Os ratos
Clássico brasileiro, Os ratos, romance de Dyonelio Machado, foi lançado em 1935 e ganhou o prêmio Machado de Assis. O escritor soube da premiação quando estava preso, por ser parte do Partido Comunista Brasileiro, durante o Estado Novo de Getúlio Vargas.
A estória toda se passa em 24 horas. Nesse curto espaço de tempo, o protagonista Naziazeno Barbosa, funcionário da prefeitura, tem de arranjar cinquenta e três mil réis para pagar uma dívida com o leiteiro. O leiteiro, irritado com a dívida, dá-lhe um ultimato:
Naziazeno mal percebe o que lhe diz o motorneiro. Há um estribilho dentro do seu crânio: ‘Lhe dou mais um dia! Tenho certeza’… Quase rimado: ‘Lhe dou mais um dia! (MACHADO, 1935, pgs. 18-19).
Naziazeno é um modesto funcionário público. Mora em uma casa simples. Sua esposa não trabalha fora de casa, a norma social nos tempos do romance, e é com seu salário que as contas tem de ser pagas. Vive recorrendo a empréstimos, mas tal expediente o faz sempre se sentir humilhado.
Com a dívida na cabeça, pega o bonde rumo à cidade, onde fica sua repartição na prefeitura. Pensa em pedir a quantia ao seu chefe, que já o socorreu em outra ocasião. No entanto, é humilhado pelo mesmo:
– O senhor pensa que eu tenho alguma fábrica de dinheiro? (O diretor diz essas coisas a ele, mas olha para todos, como que a dar uma explicação a todos. Todas as caras sorriem.) Quando o seu filho esteve doente, eu o ajudei como pude. Não me peça mais nada. Não me encarregue de pagar as suas contas: já tenho as minhas, e é o que me basta… (Risos).” (Idem, pg. 38).
Sem saída, Naziazeno vai aos cafés do centro da cidade, procurar por Alcides e Duque, dois amigos envolvidos com agiotas, que sempre o salvam em apertos como esse:
Está certo de que Alcides não se surpreenderá quando souber de tudo, nem mesmo daquela palavra de pedra. O Alcides, o Duque e outros e outros estão sempre de prevenção, sempre em guarda, sempre antecipando.” (Idem, pg. 41).
Alcides tenta uma solução: pede que Naziazeno cobre uma dívida de um certo Andrade, que deveria a Alcides cem mil réis. Desse dinheiro a ser recebido, Alcides lhe emprestaria a quantia necessitada. Naziazeno vai cobrar a suposta dívida e é humilhado uma vez mais:
Andrade tem um outro pequeno sorriso:
– Dívida com o Kônrad!… – E com a cara fechada outra vez: – Não é vergonha ter as suas dívidas (Naziazeno meio tem um sobressalto!…) eu tenho muitas e até me orgulho com isso: é um sinal de crédito. Mas não: o que prometi ao seu amigo já lhe entreguei.” (Idem, pg. 48).
Sem almoçar, andando a esmo no calor do centro da cidade, Naziazeno encontra um conhecido, o Costa Miranda. Cansado, com fome, deixa a vergonha de lado e lhe pede dinheiro emprestado:
– Você não terá aí uns dez mil réis que me ceda até amanhã? Ainda não almocei. (Esta última frase fica-lhe retumbando no ouvido. Ele sente um calor em toda a cara).
O outro nada lhe responde. Tem a fisionomia fechada e contempla-o fixamente:
– Você diga ao Alcides que vá pagar aquela letra do agiota de que sou avalista – observa-lhe, passado um momento. – Não quero o meu nome na boca desses sujeitos. (Idem, pg. 56).
De posse do dinheiro, Naziazeno deixa a fome de lado e tem uma ideia: apostar na roleta. Se ganhasse, resolveria seus problemas. Vai a uma roleta escondida nos fundos de uma tabacaria, onde já foi outras vezes, e tenta a sua sorte. Passa a tarde toda jogando e perde todo o dinheiro.
Com mais esse revés, Naziazeno tenta pedir um “vale” numa casa de empréstimos, na qual ele já tinha um débito anterior:
– Só a grande necessidade me traz aqui na sua casa, antes de resgatar aquele vale.
– O vale resgatará quando puder – responde-lhe o indivíduo. Tem uma leve impaciência. Olha para os lados. Parece que tem necessidade de se ir embora.
(…)
– Impossível.
– Pra o sr não lhe custa – e Naziazeno força um tom de amabilidade – e pra mim é tudo acredite.
– Não duvido. Mas me é impossível – martela o indivíduo.” (Idem, pg. 70-71).
A essa altura já é quase noite. Andando sem rumo no centro da cidade, Naziazeno reencontra Alcides e conta o insucesso da cobrança. Então Duque aparece no café onde os amigos estão, sempre com uma solução no bolso.
Duque sugere um agiota chamado Rocco. Alcides vai sozinho ao encontro do sujeito, mas não consegue o dinheiro emprestado. Os amigos conversam em busca de uma solução. De agiota em agiota, andam pelo centro da cidade, de negativa em negativa. Naziazeno se deixa levar pelos amigos, já sem ação.
Alcides então oferece a solução: um anel de sua posse, que se for empenhado levantará a quantia certa. Depois de mais idas e vindas a casas de penhores, Duque levanta a quantia necessária ao amigo tendo o anel como garantia.
Finalmente Naziazeno retorna a sua casa com o dinheiro desejado. Como o empréstimo feito era maior do que a dívida, dá-se ao luxo de passar no mercado e comprar artigos para a casa. A esposa questiona a origem do dinheiro, a resposta é dada sem mentiras.
Naziazeno deixa o dinheiro do leiteiro em cima da mesa da cozinha. Espera que o homem, ao abrir a porta, dê com o pagamento e evite nova discussão com ele.
No entanto, Naziazeno passa a noite toda sem dormir. Ouve barulhos. Começa a pensar que ratos podem roer o dinheiro durante a noite. Desespera-se, mas ao mesmo tempo, não tem forças para levantar-se e verificar se os ratos existiam ou não. Depois de uma noite em claro, Naziazeno escuta o leiteiro adentrar a casa pela manhã. O homem deixa o leite e vai embora, sem discussão. Então dorme finalmente: os ratos eram apenas ilusão.
REFERÊNCIAS
MACHADO, Dyonelio. Os ratos. Editora Ática. São Paulo: 1992.
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