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OSINT e Processo Penal: meio de obtenção da prova à serviço da investigação preliminar?

Por João Alcântara Nunes e Rodrigo Oliveira de Camargo. Ao prometer o acesso à informação, a Internet surge como instrumento da democracia, dependendo apenas da boa vontade do governo para facilitar aos cidadãos o conhecimento de todos os registros públicos e informações não sigilosas: interagir também é exercitar o direito de solicitar informações e respostas da máquina governamental. A informação advinda do contexto tecnológico é considerada a chave da economia mundial, uma substância, talvez a única, que cresça com o uso, ao contrário de bens naturais. Atualmente, informação é economia em abundância e que tende a conceder o acesso universal com a melhoria da infraestrutura que ocorrerá, naturalmente ou à força.

OSINT e Processo Penal

Isso implica na necessidade de uma reforma social e política: tal qual fora necessário remover as velhas estruturas do poder monárquico para dar acesso ao povo no processo democrático, o processo de comunicação e controle da informação “poderá ter que ser laçado para fora da nossa existência”. Ainda que a transição tenha chegado de forma muito pacífica por conta do uso doméstico das tecnologias, o controle de produção e emissão colocado na mão do usuário traz uma nova dimensão[1], produzindo impactos na investigação preliminar e na prova do processo penal.

O advento da tecnologia de transmissão estimulada pelas redes móveis entrega o poder de difusão nas mãos dos indivíduos, tornando-os fornecedores de informação em todas as áreas, e as instituições clássicas dos processos judiciais não estão alheias a essa realidade. Mesmo diante de um cenário de afronta aos direitos e garantias fundamentais pelo advento do uso abusivo das tecnologias em processos decisórios, nada impede que sejam estabelecidas novas estratégias, não apenas às que recorram ao uso da tecnologia da informação para um maior controle sobre os participantes do processo, mas que também lhes assegurem maior participação.

É neste contexto que, a serviço da investigação preliminar, surge uma nova dinâmica baseada na obtenção de informações a partir de fontes abertas[2], prática conhecida no meio da tecnologia da informação como OSINT (Open Source Intelligence), e que poderíamos definir como atividade de inteligência que se alia às tradicionais técnicas de investigação e fontes de informação através de métodos ancorados no manejo de ferramentas (OSINT Tools) de coleta, processamento, análise, classificação e disseminação de dados derivados de fontes abertas (públicas e disponíveis publicamente), cuja utilização estratégica em demandas ao exercício de direitos é admissível.

Evidentemente que muitas análises serão necessárias para confrontar as atividades e produtos da OSINT em relação aos direitos e garantias fundamentais, estabelecer limites em relação ao conceito de “fontes abertas”, assim como a validade de sua incorporação, utilização e valoração como prova no processo penal, o que não é o objeto dessas breves considerações.

Por hora, nosso intuito é esclarecer que, a partir do manejo dessas ferramentas, muitas disponíveis gratuitamente na rede mundial dos computadores, o usuário pode promover a análise, coleta, sistematização e produção de informações a partir de dados e metadados disponíveis em diferentes fontes públicas, publicadas e em arquivos digitais; o mapeamento apurado de perfis em redes sociais e de usernames[3]; além da coleta de nome, endereços, informações de hospedagem e outras informações de e-mails vinculados a um domínio pesquisado. Separamos três ferramentas de OSINT e explicamos suas principais funcionalidades:

Exiftool

De autoria de Phil Harvey, foi escrita em Pearl e teve sua versão 1.0 disponibilizada em novembro de 2003. A versão estável da ferramenta foi lançada em junho de 2020 e, com frequentes melhorias, continua acumulando atualizações desde então. Exiftool é um programa open source de leitura e escrita de metadados em arquivos de imagem, vídeo, texto e áudio, com suporte a centenas de extensões. São inúmeras as possibilidades de análise e produção de informações. No que diz respeito aos arquivos em PDF, exemplifica-se com os casos de extração de autos em vários sistemas de processo eletrônico do Poder Judiciário brasileiro: no arquivo baixado, um dos metadados que pode ser visualizado é o registro do nome e número do CPF do usuário responsável pelo download. Em relação às fotos, entre informações como modelo de câmera ou smartphone utilizado para obtenção da imagem e variados dados técnicos, destacam-se  os dados de geolocalização consistentes em coordenadas de GPS hábeis a identificar de forma precisa o local em que foi registrada a imagem naquele determinado momento.

TheHarvester

Criada principalmente por Christian Martorella, cofundador da Edge-Security, se trata de ferramenta open source (seu código fonte está disponível no repositório GitHub) desenvolvida em Python que se propõe à coleta e sistematização de dados disponíveis em diferentes fontes públicas como as indexadas pelas ferramentas de busca Google, Bing e DuckDuckGo, além de bases de dados como Shodan, redes sociais como LinkedIn e Twitter, entre outras. Seu escopo atende principalmente profissionais de cybersegurança ofensiva na realização de testes de penetração (pentesting), vez que, ao reunir diversos dados disponíveis na rede acerca de um domínio, possibilita a produção de informações sobre potenciais cenários de vulnerabilidade e exposição de um alvo. A maior parte dos seus recursos opera de forma passiva, ou seja, não há interação direta com o domínio-alvo. Para fins de investigação, através dela é possível coletar nome e endereços de e-mail de funcionários da empresa vinculada ao domínio pesquisado, reunir informações sobre sua estrutura organizacional, subdomínios, entre outros.

Check Username

Considerando a imensurável gama de fontes disponíveis, softwares e aplicações que realizam a automação de tarefas otimizam e – por diversas vezes – possibilitam a realização de coletas qualificadas de dados.  Para mapeamento de plataformas em que um alvo possa ser titular de um perfil ou conta cadastrada, como Facebook, Reddit, Flickr, etc, seria necessário pesquisar manualmente através de nomes de usuário (usernames) em centenas de sites. Considerando que, comumente, utiliza-se o mesmo nome em diversos cadastros, é possível valer-se de serviços de checagem da disponibilidade de usernames para identificar em quais sites o alvo potencialmente possui cadastro.  Existem dezenas de ferramentas com funções análogas, de forma que a opção pela exemplificação que segue se deu em face da base de dados da Knowem.com possuir maior variedade de fontes em comparação com as demais. A empresa KnowEm LLC oferece enquanto serviço o auxílio a empresas na identificação da disponibilidade de seus nomes na web, com intuito de proteger a marca comercial, além de ajudar em eventuais restituições junto aos sites em que houver cadastros indevidos. Dito isto, é importante ter em mente que a ferramenta disponibilizada no site da KnowEm não é open source, apesar de ser gratuita. Através dela é possível realizar consultas de forma unificada em mais de 500 fontes, em busca de locais da web em que o alvo possui perfis.

[1] CASTELLS, Manuel. A Galáxia da Internet: Reflexões sobre a Internet, os negócios e a sociedade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003 , p. 128; KERCHOVE. A Pele da Cultura: investigando a nova realidade electrônica. São Paulo: Annablume. 2009. p. 76; RODOTÀ, Stefano. A vida na sociedade da vigilância: a privacidade hoje. 1. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 25

[2] MARTÍN, Joaquin Delgado. Investigación tecnológica y prueba digital em todas las jurisdiciones. Wolters Kluwer: Madrid. 2018. p. 466-467.

[3] MARTÍN, Joaquin Delgado. Investigación tecnológica y prueba digital em todas las jurisdiciones. Wolters Kluwer: Madrid. 2018. p. 209-221.

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