pena alguma (cogitationis poenam nemo patitur)”.

E é por isso que a lei prevê punição para a tentativa, quando os atos praticados impliquem num começo de execução do delito (atos executórios).

O grande problema é determinar-se a diferença entre atos executivos, ou de tentativa, e os atos preparatórios que, como já sinalizado, somente são puníveis excepcionalmente, ou seja, quando existir previsão legal para a punição desta conduta, como um delito autônomo.

Diversos são os critérios e distinções existentes na doutrina. Os critérios mais aceitos, no magistério de Cezar Roberto BITENCOURT (2014, p. 532) são aqueles que partem do fundamento objetivo-material da punibilidade da tentativa, como conduta capaz de provocar a afetação de um bem jurídico protegido pelo Direito Penal. Estabelecido esse ponto de partida, o critério válido de delimitação entre atos preparatórios e atos executórios será aquele que permita identificar a tentativa como início da execução da conduta típica.

Conforme a redação do próprio Art. 14, II do Código Penal, que dispõe que o crime será tentado quando iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente.

Conforme mencionado, os brasileiros foram presos, principalmente, com base no artigo 5º (Realizar atos preparatórios de terrorismo com o propósito inequívoco de consumar tal delito).

No entanto, para realizar atos preparatórios de terrorismo, é fundamental definir o que é terrorismo. E o artigo 2º da Lei assim o define:

“O terrorismo consiste na prática por um ou mais indivíduos dos atos previstos neste artigo, por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública”.

Entretanto, não podemos em nome do combate ao terrorismo (que é uma necessidade premente em todo o mundo), vilipendiar uma estrutura legislativa, tampouco dispositivos constitucionais, que asseguram direitos a todos.

A instauração de um Direito Penal e de um Processo Penal do Inimigo traz consequências muito drásticas diante dos proveitos que promete.

Por mais grave que seja o crime imputado a alguém, não se pode desprezar critérios mínimos de legalidade e observância aos princípios constitucionais que regem a matéria, sob pena de se criar um Estado de Exceção, que inobserva limites para o exercício de seu poder.

Resta agora esperar o término das investigações, indiciamentos, denúncia e sentença (se chegar até este ponto), para verificarmos se efetivamente esses brasileiros estavam realizando atos preparatórios com o intuito de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública.

No entanto, ainda que a investigação conclua que eles estavam praticando atos preparatórios de terrorismo, seria constitucional a prisão temporária, também conhecida como prisão para averiguações? Prender indivíduos presumidamente inocentes para só então investigar constitui-se afronta ao Estado Democrático de Direito? Impedir acusados presos de contatarem seus advogados se justifica pela gravidade do crime imputado?

Com a palavra o Supremo Tribunal Federal.


REFERÊNCIAS

ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro, volume 1: parte geral. 6ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral 1. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

_Colunistas-DanielKessler

 

Luciano Iob – Pós Graduado em Direito Penal e Processo Penal – UNIRITTER, Pós-Graduando em Direito Penal Empresarial – PUCRS. Advogado Criminalista.

Daniel Kessler de Oliveira

Mestre em Ciências Criminais. Advogado.

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