Os crimes econômicos estão mais próximos do que você imagina!
Por Cezar de Lima
Fronteira entre o Brasil e o Uruguai. Dois policiais rodoviários federais, durante atividade de fiscalização em zona secundária, abordaram uma caminhonete que trafegava no sentido Uruguai-Brasil. Durante a averiguação, os policias constataram que os quatro passageiros usavam cinto de segurança, a documentação do automóvel estava atualizada, e o veículo estava equipado com o famoso extintor “A, B, C”. No entanto, quando o motorista achava que iria ser liberado eis que vem aquela pergunta: “Podemos olhar o bagageiro?” Ao verificarem, encontraram: dois aparelhos de ar-condicionado split, quatro perfumes D&G, duas bolsas Louis Vuitton, dentre outros produtos que, no somatório, foram avaliados pela Receita Federal em R$ 44.038,59, gerando um crédito tributário evadido de R$ 20.880,19. Pronto! Isso é o bastante para configurar o crime de descaminho.
O exemplo acima não passa de uma história ilustrada, mas comumente encontramos amigos ou parentes que nos relatam situações parecidas como: “ Fui a uma cidade de fronteira e lá comprei dois Iphones 6 para minhas as filhas e um Xbox para o meu menino” ou “estive ontem na fronteira com a Argentina com o fim de trazer as bebidas para minha festa de formatura”. O problema é que grande parte dessas pessoas acaba não recolhendo o imposto devido.
Esta rápida introdução serve para demonstrar como o Direito Penal Econômico está presente nas nossas práticas do cotidiano, seja fazendo uma simples viagem para alguma cidade de fronteira, seja lendo uma notícia sobre uma organização criminosa especializada em Lavagem de Dinheiro, o fato é que em qualquer uma dessas situações nós estaremos analisando, opinando e, em muitos casos, divergindo sobre o que se entende por Crimes Econômicos.
Deste modo, baseando-se na proximidade entre o direito penal e o direito econômico, escolhi os delitos econômicos para pautar as minhas colunas semanais neste Canal.
Quando falo em Direito Penal Econômico estou me referindo ao conjunto de crimes previstos na sua grande maioria em leis especiais e com uma pequena parte disciplinada no Código Penal. Para tanto, farei menção a todos os tipos penais inseridos nessa modalidade:
Código Penal Brasileiro: nos artigos 359-A a 359-H, trata dos crimes contra as finanças públicas, nos artigos 168-A e 337-A, trata dos crimes contra o sistema previdenciário e o artigo 334, trata do delito de descaminho;
Lei nº 7492/86: Trata dos crimes contra o sistema financeiro nacional;
Lei nº 8078/90: Trata dos crimes contra as relações de consumo;
Lei nº 8137/90: Delitos contra a ordem tributária (arts. 1º a 3º), Delitos contra a ordem econômica (arts. 4º a 6º) e Delitos contra as relações de consumo (art. 7º);
Lei nº 8176/91: Trata de delitos contra a ordem econômica;
Lei nº 9613/98: Lavagem de Dinheiro.
A lista é extensa, mas de plano é possível destacar que sob a ótica do Direito Penal Econômico se encontram os crimes decorrentes das relações de consumo. Ou seja, aquela situação “incomum” do nosso cotidiano, em que a Dona Maria vai até o supermercado para comprar os produtos do almoço de domingo em família e ao chegar à sua casa verifica que o pedaço de carne comprado está impróprio para o consumo, com o prazo de validade expirado. Tal situação pode configurar, conforme já determinou o TJRS[1], o delito de vender ou expor à venda mercadoria imprópria ao consumo (art. 7º, inciso IX, da Lei nº 8.137/90), cuja pena prevista para tal conduta é de 2 a 5 anos de detenção.
Pois bem, os exemplos aqui trazidos ilustram claramente a proximidade das pessoas com o Direito Penal Econômico e são suficientes para mostrar como é possível encontrar delitos que violem a ordem econômica sem que o autor da prática criminosa esteja em uma condição econômica privilegiada.[2]
Afirma-se, então, que o Direito Penal Econômico visa à proteção da atividade econômica presente e desenvolvida na economia de livre mercado, uma vez que a prática de uma determinada conduta tipificada no Direito Penal Econômico causa uma ruptura no equilíbrio que deve existir para o desenvolvimento normal das etapas do fenômeno econômico. E aqui se destaca o bem jurídico protegido, qual seja: a ordem econômica.
Nesse sentido, os delitos econômicos abrem espaço para um estudo interdisciplinar, obrigando que o operador do Direito analise a ordem econômica sob as concepções econômicas, indo além da interpretação constitucional que o legislador atribuiu na Constituição de 1988.
Outrossim, saliento que os Crimes Econômicos não são delitos exclusivamente praticados por empresários ou por pessoas com condição financeira diferenciada, essa prática criminosa está inserida em nosso cotidiano, não apenas nas páginas dos jornais, mas em todos os negócios jurídicos que interfiram no pleno desenvolvimento econômico.
Por fim, como foi destacado no começo do texto, não são poucos os crimes que estão introduzidos na temática do Direito Penal Econômico. Para tanto, buscarei analisar as críticas de determinados delitos, sempre trazendo as posições dominantes dos Tribunais Superiores para que o leitor possa fazer a sua própria crítica sob os pontos que serão trabalhados.
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[1] Apelação Crime Nº 70012985263, Quarta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Eugênio Tedesco, Julgado em 24/11/2005.
[2] CORREIA, Eduardo. “Notas Critíticas à Penalização de Actividades Económicas”. In Direito Penal Económico. Coimbra: Centros de Estudos Judiciários, 1985, p. 9-23 apud SCHMIDT, Andrei Zenkner. Direito Penal Econômico – Parte Geral. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2015. p. 73.