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Os limites cognitivos na dosimetria da pena

Os limites cognitivos na dosimetria da pena

Muito se fala na necessidade de o jurista ser dotado de conhecimentos diversos, que transcendam o saber jurídico. Entretanto, ao mesmo tempo em que devemos ampliar nossos horizontes com os ensinamentos das outras áreas do pensamento, devemos reconhecer as limitações humanas.

O legislador, ao adotar o método trifásico de dosimetria da pena, com especial ênfase nos elementos que integram a primeira fase, obrigou os magistrados a utilizarem como requisito a própria onisciência, a fim de valorar os oito vetores elencados na lei.

Um dos pontos que mais suscita discussões envolve a dosimetria da pena nos casos em que o Réu ostenta maus antecedentes ou mesmo eventuais condenações criminais já transitadas em julgado. Tendo em vista que a reincidência é modalidade que agrava a pena, atuando em segundo momento, os juízes, verificando a existência de múltiplas condenações criminais já transitadas em julgado, arrastam valendo-se das demais condenações, que não aquela já aplicada em reconhecimento da agravante, para a primeira fase da dosimetria, valorando negativamente a personalidade ou a conduta social do agente.

Os limites cognitivos

Ocorre que, notadamente, vislumbramos a onisciência invocada pelo Juízo, pois temos que recordar que o juízo penal faz análise retrospectiva dos fatos, construindo um apanhado de realidade com base no que lhe foi apresentado.

Dessa forma, tanto a análise da personalidade do agente, ou mesmo a sua própria conduta social, apenas poderiam ser objeto de interpretação por especialistas, no caso, psicólogos, ou mesmo, necessitariam de uma abordagem aprofundada, de forma que seja realizada verdadeira pesquisa acerca da “conduta social” do réu, visto que as interações sociais no mundo moderno alcançam aspectos múltiplos, seja a vida familiar, o próprio histórico do agente (escolaridade, grau de renda, participação em atividades comunitárias, empregos etc.), de modo que o simples cumprimento do art. 187, §1º, do Código de Processo Penal, não é elemento suficiente para eventual valoração negativa do vetor conduta social em face do agente.

A crítica se opera no sentido de reconhecer que não ocorre uma efetiva individualização da pena (preceito constitucional) do agente, devendo-se observar que, levando em conta a necessidade de fundamentação das decisões judiciais (outro preceito constitucional) impõe-se ao magistrado um conhecimento que, em regra, não restou apresentado nos autos, exigindo uma análise que transcende suas competências. Esse deve identificar a sua limitação cognitiva frente ao aspecto analisado.

Em oposição à aplicação desfavorável em face do Réu dos conceitos abertos elencados pelo Código Penal, o doutrinador Nucci aponta a  existência da política de pena mínima, apresentando pesquisa realizada na Vara de Execuções Criminais de São Paulo/SP, na qual se verificou a supressão ou desconsideração das circunstâncias do artigo 59 do Código Penal, com o escopo de estabelecer a pena-base em seu mínimo legal, de forma a evitar um aprofundamento decisório sobre estas.

Nesse mesmo sentido, após combativa insistência da advocacia, no julgamento de Embargos de Divergência em Agravo de Recurso Especial, o Superior Tribunal de Justiça reconheceu que

Eventuais condenações criminais do réu transitadas em julgado e não utilizadas para caracterizar a reincidência somente podem ser valoradas, na primeira fase da dosimetria, a título de antecedentes criminais, não se admitindo sua utilização também para desvalorar a personalidade ou a conduta social do agente.

Trata-se de decisão que, primeiro, guarda consonância com o dever de fundamentação das decisões judiciais, pois delimita o amplo conceito que envolve “conduta social”, bem como assenta parâmetros importantes na análise objetiva dos vetores que têm impacto direto nas reprimendas impostas aos réus. Novamente, cabe salientar, a dialeticidade do processo nos obriga a trabalhar arduamente na manutenção do processo penal acusatório, sempre pautado nos ditames constitucionais, a fim de que o solipsismo não seja abraçado por aqueles que detêm o poder de decisão.


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