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Os reflexos da pandemia no sigilo entre advogado e cliente

Os reflexos da pandemia no sigilo entre advogado e cliente

Com a instauração do Estado Democrático de Direito, aquele que se encontra no pelourinho dos réus pode desconfiar do Poder Estatal. Posto isto, no momento do exercício do Poder Punitivo, o Estado deve assegurar aos denunciados o exercício da plenitude de defesa, sendo esse exercido pelo réu quando participar de todos os atos processuais.

Nesta feita, verifica-se que o direito de relação advogado/cliente é de suma importância para as estratégias processuais, devendo, portanto, ser assegurado o sigilo do teor da conversa entre os mesmos. Prevê o art. 7º, inciso II do Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil, in verbis:

Art. 7º – São direitos dos advogados:

(…) II- a inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho, bem como de seus instrumentos de trabalho, de sua correspondência escrita, eletrônica, telefônica e telemática, desde que relativas ao exercício da advocacia; (Redação dada pela Lei nº 11.767, de 2008)

Prevê o art. 5º, inciso XII, XIV e LVI, da Constituição Federal de 1988, in verbis:

Art. 5º – Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(…) XII – é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal;

(…) XIV – é assegurado a todos acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional;

(…) LVI – são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos.

Logo, é inconteste que, uma vez violado o sigilo advogado/cliente, consubstanciará em prejuízos incomensuráveis para a defesa.

Desde o início do ano, o Brasil sofre com a pandemia de coronavírus que assola o mundo. Tal dispersão do vírus tem exigido do Poder Judiciário “pisar sobre cascas de ovos”, visto que está em jogo a vida e os direitos dos denunciados.

Nesta feita, o Poder Judiciário, como forma de zelar pela celeridade e justiça material, está realizando as audiências criminais através da plataforma emergencial disponibilizada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Contudo, devemos nos rememorar que há casos, como de advogados ad hoc, que os mesmos apenas conversam com os denunciados minutos antes das audiências, seja por impossibilidade física e/ou financeira, visto que é demorado o pagamento dos honorários advocatícios pelo Estado.

Posto isto, como fica o sigilo advogado/cliente nos casos de advogado ad hoc? Ora, será que a conversa será gravada e utilizada como prova? Possivelmente não, mas será que o magistrado e/ou o parquet assistiram a conversa? Como ficaria o livre convencimento do magistrado caso tenha acesso a conversa advogado/cliente? Este, certamente estará contaminado.

Com a devida vênia, mas não é aceitável confiar no Estado quando se trata de um direito e da vida daquele que se encontra no pelourinho dos réus, pois a dúvida ainda que ínfima deve ser levantada.

Não obstante, as provas são o eixo central do processo penal, visto que este é o elemento primordial para a formação da convicção do magistrado no momento de prolação da sentença. Logo, caso tenha o magistrado acesso à conversa advogado/cliente, sua convicção já estará formada ou contaminada.

Ademais, é cediço que a criação do juiz de garantias é uma clara e evidente demonstração que se deve duvidar do Poder Estatal, pois uma vez corrompido o devido processo legal, este está a pari passu da decadência da pressuposição de unidade e ordem do sistema normativo.

Noutro giro, devemos nos rememorar que nas audiências ocorre a identificação dos denunciados pela vítima/testemunha, ou seja, pelo meio virtual pode haver a condenação de um inocente e a absolvição de um culpado, visto que pelo meio virtual a identificação fica prejudicada, por não poder detectar elementos que apenas são realizados aos olhos “nus”, tais como: estatura, olhos, voz, etc.

Sendo assim, zelar pela celeridade e justiça material justificaria a condenação daquele que está no pelourinho dos réus por meios fraudulentos ou por identificações prejudicadas?

Posto isto, a nós, advogados criminalistas, só resta lutar pelos interesses e garantias dos denunciados, pela reafirmação da existência de um Estado Democrático de Direito.

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