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As organizações empresariais e a prevenção da lavagem de capitais

As organizações empresariais e a prevenção da lavagem de capitais

O sistema de repressão à lavagem de capitais, denominado de sistema comunitário de prevenção à lavagem de dinheiro, é o conjunto de normas jurídicas elaboradas a partir de convenções internacionais incorporadas pela legislação nacional, que foram impulsionadas pela necessidade de construir um sistema de controle e prevenção à reciclagem, criando assim, deveres de vigilância das atividades financeiras. (BRANDÃO, 2002).

O atual contexto histórico vivenciado no cenário internacional com a globalização econômica e a integração supranacional (SÁNCHEZ, 2002), aliado ao alto desenvolvimento tecnológico, o progresso da informática e o avanço da comunicação global promoveram a internacionalização da economia trazendo não apenas vantagens, mas também, infelizmente, o aperfeiçoamento da lavagem de dinheiro (SOUTO, 2002), com o desenvolvimento, em alta velocidade, da prática delitiva.

O desenvolvimento socioeconômico e o estreitamento das relações financeiras entre países facilitaram o crescimento da utilização da lavagem de capitais para ocultar e dissimular a origem ilícita de bens e valores, ocasionando sérios danos à ordem legal e econômica com a inserção de ativos ilícitos na economia formal, (BASCO, 1999), provocando um movimento internacional de criminalização de condutas relacionadas a esse tipo de delito.

Nesse contexto, surgiu a necessidade de desenvolver um sistema de prevenção à reciclagem de capitais onde foram agregados diversos setores profissionais para auxiliar no rastreamento da origem do capital ilícito inserido na economia formal, inaugurando um novo cenário para as organizações empresariais, em que se impõe uma postura ética e transparente na realização de transações financeiras, bem como, a necessária colaboração para com a circulação de ativos lícitos na economia.

A lavagem de dinheiro caracterizada pela operação através da qual o dinheiro de origem ilícita é investido, ocultado, substituído ou transformado e restituído aos circuitos econômico-financiro legais, incorporando-se a qualquer tipo de negócio como se fosse obtido de forma lícita, portanto, a prevenção a esse tipo de delito, necessita do rastreamento dos passos percorrido pelo capital ilícito ate sua introdução da economia (INIESTA, 1996).

Diante desse contexto, a legislação brasileira, Lei 9.613/98 ampliada posteriormente pela Lei 12.683/12, absorvendo o movimento internacional de combate à lavagem, desenvolveu um sistema preventivo em que gerou uma série de obrigações e deveres, como a identificação de seus clientes e a informação de toda operação financeira suspeita e atípica por eles realizadas.

Essas obrigações foram destinadas a agentes externos ao sistema de investigação, o que Cordeiro (2002) entende por outros setores para o aprimoramento da regulação, trazendo para persecução criminal a atuação de agentes financeiros, organizações contábeis, imobiliárias, empresas de arrendamento mercantil e as de fomento comercial, consultores, especialmente ao setor empresarial interligado com o sistema financeiro e econômico de modo geral, ficando responsáveis por todo o sistema de informações econômico-financeiro e patrimonial de uma série de entidades, os colocando no centro das atenções no combate à lavagem de capitais.

Em função disso, como afirma Brandão (2002), às convenções foram responsáveis por darem corpo às preocupações internacionais face à lavagem de capitais e à criminalidade organizada e construíram marcos essencial no combate a esses fenômenos.

A lavagem de capitais surge com uma prática cada vez mais universalizada, verdadeiro delito transnacional, fruto da sociedade pós-industrializada (de alto risco) (SANCHEZ, 1999), em franco processo de unificação das relações socioeconômicas.

A lavagem de capitais, como afirmado linhas acima, se concretiza através de meios dissimulatórios, como bem define Villarejo (1999, p. 05) é “o processo ou conjunto de operações mediante o qual os bens ou dinheiro resultantes de atividades delitivas, ocultando tal procedência, se integram no sistema econômico ou financeiro.”

Nesse contexto, as organizações empresariais se inserem, tendo em vista a natureza de seu exercício profissional – conhecimento sobre assuntos econômicos, financeiros, tributários, organizacionais e comportamentais – se colocando na linha de frente do controle e repressão ao crime de lavagem.

A repressão ao crime de lavagem de capitais surge da ideia de que o crime poderia ser combatido desde que se seguisse a origem do dinheiro, o chamado “follow the Money”, auxiliando no combate a situações da alcunhada criminalidade do colarinho branco (SILVEIRA; ORTIZ, 2015).

Portanto, no combate ao crime de lavagem, os mecanismos de controle em que alguns sujeitos, e especialmente, as organizações empresariais, devem realizar cadastro completo de seus clientes e de suas operações financeiras, promovendo avaliação dessas operações para que possa prestar as devidas informações, instituindo assim, uma rede de colaboração na vigilância das atividades financeiras.

Desse modo, a legislação brasileira de combate à lavagem de capitais inaugura um sistema embrionário de compliance[1] no cenário nacional, tendo em vista que as obrigações correlatas (controle de atividades financeiras) impõe um dever de conformidade e vigilância de ações a evitar a prática de crime de lavagem.

Ao especificar que determinadas pessoas (físicas e jurídicas) se mostrem obrigadas a identificar seus clientes e a manter registros dos mesmos, e por outro lado, comunicar certas operações financeiras, tudo com o objetivo de evitar o crime, o que denota uma noção de criminal compliance (SILVEIRA; DINZ, 2015).

Nesse diapasão, as obrigações e deveres de identificação e comunicação de operações financeiras suspeitas foram normatizados na legislação brasileira (Lei 9613/98), estabelecendo sanções administrativas aos agentes auxiliares para os casos de descumprimento, mas que possui evidente viés penal, ou seja, dentro de uma lei penal, há aplicação de sanções administrativas que podem ser aplicadas tanto a pessoas físicas quanto a pessoas jurídicas, complementados pela lei anticorrupção, criando inclusive uma espécie de responsabilidade objetiva para a pessoa jurídica pela existência de programas efetivos de boa governança.

Analisando as normas de combate à ocultação de ativos ilícitos, percebe-se um forte movimento no sentido de criminalizar condutas cotidianas, mas que, por serem fundamentais no auxílio à fiscalização da criminalidade, recaíram sobre o dever de auxiliar na prevenção delitiva.

O sistema de prevenção à lavagem de capitais, pretendido pelas regras do art. 9 a 11 da lei 9.613/98 ampliados pela Lei 12.683/12, através do método de incorporação de agentes ligados direta ou indiretamente ao setor financeiro ou ao mercado econômico de um modo geral, demanda das organizações empresariais a estruturação de programas internos de conformidade, com a efetiva criação de estruturas internas de criminal compliance, para efetivo controle de suas operações financeiras, auxiliando assim, na prevenção e combate a inserção de ativos ilícitos na econômica formal, bem como, afastar a incidência de responsabilidade administrativa pela inobservância dos deveres, e ate mesmo, eventual responsabilidade penal de seus administradores.


REFERÊNCIAS

BASCO; JuanMaria Terradillos. El Derecho Penal de la globalización: luces y sonbras. Estudios de Derecho Judicial. Vol. 16, p.186. Madrid: CGPJ, 1999.

BRANDÃO, Nuno. Branqueamento de Capitais: O sistema comunitário de prevenção. Coimbra, 2002.

CORDEIRO, Isidoro Blanco. Eficácia del sistema de prevención del blanqueo de capitales. Estúdios del cumplimiento normativo (compliance) desde una perspectiva criminológica. n. 23. Eguzkilore, 2002.

INIESTA.   Diego J, Gomes. El delito de blanqueo de capitales em derecho españhol. Barcelona: Cedecs, 1996.

SÁNCHEZ, Jesús-Maria Silva. A expansão do direito penal: aspectos da política criminal nas sociedades pós-industriais. São Paulo: RT, 2002. 

_____. La expansión del derecho penal: aspectos de lapolitica criminal em lãs sociedades postindustriales. Madrid: Civitas, 1999.

SILVEIRA, Renato de Mello Jorge; ORTIZ, Mariana Trachesi. A particular imputação penal do agente financeiro nos crimes de lavagem de dinheiro. Direito penal e processual penal: leis penais especiais. São Paulo: RT, 2015.

 _____. DINIZ, Eduardo Saad . Compliance, direito penal e lei anticorrupção. São Paulo:Saraiva, 2015.

SOUTO; Abel M. El Blanqueo de dinero en la normativa internacional. Compostela: Universidad de Santiago de Compostela, 2002.

VILLAREJO; Julio Nieves Díaz Maroto Y. El blanqueo de capitales em El derecho espanõl. Dykinson, 1999.


NOTAS

[1] Compliance origina-se do termo inglês comply que significa o ato ou procedimento para assegurar o cumprimento das normas reguladoras de determinado setor. É um conceito que provem da economia e que foi introduzido no direito empresarial, significando a posição, observância e cumprimento das normas. (Tradução nossa).

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