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Overcharging: a prática de abusar nas acusações precisa ser freada

Overcharging: a prática de abusar nas acusações precisa ser freada

Não há dúvidas que nos últimos anos o Brasil vem experimentando um momento delicado de crise econômica e crescente violência nas cidades, todavia devemos concordar que esse cenário não justifica excessos acusatórios resultantes de investigações preliminares feitas de forma açodada e precária, sem as cautelas necessárias imanentes ao procedimento.

Nos Estados Unidos da América, há estatística que 90% dos casos criminais acabam em acordo com o promotor público (Bureau of Justice Statistics), nos quais o suspeito acaba por aceitar algum tipo de pena, em sua maioria privativa de liberdade, constituindo o plea bargain a regra no processo penal norte americano, tal como o nosso Ministro da Justiça Sérgio Fernando Moro quer incutir no nosso sistema processual.

Pergunta-se: não é estranho que só 10% dos casos sejam submetidos a efetivo julgamento no sistema norte-americano? Será mesmo que todos os que fizeram acordo são culpados? Nos parece que não. Uma espécie de arrependimento em massa não é factível, sobretudo quando analisamos os aspectos criminológicos de seletividade do sistema penal, seja lá ou aqui.

Ocorre que no sistema norte-americano, para incutir medo, os promotores são hábeis em agravar as acusações, levando essa estratégia o nome de “overcharging”, na qual se exagera nas acusações e, por consequência, se força os suspeitos a aceitar um acordo.

Uma verdadeira e rasteira coerção, a qual, muitas vezes, conta com a ajuda dos juízes, os quais puniam mais severamente aqueles que ousavam rejeitar o acordo, caso condenados ao final.  Qualquer semelhança com a Operação Lava-Jato é mera coincidência…

Na realidade brasileira, além da ampliação considerável dos espaços de consenso no processo penal, o abuso do poder de acusar tem se tornado muito comum, apoderando-se alguns promotores e procuradores de estratégias para incutir medo no imputado.

Prisões temporárias como sucedâneo da proibida condução coercitiva, amputação patrimonial do investigado, pedidos de prisão preventiva, vazamentos seletivos a imprensa, não raro às vésperas de julgamento, para pressionar desembargadores e ministros a negar habeas corpus e, o mais grave, denúncias  excessivas por crimes que, tecnicamente, não se adequam à conduta investigada, com a única intenção de incutir medo no imputado forçando-o a aceitar algum acordo ou diminuir sua resistência no processo.

Essa estratégia, a nosso ver, nos parece mais grave e recorrente em procedimento afeto ao Tribunal do Júri, uma vez que, raramente, o promotor de justiça oferece denúncia por homicídio simples, sustentando sempre uma expressiva quantidade de qualificadoras, mesmo que flagrantemente improcedentes, com a única intenção de tornar a conduta deveras grave na visão dos jurados, e dificultar o trabalho da defesa a qual tem que utilizar o precioso tempo de sustentação no plenário para rebater cada uma das qualificadoras improcedentes da acusação.

No atemporal trabalho científico de Heleno Fragoso denominado “Ilegalidade e Abuso de Poder na Denúncia e na prisão preventiva”, ao citar Manzini, obtemperava que o escopo do processo penal é o de verificar o fundamento da pretensão punitiva e não o de torná-la realizável a todo custo.

Entretanto, na atual conjuntura, verificamos um vertiginoso crescimento da estratégia do overcharging, constrangendo meros suspeitos por meio de prisões preventivas e excesso acusatório, até quebrar-lhe a resistência.  Constrangidos, não raro, tornam-se instrumento de prova contrária a si mesmo, fazendo-os abrir mão de seus direitos individuais.

Enfim, o overcharging é uma tática perversa que só tenderá a crescer caso os anseios do Ministro da Justiça Sérgio Moro tenham o aval do legislativo, de maneira que a comunidade jurídica e, sobretudo os advogados, devem ter responsabilidade de denunciar e se opor a essa prática deveras nociva para o nosso sistema de justiça criminal.


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Carlos Augusto Ribeiro

Advogado criminalista

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